sábado, 24 de outubro de 2020

A lagarta das couves

Certo dia de Outubro o Duarte foi à horta com a avó Paula e o avô Pedro e tiveram um diálogo muito giro desenhado de forma magnifica pela a avó. Passo a citar:





Após dois dias de chuva tudo cresceu na horta. Então, fomos os três até lá.
-Avó, nem vais acreditar? Olha como cresceram os nabos!
Chegámos perto das couves. As lagartas tinham comido as couves , só deixaram os talos. A minha intenção foi matá-las, mas o meu neto ao vê-las disse:
- Avó , as lagartas são tão fofinhas, tão lindas, tao queridas! Não vais matá-las.
Chegou ,então o avô para salvar a situação:
Vamos apanhá-las e pô-las ali no mato , que têm muita erva fresquinha.
-Está bem avô!

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Quantas sardinhas cabem numa lata? (asas para poetas analfabetos)- Jornal Expresso

A poesia está antes de aprender a Juntar as letras. É a maior lição do "o Poeta Faz-se, iniciativa que, em Matosinhos, foi descobrir os poetas por trás de quem é adulto, a aprender a ler e a escrever


Três! Júlia tem a certeza. A pergunta da formadora parece que foi feita para si, que ainda ontem abriu uma lata de sardinhas. Vinham lá três, só, e picantes, em molho de tomate, junto com “um jindungo deste tamanho”. Com as mãos, estabelece um comprimento exagerado enquanto a entoação lhe foge para mostrar que o achou isso mesmo, exagerado, para uma lata só com três sardinhas. A professora escreve:

“Três sardinhas numa lata

Com um jindungo deste tamanho”

“Isto ainda não rima, mas depois nós damos a volta”, antecipa Maria David. As regras para rimar poemas, que havia ensinado nas duas aulas passadas, não estavam a ser, para já, ali aplicadas, pensava alto, alheia a Júlia, que continuava numa descrição empolgada da lata para mostrar indignação com a falta de peixe nela. “Conclusão: o piripiri era mais do que as sardinhas”.

Alguém bate à porta da sala de aula. É Albina. Já que o tema para a poesia é sardinhas enlatadas, foi buscar uns quantos exemplares, ela que trabalhou uma série de anos na Conserveira Portuguesa, ali em Matosinhos. Albina é a pessoa certa para responder à pergunta-mote da última sessão do curso de poesia. Quantas sardinhas cabem numa lata? Mas antes de se aperceber da problemática, pousa irrequieta pratos de plástico azuis sobre uma mesa desocupada, com a expressão de uma quase ceia de Natal. Quando se apercebe, pergunta: “Quem é que disse que eram três?”. “Eu”, afirma Júlia. “Mas eu digo que são quatro”, discorda Albina. “As latas de conserva, tanto de óleo, como de azeite, como de tomate ou malagueta, têm todas de quatro para cima”, reforça. “Mas aquela tinha três”, insiste Júlia. Os dois primeiros versos do poema estavam transformados num diálogo entre Júlia e Albina.

Com o resto da turma calada e a quadra a precisar de ser terminada, Maria David procura apanhar, entre as conversas cruzadas, alguma lógica para os próximos versos, e escreve no quadro “Mas eu digo…”. Albina interrompe-lhe o pensamento. “Você diz o quê? Eu aqui é que sou a peixeira!”, e vai buscar uma lata das que trouxe, abre-a sem que o óleo lhe suje demasiado aos mãos, e prossegue. “Quantas sardinhas tem?”. “Cinco”, diz a professora, para espanto da aluna. “Cinco? Eu aqui é que sou a analfabeta!”.

Naquela e noutras sete turmas do projeto +Literacia, promovido pela Biblioteca Municipal de de Matosinhos, todos estão a aprender a ler e a escrever, embora já tenham ultrapassado a idade escolar a passos largos. Às aulas de todo o ano, foi agora acrescentada uma variável: a do curso de poesia, em três sessões, na primeira metade do mês de outubro, para mostrar que “O Poeta Faz-se”.

“Toda a gente sabe ler”, diz Júlia, após presentear a última sessão com a leitura esforçada de um poema de Eugénio de Andrade. “Isso não é verdade”, contesta Albina, que ainda se esforça por dar significado às letras. “Mas toda a gente pode fazer poesia, mesmo que não saiba ler”, diz a formadora Maria David, como que a afincar o mote do projeto e a última lição da lição do dia.

Quando a cooperativa cultural Bairro dos Livros, junto com a autarquia da mesma cidade, lhe propuseram dar seis sessões de poesia a analfabetos, pensou como é que um mestrado em literatura moderna, focado na poesia narrativa de Al Berto, e duas décadas de experiência no mundo editorial poderiam aproximar a poesia de quem viveu sempre tão longe dela. “Tendemos a associar a literatura a questões romantizadas e sentimentalizadas. Eu, pessoalmente, evito um bocadinho essa abordagem. Tenho um certo gosto em pensar nestas coisas e agrada-me a ideia de as desconstruir ao ponto de serem acessíveis para qualquer pessoa”. Por isso, tratou de conhecer as duas turmas em que pegou, e trazer o dia a dia delas para a sala de aula. Com sardinhas, quis mostrar “como a potencialidade poética da linguagem está sempre presente, até na linguagem de todos os dias”.

ENLATADOS
Quantas sardinhas cabem numa lata? Os últimos números oficiais, que remontam aos Censos de 2011, dão conta de um analfabetismo que atinge cerca de 5% da população. A maioria, idosos a viverem em zonas do interior. O número baixou 20 pontos percentuais em 50 anos. Nos anos 70, 25% da população era analfabeta. Mas desenganemo-nos. Portugal continua no topo da tabela dos países europeus com maior taxa de analfabetismo. Há 30 mil pessoas em idade ativa (entre os 18 e os 65 anos) que não sabem ler nem escrever. E quase nunca sobre o investimento sobra para as desenlatar.

O +Literacia surgiu há quatro anos, “após um diagnóstico social no concelho de Matosinhos de que não havia uma resposta para as pessoas que não sabiam ler nem escrever ou que tinham baixos níveis de literacia”, explica a professora Ana Sofia Lopes que, com 25 anos e um curso de 1º e 2º ciclos do Ensino Básico, se viu a ensinar a adultos o que aprendeu a ensinar a crianças. O método é o mesmo, mas há um choque constante de realidade. “Ver as montras e conseguir ler, ver as placas na estrada e saber para onde se vai, assinar, quando muitos o fazem com impressão digital. Às vezes não paramos para pensar em que é que isto limita a vida destas pessoas - e limita muito”.

Pedro começou a aprender a ler esta semana. Reformado aos 42 anos, por invalidez, só sabe assinar o nome. Vai à caixa multibanco e faz “tudo sem saber ler”. No computador, usa um programa que transforma as palavras ditadas em palavras escritas. Quando recebe mensagens ou notificações no telemóvel, usa outro programa para lhe dar sentido às letras. “É muito bonito termos um telemóvel, mas dá-lo a um amigo ou a um irmão para nos escreverem uma mensagem faz com que não guardemos segredo para nós”, conta ao Expresso.

É o aluno mais recente do projeto que quer retirar da vulnerabilidade social os que, por uma razão ou por outra, não puderam completar o ensino básico regular antes de entrarem para o mercado de trabalho. Uma amiga que tem há 19 anos disse-lhe: “Vais tirar a carta!”. Só que, para isso, precisa primeiro de aprender a ler. Ela pegou nele por uma mão e levou-o ao Centro Qualifica, da associação Adeima. E a coincidência do calendário fê-lo confrontar-se logo no começo das aulas com três sessões de poesia, ao leme da outra formadora do curso, Raquel Patriarca. Poesia, essa coisa longínqua que pensava ser “uma coisa de poetas, só”

SAIR DA LATA
“Os livros não são para mim. A poesia é coisa de pessoas inteligentes”, resume Raquel, pondo em palavras o que vai na cabeça dos alunos com que se viu à frente nas seis sessões que conduziu. Nesta ideia de relação direta entre a inteligência e a escolaridade, “que não é tão líquida quanto isso - aliás, não tem nada de líquido, é bastante gasoso, até” - está assente uma crença enraizada de fracasso com que a formadora se viu a debater pela primeira vez.

Após uma carreira como professora e autora de livros para crianças, diz que a vantagem de levar a poesia a adultos é, precisamente, retirá-los dessa crença. “A poesia é algo que não se ensina a ninguém”, começou por explicar. Tal como nas crianças, ela vem “antes de aprender a ler e a escrever”. Por isso abraçou este projeto da Adeima, e diz que, “tal como os projetos primos e irmãos, ele tem uma importância incrível porque apoia uma faixa da população que está a cair nas frinchas da sociedade. O mundo democrácio não pode dar-se ao luxo de ter pessoas sem acesso à literacia”.

Pedro quer fazer a quarta classe, e, talvez um dia saber decifrar a informática. “Eu sei muita coisa, mas o que me custa é juntar as letras”. Com ajudas, escreveu o primeiro esboço da sua incursão no mundo poético.

“O coração fica nervoso

quando sentimos algo

por uma pessoa

Eu fico ansioso”

Escolheu o amor como tema. “Se o coração fica nervoso e o poeta fica ansioso, o que é que se está a passar aqui?”, pergunta a formadora da turma de Custóias. “O coração palpita como uma batata frita”, ouve-se ao fundo. É Rosário a fazer brilhar os olhos de Raquel com uma comparação, uma metáfora e uma rima, tudo junto num verso só. Na sua vez de ler o que escreveu, agarra logo na folha, colocando-a melhor no campo de visão, e lê:

“O sol, quando brilha

Todos ficamos contentes

Onde vais, minha filha?

Vou buscar os meus presentes”

Com 58 anos, Rosário entrou para o projeto +Literacia em fevereiro, “antes disto da pandemia”, e juntou-se aos cerca de 100 outros alunos, distribuídos pelas quatro uniões de freguesia do concelho. Está no fundo de desemprego, tem estado em casa. Tem a quarta classe, “mas mal”, e todos os trabalhos que se lhe apresentam pedem pelo menos o 6º ano. “Hoje em dia, se a gente não souber ler e escrever em condições, não é nada.”

Raquel apaixonou-se desde logo pelo projeto. Na primeira aula, trouxe às suas turmas um poema em forma de chave. Visualmente, é uma chave, cujo único texto que tem é o abecedário. “Alguns deles disseram logo que não conseguiam ler”. Um conjunto de letras que nem fazia sentido. Depois, trouxe-lhes uma página do manuscrito inicial do "Guardador de Rebanhos", de Fernando Pessoa, impossível de ler. “Aquilo tem anotações na margem, tem palavras riscadas, tem palavras substituídas, mudadas de sítio. A leitura que eu queria que eles fizessem era a do curso. Nenhum poeta, nem os mais geniais, fazem tudo à primeira”.

Na última das sessões que se comprometeu a dar, despediu-se com um pedido. “Agora que já abriram a porta, venham saber todos os caminhos que essa chave pode abrir.” As letras são chaves, abre-latas, asas, ou outros lugares comuns quaisquer, a partir do momento em que soubermos casá-las bem.

“Ele está aí

Vamos todos agasalhar-nos

Vai ter vento, chuva

E, se calhar, vai até

Nevar”

Maria das Graças

“As folhas caíram da árvore

O vento assobia no monte

A chuva bate no telhado”

José Maria

“Eu sinto borboletas dentro de mim

Não se apaga do coração

O sentimento assim”

Fernando

“Como gostaria de mergulhar

No fundo de mim

Para dizer-te o quanto sinto

Como gostaria de ter as

Palavras certas

Para te dizer o quanto te sinto”

Maria João

(O projeto “O Poeta Faz-se” culminará numa instalação artística exposta em espaço público, em Matosinhos, no mês de novembro)

Texto Escrito por Joana Ascensão e Rui Duarte Silva
20 de Outubro de 2020

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Faltam cada vez mais professores- Jornal Expresso


Número de horários de docentes ainda por preencher mais do que duplicou em relação a 2019


Na Secundária João de Barros, no Seixal, não se espera só pelo fim das obras, iniciadas pela Parque Escolar há mais de dez anos.

 

Desespera-se por professores.

 

Após um mês do início das aulas — período que devia servir para recuperar o que não se aprendeu no passado ano letivo, com o ensino à distância —, há turmas onde faltam seis docentes, o que significa que os alunos estão sem aulas em metade das disciplinas.

 

“No agrupamento, temos três horários de Português sem professor, dois de História e um de Informática. Francês e Geografia são dificuldades que já tínhamos no ano passado e que se mantêm”, explica Hugo Pereira, assessor da direção.

 

Desde o início do ano, já houve necessidade de ir às listas nacionais onde constam os professores disponíveis para encontrar 19 substitutos de docentes que estão de baixa, saíram ou aposentaram-se.

 

“No 3º ciclo há mais de dez turmas com horários muito esburacados.

 

Se as aulas em falta forem nas horas intermédias, outros professores asseguram esse tempo, para manter os alunos na sala. Nos extremos do dia, não fazemos substituição”, acrescenta Hugo Pereira.

 

O problema estende-se a muitos agrupamentos. Não do país, mas de duas regiões em particular: Lisboa e Algarve.

 

Ainda há alguns milhares de professores por colocar que constam das listas conhecidas como reservas de recrutamento.

 

Mas nem todos têm formação para dar as disciplinas em que há mais lacunas ou não estão interessados em ir para os locais onde são necessários — o que recebem não compensa ou pode mesmo não chegar para a renda e deslocações.

 

No Agrupamento da Portela, em Loures, procuram-se professores do 1º ciclo, de Português, Economia, Francês e História/Estudos Sociais. Esta semana chegaram dois de Matemática, reduzindo o número de horários por preencher.

 

Subsistem cinco lugares, que afetam mais de 20 turmas desde o início do ano letivo, explica o diretor, Nuno Reis.

 

Num agrupamento onde a média de idades ronda os 57 anos, o desgaste, a saúde e agora a pandemia fazem mossa.

 

“Neste momento, temos mais de 20 professores de baixa num total de 220. Noutros anos temos tido menos. Mas com os casos de covid-19 a aumentar muito no concelho, as pessoas ficam receosas. Temos vários atestados do foro psicológico.”

O diagnóstico está feito, mas faltam soluções. E os números comprovam que as dificuldades agravam-se de ano para ano. Só na primeira quinzena de outubro, as escolas viram-se obrigadas a pedir 1870 horários através do mecanismo de contratação de escola. Isso significa que já não há professores disponíveis nas tais reservas de recrutamento ou os que existem recusaram o lugar.

 

O processo começa sempre pelas reservas de recrutamento.

 

Se ao fim de duas semanas os horários continuarem vazios, passa-se para a fase de contratação de escola. Só na semana passada foram solicitados por esta via 637 professores, mais do dobro do registado no ano passado no mesmo período (255). Os distritos de Lisboa, Setúbal e Faro são as zonas para onde é mais difícil encontrar professores. Informática, Geografia, Inglês, Português e Educação Moral e Religiosa são as disciplinas mais carenciadas.

 

As contas são feitas para o Expresso por Davide Martins, professor de Matemática no Agrupamento de Matosinhos e colaborador do blogue de Educação ArLindo. “Em 2019, desde o início do ano letivo até 31 de outubro, saíram 1322 horários em contratação de escola, o que já é um número considerável.

 

Este ano esse valor já foi ultrapassado no dia 10, evidenciando que a falta de professores tem aumentado e se faz sentir cada vez mais cedo”, explica.

 

Há mais dados a comprovar o problema. Todas as semanas, as escolas comunicam os professores que têm em falta nesse momento. Como em qualquer profissão, há baixas médicas, licenças de maternidade ou reformas, que fazem com que a dada altura falte um professor. Desde o início de setembro, já foram pedidos neste contexto mais de 21 mil docentes para substituição.

 

No ano passado, no mesmo período de tempo, foram menos cinco mil. “O envelhecimento e o burn out [esgotamento] são a causa de muitas baixas. A que acrescem as aposentações, que têm vindo a subir”, analisa o professor.

 

O medo do vírus O Ministério da Educação (ME) garante que as faltas já estão a ser supridas e que os problemas no início deste ano têm várias explicações: além dos mais de 500 docentes que pediram substituição por serem de risco, houve um “número anormalmente alto de não aceitações de horários, atendendo à situação de pandemia que leva os professores a não quererem deslocar- -se da sua área de residência”. E houve ainda este ano mais 1100 pedidos de mobilidade por doença (do próprio ou de um familiar dependente), possibilidade que permite a colocação numa escola diferente, libertando assim novos lugares. Há mais de 8 mil professores com esta autorização, sendo que a maior parte saiu da Grande Lisboa para a região Norte. Houve ainda autorização para contratar mais 3300 para o plano de recuperação das aprendizagens.

 

“As listas do ME estão a esgotar-se, já não há mais pessoas para recrutar. Sabemos que este problema vai crescer e vamos ficar com muita carência. Deixaram de formar pessoas, outros reformaram-se, e é uma carreira muito pouco aliciante”, aponta, por seu turno, Maria Caldeira, diretora do Agrupamento do Alto do Lumiar, em Lisboa, onde faltam agora oito professores, incluindo de Matemática.

 

De acordo com os cálculos de Davide Martins, já há grupos de recrutamento com muito poucos ou mesmo sem candidatos disponíveis para escolas da região do Algarve e da Grande Lisboa. Apenas um exemplo: na lista de possíveis candidatos a dar aulas de História do 3º ciclo e secundário em escolas desta última região, encontram-se neste momento apenas três nomes; a nível nacional há 180, num total inicial de 1315. A Geo grafia já não há nomes para Lisboa, tal como a Informática.

 

Significa que esses lugares vão ficar vazios? Não. Esgotando-se os candidatos nestas listas nacionais, passa-se então à contratação de escola, em que estas publicitam a oferta, recebem novas candidaturas e escolhem.

 

O problema é quando nem nesta etapa surgem interessados, levando a que os alunos fiquem sem aulas durante várias semanas ou mesmo um período inteiro, como aconteceu no ano passado.

 

O ME também garante que há um “trabalho de incentivo à fixação de professores que já foi iniciado e que será incrementado”, mas não explica o que está ser feito.

ileiria@expresso.impresa.pt

 

Desde o início de setembro, já foram pedidos pelas escolas mais de 21 mil docentes para substituição.


Texto Escrito por: Isabel Leiria e Raquel Albuquerque. (Jornal Expresso)


domingo, 18 de outubro de 2020

Desabafos de um professor após um mês de trabalho.

E já passou um mês desde o início do ano letivo. Apercebo-me que já fiz tanta coisa que às vezes penso que já passaram dois ou três meses.  Quando alguém me dá uma oportunidade de fazer algo que gosto abraço-a e dedico-me ao trabalho com outra disposição.

Admito que por vezes os alunos não ajudam, sinto uma situação de desconforto enorme quando preparo uma aula e vejo praticamente todos os alunos desatentos sem qualquer respeito pelo professor. Admito que isso me dói e entristece profundamente. Sinto-me impotente para fazer face ao uso excessivo do telemóvel em sala de aula. Para colmatar essa falta de respeito sou um pouco mais duro com eles e chamo-os muitas vezes à atenção e acima de tudo tento arranjar estratégias que os consiga trazer mais para a minha aula, nem que seja por breves minutos.

No 10º ano a falta de respeito retratada no parágrafo anterior ainda não acontece, provavelmente pelo facto de ainda virem com os bons hábitos do ensino regular e ainda não ganharem os maus hábitos dos mais velhos. No 10º ano sinto o gosto por ensinar Geografia e não só.

No 11º ano e principalmente no 12º ano a situação é muito mais complicada. É desmotivante perceber o desinteresse da maior dos alunos. 

Para tentar solucionar este problema coloco-me muitas vezes do lado do aluno e perceber quais serão as formas de ensino que as poderão captar mais a sua atenção. Até à data já tentei muita coisa mas irei continuar a batalhar.

Na passada sexta feira, exatamente no último tempo da semana, estava extremamente cansado após 4 dias de intenso trabalho decidi mudar um pouco a minha postura perante a turma e ser um pouco mais agressivo. Eles fizeram uma ficha na parte inicial da aula que quase todos cumpriram e na parte final decidi mostra-lhe um vídeo sobre o projeto Ferrovia 2020 sobre o corredor ferroviário do sul. Apesar de as condições de trabalho não serem as melhores e não ser possível ver o vídeo por causa da extrema claridade pedi-lhe que ouvissem com atenção. Realcei o facto que queria que todos estivessem atentos e se desligassem dos telemóveis, pois caso não o fizessem teriam ordem de saída da sala com a marcação da respetiva falta o que aconteceu com um aluno apenas no início da apresentação do vídeo. A atenção dos alunos a partir daí foi quase total, Eu parava constantemente o vídeo fazia questões e muitos deles respondiam de forma correta com um grande interesse sobre aquilo que estava a ser tratado. O facto de assunto tratado ser algo do interesse deles pois Grândola faz parte do corredor ferroviário do sul também ajudou ao sucesso da parte final da aula.  

 Após ter concluído a aula pude saborear um pouco o êxito conseguido naquela parte final da aula. Soube tão bem ter os alunos interessados em ouvir o que eu tinha para dizer. A vida de professor é esta e feliz ou infelizmente nem sempre as coisas correm bem. Faz parte do nosso crescimento profissional.

sábado, 17 de outubro de 2020

As cores do Alentejo. Memórias ano letivo 2010/11

Estive no Alentejo no ano letivo 2010/11. Admito que não gostei foi um ano muito difícil onde ao contrário do que acontece agora não desfrutava da profissão. Os dias demoravam mais a passar a desorganização na realização das tarefas e a falta confiança eram algumas das causas.

No entanto queria aproveitar para narrar o que de melhor pude ver naquele ano letivo, na viagem entre Sabóia e Ourique. Escrevi um texto no dia 28 de Maio de 2011 que intitulei de Alentejo II.

Na resposta a um dos comentários escrevi um texto que acho delicioso passados tantos anos. Reflete as mudanças de cores do Alentejo nas diferentes estações do ano que era tão visível na viagem entre Sabóia e Ourique.

O texto foi o seguinte:

"A paisagem ajuda a revigorar após um dia uma semana ou um mês de trabalho.

Além da beleza da paisagem uma das coisas mais aprecio são as diferenças das cores, que subjazem nas diferentes estações. Deve ser a Região onde as estações do ano melhor se distinguem.

Desde as cores outonais, passando pelo frio do Inverno onde as folhas caem, até à florida Primavera e ao amarelecido Verão. Nos vários trajetos que fiz para Sabóia deu para ir saboreando o passar do tempo e as alterações na paisagem. Deixo aqui o meu testemunho numa deslocação para Sabóia ao fim da tarde no longínquo mês de Novembro de 2011:


Na passada terça feira fui para mais uma das muitas reuniões em Sabóia. A escola onde tenho só 6 horas e me dá para me  recompor o horário. Continuando, quando ia para a dita reunião apesar da pressa devido ao atraso não consegui deixar de me deslumbrar a beleza da paisagem de um Alentejo profundo onde o pôr do sol associado, a paisagem Outonal e uns toques de verde resultantes das últimas chuvas, concederam-lhe uma beleza que eu associei imediatamente a uma tela fascinante. Apeteceu-me parar o carro tirar um número infindável de fotos. Não deu, pois o tempo era escasso, mas surgirão novos oportunidades.

É triste e desolador aperceber-me de sítios tão bonitos que são esquecidos e mal aproveitados pelo nosso país.

Há-de correr tudo bem em mais esta etapa da minha vida, tenho estes momentos que me dá para apreciar a paisagem e encher um pouco o ego para enfrentar mais um dia de trabalho."


Com a leitura deste texto recordo por momento aquelas paisagens. Qualquer dia vou ao baú de recordações tentar recuperar algumas dessa imagens.


A música do Outono- Escola do Duarte

O Duarte hoje surpreender-nos com a música do Outono. Cantou a letra toda e eu não pude deixar de escreve-la para mais tarde recordar:

"Loucas. loucas andam as folhinhas;

Ficaram castanhas e amarelinhas; 

Voam Voam como os passarinhos; 

Depois lentamente dão-se ao abandono;

Ficam lá no chão chegou o Outono."


sábado, 10 de outubro de 2020

A falta de professores

Olho as notícias diariamente e oiço muitas informações, a triagem admito que por vezes não é fácil.

A falta de professores é uma notícia que sinto e percebo.. As mudanças na legislação no ensino têm sido muito rápidas e o papel do professor tem perdido importância,

A inclusão dos alunos com dificuldades de aprendizagem tem sido alvo de muitas mudanças e a falta de tempo para os professores a assimilarem e praticarem é evidente. O tempo letivo de um professor é uma pequena percentagem de todo o tempo que é dedicado à profissão. O que é exigido a um professor hoje retira tempo para o fundamental que é a preparação das aulas.

Os professores contratados por muitos designados os "professores da mala" são os que estão na base da pirâmide e têm que passar por imensos sacrifícios. As centenas de horas que passam na estrada em cada ano letivo faz logo uma triagem, perdendo-se muitos bons professores pelo caminho, pois desistem da profissão. Licenciam-se profissionais nesta profissão que optam por outras vias, pois a profissão é mal paga  para a exigência e responsabilidade que nos é incutida.

A falta de professores deve ser olhada com muita atenção pelo Governo. Um maior  respeito pelos professores contratados para mim é a solução para o problema, pois havendo uma base mais larga satisfeita com os seu trabalho vai atrair mais gente para uma profissão que tem sido tão mal tratada no passado recente.


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Há falta de professores?- Autor Paulo Guinote

 É estranho que o senhor ministro desconheça estas circunstâncias, pois vai a caminho de ser o titular mais tempo no cargo desde 1974. Era tempo de acelerar a sua curva de aprendizagem. Ou de resolver o problema, em vez de lançar acusações despropositadas, apenas para se livrar de qualquer responsabilidade política perante a opinião pública


O alarme chegou mais cedo do que o habitual: poucas semanas depois do início das aulas já é complicado encontrar professores para substituir aqueles que entram de baixa médica ou que, por outras razões, deixaram de leccionar. Embora esta situação se tenha tornado recorrente nos anos mais recentes, o habitual é que esta escassez se fizesse mais notar a partir do 2.º período ou, como o ano passado, no fim do 1.º período.

A explicação não passa pelo contexto de pandemia e por uma eventual inundação de pedidos de baixa médica por questões de risco. Os 12.000 docentes “de risco” que iriam pedir atestado, que algumas contas por demonstrar apresentaram quase como uma ameaça ao funcionamento das aulas, ficaram-se por escassas centenas. Pelo que teremos de procurar algures as razões para a situação de carência que se vive.

Falta de candidatos à docência? Também não. Às 872 vagas abertas este ano para os quadros concorreram quase 37.000 professores em busca de colocação, bem acima dos 34.000 do ano anterior. Dos que não conseguiram entrada nos quadros, cerca de 9300 entraram em contratação inicial para o que o Ministério da Educação considera “necessidades temporárias”. Restaram mais 24.000 para substituições a realizar durante o ano lectivo. E será aqui que já voltaremos, para perceber porque agora eles parecem ter desaparecido.

Naquela sua forma de falar sobre estes assuntos, num misto de aparente desconhecimento da realidade e desejo de afastar de si qualquer responsabilidade política, o ministro da Educação deu uma entrevista em que afirmou que a falta de professores que permanece em muitas escolas se deve à negligência das direcções, singularizando o caso da Escola Secundária Rainha Dona Amélia, acusando a sua directora de não ter pedido em devido tempo os horários “a que tinha direito”. A isso respondeu, nas páginas do PÚBLICO, a presidente do Conselho Geral da escola em causa, recordando ao ministro alguns factos concretos sobre a situação das reservas de recrutamento, acusando-o de negligência na forma como se expressou e de deslealdade institucional.

Fez muito bem, mas deveria ter ido mais além e questionado se o ministro desconhece os procedimentos para a contratação de professores em regime de substituição, em especial para os lugares de docentes que se encontram de baixa médica por motivo de doença prolongada e que têm reduções lectivas por motivo de idade. O que gera horários “incompletos” para quem concorre à contratação. Ou se ignora porque muitos candidatos desistem na fase das substituições ou recusam muitos dos horários disponíveis. Se ainda não percebeu que os encargos (com deslocações e alojamento) em muitos casos não compensam os ganhos, pois com horários incompletos há perda de salário, de tempo de serviço e a contagem de tempo para efeitos de aposentação também é “racionalizada” pela Segurança Social.

Perante isto, se é verdade que existe uma preocupação em prestar as melhores condições aos alunos e “estabilizar” o corpo docente (o que inclui o pessoal contratado), seria de regressar ao que foi possível muito tempo, ou seja, completar horários a partir de, por exemplo, as 16 horas, com tarefas não lectivas ou mesmo com funções na área da preparação/apoio à produção de materiais e ferramentas para um eventual período de ensino à distância. Permitindo um salário mensal completo e a não perda de tempo de serviço. Agora só se podem completar horários, na própria escola, quando aparecem necessidades “lectivas” que encaixem no horário ou os professores têm de andar de escola em escola em busca das horas em falta, chegando a ter de leccionar em dois ou mais estabelecimentos. O que, para além de ter uma parcela de indignidade profissional, é profundamente desgastante.

Adicionalmente, deveria acabar a regra, em nome da tal “autonomia”, que impede as escolas de pedirem professores para lugares que sabem muito antes de 1 de Setembro estarem em situação de baixa prolongada, mas que agora só podem ser providos a partir das reservas de recrutamento, com “poupanças” ridículas à escala do OE mas perdas significativas para quem está sem colocação e ainda a vê atrasada várias semanas em virtude desta questão formal.

É estranho que o senhor ministro desconheça estas circunstâncias, pois vai a caminho de ser o titular mais tempo no cargo desde 1974. Era tempo de acelerar a sua curva de aprendizagem. Ou de resolver o problema, em vez de lançar acusações despropositadas, apenas para se livrar de qualquer responsabilidade política perante a opinião pública.

Artigo de opinião Jornal Público de 5 de Outubro

Paulo Guinote Professor do 2º ciclo do ensino Básico

sábado, 3 de outubro de 2020

O início do ano letivo

 E terminaram as duas primeiras semanas de aulas.

Confesso que este grande hiato temporal entre a colocação e o início da atividade como docente me deixou impaciente e com vontade de começar o mais rápido possível. Fui colocado em meados de Agosto e só comecei o ano letivo no dia 21 de Setembro, mais de um mês depois. O meu  horário de terça feira foi me dado salvo erro no dia 17 de Setembro e o meu horário definitivo apenas me foi facultado no dia 22 de Setembro, o meu primeiro dia de trabalho.

Eu por norma não sou uma pessoa organizada e preciso de começar a trabalhar para as ideias e as aulas se começarem a organizar-se na minha cabeça. Com esta chegada tardia do horário derivado a problemas informáticos e às exigências da pandemia que dificultou muito a sua conclusão. Aproveitei os dias antes do começo do ano letivo para observar com mais cuidado a disciplina que eu desconhecia totalmente, Área de Integração. Na véspera de ir para Grândola preparei uma ficha com base nos conteúdos de Geografia do Secundário na esperança de que isso fosse suficiente para os meus primeiros dias de trabalho.

Bem como por norma acontece com toda a gente a primeira semana foi muito dolorosa. 

Na escola sinto simpatia dos colegas para comigo, no entanto ainda não me sinto integrado no meio. Faltam-me pessoas para conversas e exprimir as minhas dificuldades, medos e dúvidas. Eu tento colmatar isso focando-me naquilo que tenho para fazer, tenho aproveitado para descansar e fazer caminhadas muitas vezes sem rumo definido, apenas andar  um pouco, conhecer as ruas e observar as pessoas e os lugares.. Essa rotina faz-me sentir melhor antes de ir preparar o jantar numa casa que aluguei perto da escola.

Em tempos de pandemia conseguir uma casa perto da escola, que permita estar no meu local de trabalho em pouco mais de 5 minutos foi a melhor decisão que eu tomei.

A escola é muito pequena e não tem grande condições para o ensino teórico. A grande luminosidade que existe na escola e entra nas salas foi agravado com  Covid 19, pois foram retiradas as cortinas que impediam a entrada de alguma luz. Outros constrangimentos é o acesso à internet e o facto de muitas salas não terem videoprojector. Um fator positivo da pandemia para mim foi a divisão das turmas em salas diferentes. Eu numa aula de 50 minutos apenas estou com a turma 25 minutos, tendo de me deslocar de sala em sala.  

Um aspeto negativo  que me  apercebi que faz parte das rotinas de um grande número de alunos é que além de não para cumprirem o seu dever de tirarem o caderno e registarem o que eu digo usam o telemóvel de forma natural e sem qualquer noção do desrespeito que estão a ter perante o professor. 

Estas duas semanas serviram para conhecer os alunos e organizar as aulas e os conteúdos que tenho lecionar, pois são muitas turmas e 6 níveis diferentes que tenho que preparar todas as semanas.

Lecionar apenas numa escola de ensino profissional para mim tem sido uma aventura e uma aprendizagem diária. O meu  horário excede as 22h letivas semanais e são acrescentada horas caso eu possa e queira sempre que falta um docente.  Esta lecionei duas horas a mais ao meu já extenso horário, tendo num dos casos apenas sido informado meia hora antes.

As formas de ensinar e avaliar terão necessariamente que ser diferentes  do designado ensino regular. A capacidade de refazermos aprendizagens tem de ser um processo constante. Após estas duas semanas percebi que vai ser mais um enorme desfio que tudo farei para estar à altura.