quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A capacidade de incluir


Há um tempo atrás ouvi na rádio uma entrevista de um dos responsável pela Operação Nariz Vermelho que numa conversa com o diretor de um Hospital,diziam: Diretor do Hospital “os hospitais não são sítios para palhaços”; responsável Operação Nariz Vermelho “se não é para palhaços também não deveria ser para crianças.”

Perceber as necessidades de uma criança no século XXI é algo que não está intrínseco a qualquer pessoa. Em dois discursos que pude compartilhar no primeiro trimestre do ano letivo apercebi-me disso: O primeiro ocorreu algures no mês de Novembro nos bancos da cantina da escola C+S da Pampilhosa da Serra. Por acaso no meio da refeição surgiu à conversa qual seria o nome do irmão de uma criança de 4 anos que está para nascer no início de 2019, ao que esta com a inocência característica da sua idade disse que se chamaria António. Eu sem conhecer o contexto familiar congratulei a criança e os pais pelo nascimento ao que as funcionárias com um ar desgostoso disseram que infelizmente seria mais um para somar à miséria que jaz naquela casa onde já há 4 criança, e não existem as condições mínimas para as poder sustentar. A segunda história decorreu num dos múltiplos trajetos entre a Pampilhosa da Serra e Oliveira do Hospital no qual para reduzir custos repartimos as boleias. Um colega comentou que há uns anos atrás um professor de Matemática que lecionava no arquipélago dos Açores  foi mandado parar por um homem que o ameaçou que se lhe tirassem a mulher eles iriam arrepender-se. A mulher era uma menina de 15 anos que já estava a viver com um adulto.
Infelizmente são histórias vividas em pleno século XXI em Portugal Continental ou no Arquipélago dos Açores que nos entristecem, enquanto cidadãos de Portugal e do Mundo.

Em Portugal com o prolongamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano e com a nova legislação para os alunos com necessidades seletivas adicionais(antigos alunos com necessidades educativas especiais), a escola tem responsabilidades acrescidas que não detinha há uns anos atrás onde os alunos só eram obrigados a permanecer na escola até aos 16 anos.
Ter a capacidade de incluir alunos com necessidades seletivas adicionais,  numa turma com alunos com capacidades cognitivas normais é por vezes uma tarefa hercúlea que os professores estão ainda a adaptar-se. Perceber o que fazer a alunos que numa turma do 3º ciclo  não são capazes de reconhecer países da Europa, ou que devido às sua deficiência por serem autistas não são capazes de fazer muito mais além de pintar ou associas tabelas, gera dificuldades aos professores que têm de cumprir o currículo e chegar a um maior número de alunos possível.

Apesar de não me sentir preparado considero a integração na sala de aula dos antigos alunos com Currículo Específico Individualizado (CEI), que agora se designam alunos com medidas adicionais, por terem mais dificuldades cognitivas, pode ser positivo para a sua evolução cognitiva, no entanto considero que deviam ser dadas mais horas aos docentes, pois os objetivos curriculares mantiveram-se exatamente os mesmo com vários reveses entre os quais destaco um que me chateou particularmente, termos de preencher um quantidade infindável de grelhas sem qualquer utilidade.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Pampilhosa da Serra uma perspectiva de desenvolvimento


Ser professor é uma profissão muito singular, pois funciona como intermediária entre ao pais e os alunos na educação e caminho da criança. A irreverência é algo intrínseco à juventude e apesar de me preocupar os seus excessos, preocupa-me muito mais o seu isolamento.

No fim de semana passado fui a uma festa de família à Sobreda (Almada)  e tive uma passagem fugaz pela capital em hora de jogo do Benfica. Naqueles momentos pude perceber as dificuldades sentidas por quem faz aquele trajeto diariamente. Quando cheguei à Sobreda questione-me se é melhor viver no interior onde as acessibilidade não são as melhores e onde se demora mais de 1 hora para percorrer 40 km ou nos concelhos à volta da capital onde se demora igual tempo para percorrer igual distância. Para mim definitivamente a primeira hipótese, qualidade de vida não é andar continuamente em filas de trânsito, para chegar ao seu destino.

Sobre a realidade que trabalho, a Pampilhosa da Serra, gostava de vos dar a conhecer um pouco da minha curta experiência.

Pampilhosa da Serra está localizada na extremidade sudeste do distrito de Coimbra. O seu isolamento e a necessidade de atrair população conduziu a que o município direccionasse os seus investimentos com o intuito de fixar e atrair população.

A oferta dos manuais escolares, uma medida que foi tomada agora a nível nacional, é algo que já existe na Pampilhosa da Serra há mais de uma década. A gratuitidade no acesso a todos os eventos ou serviços públicos com piscinas, ginásios ou a feira anual é algo que nem merece discussão ou comentários na localidade.

Relativamente a uma outra questão senti mesmo a vontade de perguntar aos alunos a sua opinião. Se a população escolar está a diminuir, porque é que estão a construir uma escola nova para o 1ºciclo.


A minha opinião, é clara, a construção de uma escola para o 1º ciclo é um caminho bem definido, no entanto não basta construir é preciso atrair pessoas para que a escola possa crescer. Neste caso específico a oferta formativa consegue manter os alunos até ao 9º ano só que depois não lhe dá opções alternativas ao ensino regular no ensino secundário e os alunos vêem-se na obrigação de sair do concelho, perdendo-se assim, grande parte do investimento que foi feito.  A construção da escola é muito bem vinda, no entanto espero que associado, venham projetos a longo prazo que dêem mais opções, fixem os alunos que têm e atraiam outros.

Os alunos infelizmente vêem a  construção da nova escola como um elefante branco que não deveria ser construído pois o que existe é suficiente. Observo que apesar de todas as mais valias que têm os alunos não valorizam o facto de viverem na Pampilhosa da Serra  tendo uma visão redutora sobre a sua permanência. Alguns disseram iriam escolher outros concelhos para a realização do ensino secundário, outros mesmo que permanecessem dificilmente lá iriam permanecer na idade adulta, pois não há ofertas de emprego.

Antes de fazer a questão já tinha uma ideia predefinida sobre aquilo que os alunos me iriam dizer. O caminho mais fácil é a gratuitidade, isso dá votos a curto prazo, no entanto a longo o prazo não se vê o desenvolvimento de uma região. Os acessos continuam deficientes demora-se muito tempo para chegar às capitais de distrito mais próximas, as empresas acabam por não se sentir atraídas, porque na minha opinião o município da Pampilhosa da Serra  direcionam os seus esforços para horizontes muito curtos não pensando a longo prazo.

Resistir em tempo de terror


Stanley Kubrick produziu e dirigiu, em 1980, um perturbador filme de terror intitulado The Shining, no qual Jack Nicholson desempenhou, de um modo magistral, o papel de Jack Torrance, um escritor, com problemas alcoólicos.
Ao arranjar trabalho num misterioso hotel que, no auge do Inverno, permanecia isolado, Jack parecia ter encontrado também o tempo livre e a solidão que o ajudariam a escrever um livro. Porém, começou a ter visões e, aparentemente influenciado por uma presença sobrenatural, enlouqueceu, chegando mesmo a tentar assassinar a mulher e o filho.
            Ora, segundo creio, este filme de terror parece traduzir o que se passa actualmente em Portugal, no âmbito de vários ministérios, com particular destaque para a Educação e a Saúde. Para compreender os motivos que nos conduziram a este ponto é fundamental ter em consideração vários aspectos.

            I – a corte de Luís XIV.
            Os ministérios políticos que por aí proliferam transformaram-se num mundo obscuro, onde vão subsistindo milhares de funcionários politicamente arregimentados na situação. Ávidos de mostrar serviço e receosos de regressar à profissão de origem, procuram criar documentos e mais documentos, como se o mundo dependesse deles para continuar a sobreviver. Por isso, vociferam, “é bom que as leis durem pouco tempo e sejam substituídas por outras que já estão na forja”.
Esta massa de burocratas foi, progressivamente, deixando de funcionar como um todo e hoje representa apenas um conjunto de partes divididas em gabinetes distintos, que em situações muito excepcionais lá são mobilizadas para a cerimónia do beija-
-mão. Enfim, eis a corte de Luís XIV, com as suas características intrigas palacianas e redes tentaculares, adaptada à actualidade nacional.

            II – a síndrome do gabinete.
            Isolados, estes funcionários públicos, que actuam como inspectores morais da Nação, perderam completamente a noção da realidade. Com a caneta, uma folha e meia dúzia de teorias estapafúrdias colhidas nas esotéricas escolas das ciências da educação que para aí proliferam as ideias brotam-lhes como cogumelos venenosos. “Iluminados” (Shining), começam a ouvir vozes: (“Olhai todos: este é o caminho do futuro”). Empreendedores, não têm dúvidas ou hesitações. Claro está, quem, ingenuamente, cai no erro de contraditá-los é visto como um incompetente, que cometeu o pecado mortal de não ter assimilado as admiráveis oportunidades da ambígua legislação, esse vasto mundo de indefinições onde pode caber tudo e precisamente o seu contrário, ou seja, nada...

            III – acelerar o futuro.
            O futuro das competências está ao virar da esquina”, proclamam os teóricos da “nova educação”, como os gurus da auto-ajuda, os vendedores de banha da cobra, os videntes ou os cartomantes. Esse futuro será tão diferente do mundo que conhecemos que os saberes tradicionais de pouco ou nada nos valerão, afinal as profissões mudarão por completo. De que adianta memorizar datas, conhecer a tabuada de trás para a frente ou estimular a memória? A inteligência artificial obriga-nos a percorrer um admirável caminho novo. Não vale a pena dizer que esses trilhos conduzem à profunda ignorância, pois Eles jamais nos irão ouvir. Eles são como deuses e os deuses não se desmentem ou contrariam. Veneram-se, com as costas curvadas e os olhos postos no chão.
            Na verdade, ontem, como hoje, ninguém sabe como será o futuro. E ainda bem que assim é. No entanto, a sistemática desvalorização do conhecimento substantivo, da exigência, do trabalho e do estudo, em detrimento de um facilitismo reinante que permitirá a todos – sem excepção – concluir o 12.º ano (sem a mácula das dispendiosas retenções), implicará, numa perspectiva de médio e longo prazo, consequências catastróficas: agravamento dos desequilíbrios sociais e criação de uma sociedade constituída por indivíduos egoístas e incapazes, mas convictos de que são infalíveis e inquestionáveis e, por isso, mal preparados para lidar com a frustração e o insucesso próprios da vida. Cada vez mais, o berço determinará a posição social que se ocupa na pirâmide, por muito que as mais recentes leis (ditas) “inclusivas” sustentem o contrário e pretendam, utopicamente, acabar com todas as categorizações. Estes são, sem margem para dúvida, tempos de profundas exclusões.
            Por outro lado, os profissionais que perseguem a excelência, nos mais variados sectores do Estado, aqueles que de facto vivem com maior angústia toda esta trapalhada legislativa, sentem-se cada vez mais sufocados, desgastados e desmotivados, ao ponto de mal dormirem ou entrarem em processo de falência mental (burnout).
É bom recordar que assassinar alguém não implica apenas sacar do revólver ou dissolver veneno na comida. Em Portugal, a excelência é cada vez mais destruída, privilegiando-se os arrivistas, capazes de lamber as botas a todos os focos do poder. Eles representam a face visível de um sistema podre, que esconde os doentes nas macas arrumadas a um canto do corredor e, entre outros exemplos, insiste em considerar as touradas como produtos culturais que importa financiar.
           
III – o Leopardo.
            Giuseppe Tomasi di Lampedusa deixou-nos um dos romances mais notáveis que tive oportunidade de ler. O Leopardo, inicialmente recusado por várias editoras, desenrola-se na segunda metade do século XIX, na época da luta pela unificação de Itália. Em 1963, foi minuciosamente adaptado ao cinema por Luchino Visconti e ainda hoje tem uma “actualité brûlante”.
             A personagem central, D. Fabrizio, príncipe de Salina, um aristocrata italiano, consegue revelar a inteligência e a intuição suficientes – mas raras – para interpretar os sinais do seu tempo e perspectivar a agonia de uma civilização (que ele, enquanto nobre, representava), em detrimento da emergente, pautada pela afirmação da burguesia.
            Para além da solidez psicológica, D. Fabrizio toca-me profundamente, em especial pela sua capacidade de análise, isto apesar de estar dentro dos próprios acontecimentos, que, como quase sempre sucede, evoluem de um modo surpreendentemente vertiginoso e incontrolável. A consagrada máxima, inicialmente proferida por Tancredi (sobrinho e protegido de Fabrizio, futuro deputado a quem, reflicta-se, será prometida uma legação em Lisboa), tornar-se-á um dos lemas do príncipe de Salina, até aos últimos dias da sua vida: “É preciso que tudo mude, se quisermos que tudo fique como está”. E é isso que ele procurará fazer: garantir que, no novo mundo, o seu sobrinho (a quem ele ama como um filho) perpetue, embora de um modo renovado, o poder e o prestígio da família.
            Talvez esta lição de um homem, que sente a vida a esvair-se-lhe irremediavelmente das veias, possa ainda hoje servir-nos, de algum modo, nestes tempos em que assistimos ao inevitável estertor de uma civilização e ao nascimento de outra, que não augura nada de bom (“depois do Leopardo virão os chacais”). Neste momento, talvez a maior resistência que possamos oferecer aos comportamentos psicóticos daqueles que nos governam (não, já não é apenas uma questão de ignorância) deva passar pelo bom senso de, enquanto classes profissionais, recordar diariamente que aderir não significa participar... 
            Num dos seus mais recentes livros (Homo Deus. História Breve do Amanhã), o historiador Yuval Noah Harari diz-nos que inteligência e consciência não são sinónimos. Talvez a segunda, individual, nos possa ainda salvar da falta de inteligência e dos comportamentos psicóticos daqueles que nos governam. Ainda iremos a tempo?

Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)