sábado, 18 de maio de 2019

A minha opinião sobre o texto do Pacheco Pereira

Concordo essencialmente com a importância dos professores numa sociedade que se quer democrática onde o seu papel é fundamental, pois somos nós professores que damos o conhecimento e as ferramentas aos alunos para os prepararmos para entrarem numa sociedade cada vez mais extremista e anti democrática. O papel do professores é cada vez mais desacreditado em prol das novas tecnologias que não nos podem de modo nenhum substituir.
Os professores devem ser rigorosos na transmissão dos saberes, pois apenas dessa forma podemos ser reconhecido.
É uma opinião contraditória e susceptível a criticas, pois nós estamos tão cansados e sujeitos ao preenchimento de relatórios e papeis inúteis que não dedicamos o tempo necessário à nossa função que é ensinar.

A hostilidade aos professores (Texto de Pacheco Pereira)

A hostilidade aos professores é evidente em muitos sectores da sociedade portuguesa. Manifestou-se mais uma vez no último conflito gerado pelas votações dos partidos na Assembleia atribuindo aos professores a contagem integral do tempo de serviço. Antes, durante e depois deste processo, a vaga de hostilidade aos professores atingiu níveis elevados, com a comunicação social a escavar fundo a ferida, com sondagens orientadas e uma miríade de artigos de opinião e editoriais.
Valia a pena parar para pensar, porque este movimento de hostilidade é mais anómalo do que se pensa, e acompanha outros, como o ataque aos velhos como sendo um “fardo” dos novos. Mostram que estamos a entrar numa cosmovisão social que implica um retrocesso enorme naquilo a que chamamos precariamente “civilização”. É preciso recuar muito para encontrar ataques aos professores, o último dos quais teve expressão quando a escola laica, em países como a França, foi um alvo importante da igreja, que tinha o monopólio do ensino.

Mas eu seria muito cuidadoso sobre as razões dessa actual hostilidade, porque ela incorpora aspectos muito negativos da evolução da nossa sociedade. É um caminho que muita gente está a trilhar, sem perceber que ele vai dar a um profundo retrocesso. E isso acontece muitas vezes na história: anda-se para trás quase sem se dar por ela, contando com a inacção, a apatia, ou a acédia, de quem deveria reagir. Como a democracia é uma fina película contra a barbárie e é apenas defendida pela vontade dos homens e não por nenhuma lei da natureza, mais vale prevenir com todos os megafones possíveis.

Há vários aspectos na actual hostilidade. Há uma agravante no caso português que tem a ver com a vitória muito significativa da ideologia da troika, que está longe de ter desaparecido e, nalguns casos, migrou para sectores que lhe deveriam ser alheios e não são: os socialistas, por exemplo. Disfarçada de “economia”, essa ideologia assenta numa visão pseudo-cíentifica, muito rudimentar e simplista, cheia de variantes neo-malthusianas, que se apresentou como não tendo alternativa, a nefasta TINA. Isto encheu-nos as cabeças e não saiu delas.
Essa ideologia centra-se na crítica do Estado, em particular do Estado social, e transforma os funcionários públicos em cúmplices de uma rede de privilégio, sendo descritos apenas como “despesa” excessiva. Vale a pena ensinar-lhes um pouco de história europeia e lembrar-lhes o papel do Estado desde Bismarck como instrumento para impedir sociedades bipolares de “proletários” e ricos, com a consequente conflitualidade social extrema. Acresce que esse processo criou à volta do Estado uma classe média, os tais desdenhados funcionários públicos, que não só funcionou como tampão como arrastou muita gente que vinha da pobreza e acedeu à mediania. A economia privada e o dinamismo das empresas, quando existiu ou existe, teve e tem igualmente esse papel, mas não chegou para criar este elevador social.

Portanto, gritem contra a função pública e os malefícios do Estado, que também existem como é obvio, mas percebam que o pacote de não ter professores, enfermeiros, médicos, jardineiros, funcionário das repartições, leva atrás de si o ensino e a saúde pública, que são componentes essenciais do elevador social, o único meio de retirar as pessoas da pobreza, quer no privado, quer no público. Pais lavradores, que conheceram a verdadeira pobreza, filha professora primária ou funcionária pública, neto estudante universitário – sendo que o papel da educação é um elemento fundamental para esta ascensão.

Depois, há outros ingredientes. Os professores protestam, fazem greves, boicotam exames, fecham escolas, e hoje há uma forte penalização para as lutas sociais. Quem defende os seus interesses é penalizado e de imediato tem contra si muita comunicação social, o bas-fond das redes sociais e a maioria da opinião pública. São os enfermeiros, os camionistas, os professores, os trabalhadores dos transportes – manifestam-se, são logo classificados de privilegiados e egoístas. Os mansos que recebem migalhas no fundo do seu ressentimento invejam quem se mexe. Sem mediações, a sociedade esconde os que não precisam, e pune os que lutam. As greves hoje são solitárias

O papel mais negativo é o da comunicação social, que se coloca sempre na primeira linha do combate ao protesto social. Despreza por regra os sindicatos, que considera anacrónicos, aceita condições de trabalho de sweatshop e ajuda a apagar e a tornar incómoda a memória de que o pouco que muitos têm no mundo do trabalho foi conseguido com muito sangue, e não ficando em casa a jogar gomas no telemóvel ou a coscuvilhar no Facebook.

Por fim, e o mais importante, há uma desvalorização do papel do professor, de ensinar, de transmitir um saber. Vem num pacote sinistro que inclui o falso igualitarismo nas redes sociais, o ataque à hierarquia do saber, o desprezo pelo conhecimento profissional resultado de muito trabalho a favor de frases avulsas, com erros e asneiras, sem sequer se conhecer aquilo de que se fala. É o que leva Trump a dizer que se combatia o incêndio de Notre Dame com aviões tanques atirando toneladas de água, cujo resultado seria derrubar o que veio a escapar, paredes, vitrais, obras de arte. É destas “bocas” que pululam nas redes sociais que nasce também a hostilidade aos professores. É o ascenso da nova ignorância arrogante, um sinal muito preocupante para o nosso futuro.

Os professores têm muitas culpas, deveriam aceitar uma mais rigorosa avaliação profissional, deveriam evitar ser tão parecidos como estes novos ignorantes, deveriam ler e estudar mais, deveriam ser severos com as modas do deslumbramento tecnológico, mas isso não esconde que têm hoje uma das mais difíceis profissões que existe. E que, sem ela, caminhamos para o mundo de Camilo. Não de Eça, mas de Camilo, do Portugal de Camilo. Verdade seja que isto já não significa nada para a maioria das pessoas. Batam nos professores e depois queixem-se.
 Pacheco Pereira
Colunista Jornal  Público

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Um informador da “PIDE”


O historiador Paulo Marques da Silva (PMS) editou recentemente a obra A PIDE e os seus informadores. O caso de Inácio, sob a chancela da Palimage. Trata-se de um estudo alicerçado num minucioso trabalho de investigação, em especial, das fontes primárias existentes nos Arquivos. Um facto que merece ser enaltecido, na medida em que este esforço vai rareando, mesmo entre estudos académicos, mas também porque o investigador em causa, PMS, residente em Condeixa-a-Nova (distrito de Coimbra), desempenha uma actividade profissional desligada da historiografia e paga do seu próprio bolso as avultadas despesas inerentes ao processo de investigação em arquivos distantes, como sejam o Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo e a Biblioteca Nacional, ambos localizados em Lisboa.  
A obra em causa integra uma nota de apresentação do consagrado historiador da Época Contemporânea Luís Reis Torgal, possui cerca de 350 páginas e encontra-se estruturada em dez parte: I – “A PIDE e os informadores”; II – “O informador Inácio”; III – “Inácio e a Oposição ao Regime em Coimbra”; IV – “Inácio e as informações sobre militares”; V – “Inácio na Universidade”; VI – “Inácio pela região de Coimbra e pelo país”; VII – “Inácio nos espaços de actuação da Oposição”; VIII – “Inácio e os tempos da Oposição”; IX – “Inácio e as iniciativas de propaganda e de cultura da Oposição”; X – “Inácio (ele próprio) e os outros”. Já em anexo, é apresentado um breve apêndice documental, seguido de um sempre útil índice onomástico.
O estudo que inspira o presente artigo desenrola-se em torno de um prolífico informador da polícia política, que actuava, fundamentalmente, na região centro (em especial, Coimbra) e assinava com o pseudónimo “Inácio”. Este zeloso funcionário dos Caminhos-de-Ferro enviou informações à polícia política entre 1935 e 1971, denunciando, segundo PMS, mais de duzentas pessoas, entre as quais se contam nomes como Miguel Torga, Fernando Namora, Fernando Valle, Alberto Vilaça e Tomás da Fonseca (PMS – ob. cit., 2019, pp. 46-48). As informações eram prestadas através de relatórios escritos, mas também via telefónica ou talvez até mesmo através do contacto directo e representavam um rendimento extra para “Inácio”, cujo obsessivo trabalho de vigilância parecia ser apreciado e valorizado pelos funcionários da polícia política, em Coimbra. Tal como teve oportunidade de recordar Irene Pimentel (A História da PIDE, 1.ª edição, 2007, pp. 312-337), é possível constatar que as denúncias enviadas à “PIDE” não radicavam apenas em motivos políticos, mas, por vezes, decorriam também de rivalidades, invejas, questiúnculas pessoais e sede de vingança, o que, de certo modo, não pode deixar de fazer-nos recordar o que sucedeu em Portugal durante o longo período em que a Inquisição se manteve em funcionamento.
Dos relatórios elaborados por “Inácio” sobressai quase sempre o ataque pessoal do denunciante em relação ao visado e o – mais ou menos directo – apelo para que os agentes policiais intensificassem a vigilância e a repressão. E destas informações, não o esqueçamos, dependia muitas vezes a decisão sobre a concessão (ou não) de empregos públicos, de bolsas ou passaportes, para já não falar na própria demissão da Função Pública. Citemos apenas três exemplos. 
Num relatório datado de 31 de Agosto de 1966, “Inácio” tecia as seguintes considerações a respeito de Joaquim Cameira Calado: “comunista e bêbedo, sem qualquer espécie de vergonha”. Ainda nesse documento, agora a respeito de António Rodrigues Novo concluía tratar-se de um “simpatizante avançado, género ordinário e sem vergonha”. E sobre Maria de Lourdes Braga Temido, num relatório com a data de 16 de Abril de 1948, afirmava: “Possui carro que guia (o marido vai ao lado como lacaio e com atitude de anjinho pois nada percebe de automóveis)” (PMS – ob. cit., 2019, ps. 225, 226 e 279).
“Inácio” teria sido um informador especial, na medida em que não se limitava a desempenhar as funções habituais do delator. Tratava-se de um “homem que incorporava a ideologia e os valores do regime, situado até na sua ala mais conservadora”, que, na sua ânsia de garantir a ordem, ousava tecer algumas sugestões e críticas à actuação das autoridades (PMS – ob. cit., 2019, p. 267) e chegou mesmo a receber/coligir informações disponibilizadas por outros informadores. Desempenhou, por conseguinte, um importante papel ao nível da referenciação e da vigilância dos principais elementos da oposição em Coimbra, com especial enfoque no meio universitário.
            Compreender os motivos que teriam permitido que a identidade de “Inácio” não fosse revelada durante o longo período em que se manteve activo (1935-1971), ainda para mais numa cidade pequena como Coimbra, não é tarefa fácil. Poderia ser um “excelente actor”, como PMS sugere (p. 45), mas também é provável que o delator em causa não fosse tão íntimo das pessoas que denunciava, ao contrário do que pretendeu fazer crer, talvez até para justificar junto da polícia política o seu trabalho/remuneração. O que também nos ajudaria a compreender a inequívoca tendência daquele para exagerar cenários comunistas ou desferir violentos ataques pessoais aos visados nos seus relatórios/denúncias. 
            Face ao exposto, importa concluir que estamos perante um estudo meritório, que é redigido num estilo claro e fluido e atinge o seu auge quando a identidade do misterioso “Inácio” é revelada. Até pelo aturado e demorado trabalho de investigação subjacente, teria, contudo, sido importante proceder a um trabalho de depuração do texto, quer ao nível da virgulação, da acentuação, da ortografia e de pequenas gralhas. Outrossim, teria sido interessante desenvolver os dados biográficos a respeito de “Inácio”, de modo a que o leitor compreendesse melhor o homem e as suas circunstâncias. Essa opção, em articulação com um maior esforço de síntese e selecção de apenas alguns relatórios considerados mais significativos, enriqueceria, segundo penso, ainda mais a obra. Do ponto de vista metodológico, faltou introduzir a fundamental lista de siglas utilizadas, de modo a facilitar a tarefa do leitor. 
O legado de Abril de 1974 passa, sobretudo, pelo permanente desafio ao pensamento individual, para o qual se revela essencial, segundo penso, o contacto com os livros com inequívoca qualidade literária e científica. A obra do historiador PMS ajuda-nos a compreender um pouco melhor a dimensão do legado que herdámos de Abril, mas também a importância determinante que os informadores tiveram para a própria sobrevivência do Estado Novo, ao longo de mais de quatro décadas (1933--1974).
Comemorar Abril também deve passar por ler, partilhar e discutir livros como aquele que PMS nos deixou. Esta também é a minha forma de agradecer ao autor o seu meritório esforço para continuar a construir História, num país onde, nas mais variadas áreas da sociedade, o espectáculo do entretenimento se sobrepõe cada vez mais ao conhecimento e à reflexão.

Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)