quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A capacidade de incluir


Há um tempo atrás ouvi na rádio uma entrevista de um dos responsável pela Operação Nariz Vermelho que numa conversa com o diretor de um Hospital,diziam: Diretor do Hospital “os hospitais não são sítios para palhaços”; responsável Operação Nariz Vermelho “se não é para palhaços também não deveria ser para crianças.”

Perceber as necessidades de uma criança no século XXI é algo que não está intrínseco a qualquer pessoa. Em dois discursos que pude compartilhar no primeiro trimestre do ano letivo apercebi-me disso: O primeiro ocorreu algures no mês de Novembro nos bancos da cantina da escola C+S da Pampilhosa da Serra. Por acaso no meio da refeição surgiu à conversa qual seria o nome do irmão de uma criança de 4 anos que está para nascer no início de 2019, ao que esta com a inocência característica da sua idade disse que se chamaria António. Eu sem conhecer o contexto familiar congratulei a criança e os pais pelo nascimento ao que as funcionárias com um ar desgostoso disseram que infelizmente seria mais um para somar à miséria que jaz naquela casa onde já há 4 criança, e não existem as condições mínimas para as poder sustentar. A segunda história decorreu num dos múltiplos trajetos entre a Pampilhosa da Serra e Oliveira do Hospital no qual para reduzir custos repartimos as boleias. Um colega comentou que há uns anos atrás um professor de Matemática que lecionava no arquipélago dos Açores  foi mandado parar por um homem que o ameaçou que se lhe tirassem a mulher eles iriam arrepender-se. A mulher era uma menina de 15 anos que já estava a viver com um adulto.
Infelizmente são histórias vividas em pleno século XXI em Portugal Continental ou no Arquipélago dos Açores que nos entristecem, enquanto cidadãos de Portugal e do Mundo.

Em Portugal com o prolongamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano e com a nova legislação para os alunos com necessidades seletivas adicionais(antigos alunos com necessidades educativas especiais), a escola tem responsabilidades acrescidas que não detinha há uns anos atrás onde os alunos só eram obrigados a permanecer na escola até aos 16 anos.
Ter a capacidade de incluir alunos com necessidades seletivas adicionais,  numa turma com alunos com capacidades cognitivas normais é por vezes uma tarefa hercúlea que os professores estão ainda a adaptar-se. Perceber o que fazer a alunos que numa turma do 3º ciclo  não são capazes de reconhecer países da Europa, ou que devido às sua deficiência por serem autistas não são capazes de fazer muito mais além de pintar ou associas tabelas, gera dificuldades aos professores que têm de cumprir o currículo e chegar a um maior número de alunos possível.

Apesar de não me sentir preparado considero a integração na sala de aula dos antigos alunos com Currículo Específico Individualizado (CEI), que agora se designam alunos com medidas adicionais, por terem mais dificuldades cognitivas, pode ser positivo para a sua evolução cognitiva, no entanto considero que deviam ser dadas mais horas aos docentes, pois os objetivos curriculares mantiveram-se exatamente os mesmo com vários reveses entre os quais destaco um que me chateou particularmente, termos de preencher um quantidade infindável de grelhas sem qualquer utilidade.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Pampilhosa da Serra uma perspectiva de desenvolvimento


Ser professor é uma profissão muito singular, pois funciona como intermediária entre ao pais e os alunos na educação e caminho da criança. A irreverência é algo intrínseco à juventude e apesar de me preocupar os seus excessos, preocupa-me muito mais o seu isolamento.

No fim de semana passado fui a uma festa de família à Sobreda (Almada)  e tive uma passagem fugaz pela capital em hora de jogo do Benfica. Naqueles momentos pude perceber as dificuldades sentidas por quem faz aquele trajeto diariamente. Quando cheguei à Sobreda questione-me se é melhor viver no interior onde as acessibilidade não são as melhores e onde se demora mais de 1 hora para percorrer 40 km ou nos concelhos à volta da capital onde se demora igual tempo para percorrer igual distância. Para mim definitivamente a primeira hipótese, qualidade de vida não é andar continuamente em filas de trânsito, para chegar ao seu destino.

Sobre a realidade que trabalho, a Pampilhosa da Serra, gostava de vos dar a conhecer um pouco da minha curta experiência.

Pampilhosa da Serra está localizada na extremidade sudeste do distrito de Coimbra. O seu isolamento e a necessidade de atrair população conduziu a que o município direccionasse os seus investimentos com o intuito de fixar e atrair população.

A oferta dos manuais escolares, uma medida que foi tomada agora a nível nacional, é algo que já existe na Pampilhosa da Serra há mais de uma década. A gratuitidade no acesso a todos os eventos ou serviços públicos com piscinas, ginásios ou a feira anual é algo que nem merece discussão ou comentários na localidade.

Relativamente a uma outra questão senti mesmo a vontade de perguntar aos alunos a sua opinião. Se a população escolar está a diminuir, porque é que estão a construir uma escola nova para o 1ºciclo.


A minha opinião, é clara, a construção de uma escola para o 1º ciclo é um caminho bem definido, no entanto não basta construir é preciso atrair pessoas para que a escola possa crescer. Neste caso específico a oferta formativa consegue manter os alunos até ao 9º ano só que depois não lhe dá opções alternativas ao ensino regular no ensino secundário e os alunos vêem-se na obrigação de sair do concelho, perdendo-se assim, grande parte do investimento que foi feito.  A construção da escola é muito bem vinda, no entanto espero que associado, venham projetos a longo prazo que dêem mais opções, fixem os alunos que têm e atraiam outros.

Os alunos infelizmente vêem a  construção da nova escola como um elefante branco que não deveria ser construído pois o que existe é suficiente. Observo que apesar de todas as mais valias que têm os alunos não valorizam o facto de viverem na Pampilhosa da Serra  tendo uma visão redutora sobre a sua permanência. Alguns disseram iriam escolher outros concelhos para a realização do ensino secundário, outros mesmo que permanecessem dificilmente lá iriam permanecer na idade adulta, pois não há ofertas de emprego.

Antes de fazer a questão já tinha uma ideia predefinida sobre aquilo que os alunos me iriam dizer. O caminho mais fácil é a gratuitidade, isso dá votos a curto prazo, no entanto a longo o prazo não se vê o desenvolvimento de uma região. Os acessos continuam deficientes demora-se muito tempo para chegar às capitais de distrito mais próximas, as empresas acabam por não se sentir atraídas, porque na minha opinião o município da Pampilhosa da Serra  direcionam os seus esforços para horizontes muito curtos não pensando a longo prazo.

Resistir em tempo de terror


Stanley Kubrick produziu e dirigiu, em 1980, um perturbador filme de terror intitulado The Shining, no qual Jack Nicholson desempenhou, de um modo magistral, o papel de Jack Torrance, um escritor, com problemas alcoólicos.
Ao arranjar trabalho num misterioso hotel que, no auge do Inverno, permanecia isolado, Jack parecia ter encontrado também o tempo livre e a solidão que o ajudariam a escrever um livro. Porém, começou a ter visões e, aparentemente influenciado por uma presença sobrenatural, enlouqueceu, chegando mesmo a tentar assassinar a mulher e o filho.
            Ora, segundo creio, este filme de terror parece traduzir o que se passa actualmente em Portugal, no âmbito de vários ministérios, com particular destaque para a Educação e a Saúde. Para compreender os motivos que nos conduziram a este ponto é fundamental ter em consideração vários aspectos.

            I – a corte de Luís XIV.
            Os ministérios políticos que por aí proliferam transformaram-se num mundo obscuro, onde vão subsistindo milhares de funcionários politicamente arregimentados na situação. Ávidos de mostrar serviço e receosos de regressar à profissão de origem, procuram criar documentos e mais documentos, como se o mundo dependesse deles para continuar a sobreviver. Por isso, vociferam, “é bom que as leis durem pouco tempo e sejam substituídas por outras que já estão na forja”.
Esta massa de burocratas foi, progressivamente, deixando de funcionar como um todo e hoje representa apenas um conjunto de partes divididas em gabinetes distintos, que em situações muito excepcionais lá são mobilizadas para a cerimónia do beija-
-mão. Enfim, eis a corte de Luís XIV, com as suas características intrigas palacianas e redes tentaculares, adaptada à actualidade nacional.

            II – a síndrome do gabinete.
            Isolados, estes funcionários públicos, que actuam como inspectores morais da Nação, perderam completamente a noção da realidade. Com a caneta, uma folha e meia dúzia de teorias estapafúrdias colhidas nas esotéricas escolas das ciências da educação que para aí proliferam as ideias brotam-lhes como cogumelos venenosos. “Iluminados” (Shining), começam a ouvir vozes: (“Olhai todos: este é o caminho do futuro”). Empreendedores, não têm dúvidas ou hesitações. Claro está, quem, ingenuamente, cai no erro de contraditá-los é visto como um incompetente, que cometeu o pecado mortal de não ter assimilado as admiráveis oportunidades da ambígua legislação, esse vasto mundo de indefinições onde pode caber tudo e precisamente o seu contrário, ou seja, nada...

            III – acelerar o futuro.
            O futuro das competências está ao virar da esquina”, proclamam os teóricos da “nova educação”, como os gurus da auto-ajuda, os vendedores de banha da cobra, os videntes ou os cartomantes. Esse futuro será tão diferente do mundo que conhecemos que os saberes tradicionais de pouco ou nada nos valerão, afinal as profissões mudarão por completo. De que adianta memorizar datas, conhecer a tabuada de trás para a frente ou estimular a memória? A inteligência artificial obriga-nos a percorrer um admirável caminho novo. Não vale a pena dizer que esses trilhos conduzem à profunda ignorância, pois Eles jamais nos irão ouvir. Eles são como deuses e os deuses não se desmentem ou contrariam. Veneram-se, com as costas curvadas e os olhos postos no chão.
            Na verdade, ontem, como hoje, ninguém sabe como será o futuro. E ainda bem que assim é. No entanto, a sistemática desvalorização do conhecimento substantivo, da exigência, do trabalho e do estudo, em detrimento de um facilitismo reinante que permitirá a todos – sem excepção – concluir o 12.º ano (sem a mácula das dispendiosas retenções), implicará, numa perspectiva de médio e longo prazo, consequências catastróficas: agravamento dos desequilíbrios sociais e criação de uma sociedade constituída por indivíduos egoístas e incapazes, mas convictos de que são infalíveis e inquestionáveis e, por isso, mal preparados para lidar com a frustração e o insucesso próprios da vida. Cada vez mais, o berço determinará a posição social que se ocupa na pirâmide, por muito que as mais recentes leis (ditas) “inclusivas” sustentem o contrário e pretendam, utopicamente, acabar com todas as categorizações. Estes são, sem margem para dúvida, tempos de profundas exclusões.
            Por outro lado, os profissionais que perseguem a excelência, nos mais variados sectores do Estado, aqueles que de facto vivem com maior angústia toda esta trapalhada legislativa, sentem-se cada vez mais sufocados, desgastados e desmotivados, ao ponto de mal dormirem ou entrarem em processo de falência mental (burnout).
É bom recordar que assassinar alguém não implica apenas sacar do revólver ou dissolver veneno na comida. Em Portugal, a excelência é cada vez mais destruída, privilegiando-se os arrivistas, capazes de lamber as botas a todos os focos do poder. Eles representam a face visível de um sistema podre, que esconde os doentes nas macas arrumadas a um canto do corredor e, entre outros exemplos, insiste em considerar as touradas como produtos culturais que importa financiar.
           
III – o Leopardo.
            Giuseppe Tomasi di Lampedusa deixou-nos um dos romances mais notáveis que tive oportunidade de ler. O Leopardo, inicialmente recusado por várias editoras, desenrola-se na segunda metade do século XIX, na época da luta pela unificação de Itália. Em 1963, foi minuciosamente adaptado ao cinema por Luchino Visconti e ainda hoje tem uma “actualité brûlante”.
             A personagem central, D. Fabrizio, príncipe de Salina, um aristocrata italiano, consegue revelar a inteligência e a intuição suficientes – mas raras – para interpretar os sinais do seu tempo e perspectivar a agonia de uma civilização (que ele, enquanto nobre, representava), em detrimento da emergente, pautada pela afirmação da burguesia.
            Para além da solidez psicológica, D. Fabrizio toca-me profundamente, em especial pela sua capacidade de análise, isto apesar de estar dentro dos próprios acontecimentos, que, como quase sempre sucede, evoluem de um modo surpreendentemente vertiginoso e incontrolável. A consagrada máxima, inicialmente proferida por Tancredi (sobrinho e protegido de Fabrizio, futuro deputado a quem, reflicta-se, será prometida uma legação em Lisboa), tornar-se-á um dos lemas do príncipe de Salina, até aos últimos dias da sua vida: “É preciso que tudo mude, se quisermos que tudo fique como está”. E é isso que ele procurará fazer: garantir que, no novo mundo, o seu sobrinho (a quem ele ama como um filho) perpetue, embora de um modo renovado, o poder e o prestígio da família.
            Talvez esta lição de um homem, que sente a vida a esvair-se-lhe irremediavelmente das veias, possa ainda hoje servir-nos, de algum modo, nestes tempos em que assistimos ao inevitável estertor de uma civilização e ao nascimento de outra, que não augura nada de bom (“depois do Leopardo virão os chacais”). Neste momento, talvez a maior resistência que possamos oferecer aos comportamentos psicóticos daqueles que nos governam (não, já não é apenas uma questão de ignorância) deva passar pelo bom senso de, enquanto classes profissionais, recordar diariamente que aderir não significa participar... 
            Num dos seus mais recentes livros (Homo Deus. História Breve do Amanhã), o historiador Yuval Noah Harari diz-nos que inteligência e consciência não são sinónimos. Talvez a segunda, individual, nos possa ainda salvar da falta de inteligência e dos comportamentos psicóticos daqueles que nos governam. Ainda iremos a tempo?

Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Dia da Floresta Autóctone e a rota das Faias


Muito se fala sobre a inclusão de espécies não autóctones como o eucalipto, a acácia e o pinheiro bravo que acabaram por impedir a proliferação daquelas que sempre lá existiram, como o carvalho ou o medronho.  Sobre este tema por não ter conhecimentos, não vou fazer qualquer comentário, preferindo abordar a forma como o Escola Básica e Secundária de Manteigas celebrou este dia.





Para a celebração deste dia a Câmara Municipal de Manteigas, contou com o contributo Escola Básica e Secundária, que canalizou para esta atividade as turmas do 7º e 8º ano de escolaridade. A iniciativa constou na plantação de medronheiros num terreno baldio da Junta de Freguesia de Manteigas. Considero que para a celebração deste dia, o contacto com a natureza é fundamental, sendo muito importante que os alunos percebam o significado de plantar para mais tarde colher. A iniciativa foi um êxito, tendo os alunos demonstrado empenho na sua realização.





Na viagem de regresso para a vila de Manteigas procedemos à realização da rota das faias, que por serem espécies de folha caduca no Outono dão um brilho especial à paisagem. As faias não sendo uma espécie autóctone em Portugal, é uma das espécies arbóreas mais interessantes das florestas europeias, do ponto de vista ecológico e económico. É um dos quatro pilares do ano solar Celta.




Ao longo do percurso passamos por um conjuntos casas abandonados que outrora eram habitadas por agricultores que povoavam as encostas.


A Igreja de São Lourenço foi antes da chegada do cristianismo uma zona adorada pelos deuses  daí o grande número de carvalhos que existia à sua volta, sendo-lhe atribuída a designação de "Bosquete de carvalhos  monumentais".


Nesta zona, caso as condições atmosféricas o permitam é possível observar a localidade de Sameiro ou a Serra de Gata já na Estremadura Espanhola.


Segundo reza a lenda o imperador de Roma questionou São Lourenço sobre as riquezas que esta região tinha ao que este respondeu, “Caro imperador a nossa principal riqueza são os nossos fies”. O imperador ficou irado, pois pensava que havia uma qualquer riqueza material e por isso castigou-o, condenando-o à morte, queimando-o. São Lourenço mesmo aquando da sua morte queimado, não perdeu a sua boa disposição dizendo a quem o matava, "deste lado já estou bem assado, pode-me virar para o outro". Devido a esta história a figura de São Lourenço é conhecida por estar a segurar numa grelha.

A zona junto a esta igreja de São Lourenço todos os anos em Agosto recebe uma festa que junta centenas de pessoas.



O posto de vigia de São Lourenço é usado essencialmente no verão, época de maior calor quando o risco de incêndio é mais elevado. Este posto de vigia dada a sua excelente visibilidade tem um papel fundamental na preservação da fauna e flora locais.


As pseudotsugas são resinosa que foram introduzidas nesta região no início do século XX tendo por isso já um porte considerável como demonstra a foto 3. Estas árvores têm características muito específicas, pois aquando da sua plantação as suas sementes foram criteriosamente selecionadas para que os seus troncos tivessem um formato retilíneo. A industria do mobiliário valoriza muito este tipo de árvores, sendo portanto esta uma zona conhecida como o “sementão”, pois as suas sementes são aproveitadas para a plantação noutras áreas do país.


Por outro lado estas árvores têm um papel muito especial, pois devido à sua altura impedem que a água das chuvas caia diretamente no solo,purificando-a. Em consequência da grande inclinação das vertentes esta árvores permitem a infiltração da água nos solo e a  alimentação dos inúmeros aquíferos que existem nesta região. .


A fase seguinte do percurso é a parte mais bonita, a visualização das faias. A altura melhor do ano para observar as faias é o final do mês de Outubro, quando as folhas ainda se encontram nas árvores, o que não aconteceu aquando desta visita, onde grande parte das árvores já estavam sem folhas. Quero realçar a importância do grande manto de folhas que cobre o solo, que tem um papel muito importante na sua fertilização.



Os socalcos são uma constante ao longo do percurso, o que demonstra a luta que o homem manteve com a natureza durante décadas com o intuito de ter um modo de subsistência, a agricultura.


A chegada à vila de Manteigas correspondeu ao final de um dia diferente. Obrigado ao Engenheiro Florestal da Câmara Municipal de Manteigas, assim como ao Presidente da Junta de Freguesia de Manteigas que nos acompanharam na caminhada e com os quais podemos aprender um pouco mais sobre a rota das faias.

sábado, 17 de novembro de 2018

A função de pai e mãe


Salvo erro em Novembro de 2011 quando estava no Colégio Santo André na Venda do Pinheiro lembro-me perfeitamente de um testemunho de uma criança. Na altura interpelei-a sobre a alegria do reencontro com os pais ao fim do dia ao qual esta me respondeu com um olhar vazio, dizendo-me que os pais no final do dia de trabalho continuavam focados nos ecrãs dos smartfones, tablets ou portáteis em detrimento de darem atenção ao filho. Esse momento fez-me refletir e pensar na importância crescente da escola, perante os seus educandos e na ausência dos pais.

Há distância de sete anos e já no papel de pai percebo melhor a história que me foi contada por aquela criança, pretendendo que a mesma não seja contada pelo meu filho daqui a uns anos. O papel de pai é fantástico, no entanto aufere uma responsabilidade muito singular que infelizmente nem todos são capazes. Eu não me considero um pai perfeito, pois acho que ninguém o será, no entanto quando estou com ele, o tempo por mais pequeno que seja tem de ser apenas para ele.

Feliz ou Infelizmente, o nosso filho, tem os seus pais professores contratados que nem sempre estão presentes, tendo horários muito voláteis, onde são obrigados por vezes a sair muito cedo de casa e chegar ao fim da tarde. Muitas vezes é necessário um grande jogo de cintura de forma a conseguir dar a atenção desejada a uma criança que não tem culpa nenhuma.  Felizmente podemos dizer com uma grande sensação de conforto de responsabilidade, que temos a sorte de ter um grande suporte familiar.

Sobre tudo o que foi dito, gostaria de relatar duas histórias de colegas com filhos comentadas ocasionalmente na sala de professores:
A primeira história é de uma mãe com um filho adolescente que lhe pediu ajuda para os trabalhos da escola. Esta cansada depois de um dia de trabalho e com dezenas de quilómetros percorrido respondeu-lhe, depois de jantar tratamos disso. Esta fez o jantar e tratou dos afazeres domésticos, e já perto das 21:00 disse ao filho para trazer os livros da escola. Em conjunto com o seu filho esta mãe e professora ajudou-o dando-lhe a atenção que ele merecia. Perto das 22:30 disse-lhe, está na hora de ir para a cama visto amanhã teres que acordar cedo. Às 23:00 a professora pegou finalmente nas aulas que teria de lecionar no dia seguinte, ao qual dedicou cerca de 2h30 deitando-se quando já passava da 1h da manhã. Ao outro dia às 7h30 teria de se fazer à estrada para mais um dia de trabalho.

A segunda história fala de um professor que estava a fazer uma formação elarning. Este tem dois filhos gémeos e viu-se na obrigação de pedir  para lhe alterarem o horário dos fóruns para as 22:00, quando este tinham sido definidos para as 19:00. Entre as 19;00 e as 22:00 eram momentos que ele dedicava apenas aos filhos não abdicando desse tempo para outra qualquer tarefa.

Com o meu testemunho e de dois colegas professores queria deixar um alertar a todos o pais. Diariamente apercebo-me de situações que me fazem doer o coração. A vida por vezes dá voltas, e não é possível prever determinadas coisas, no entanto quando decidirem ter um filho coloquem-no a no centro de tudo e dêem-lhe o Amor e à Atenção que ele merece.

sábado, 10 de novembro de 2018

Desabafos de um professor


A vida de um professor não é mesmo nada fácil, é preciso gostar verdadeiramente para termos estofo para aguentar com as burocracias do Ministério da Educação, alunos e turmas indisciplinadas, com metas para atingir num universo muito diferente, cognitivamente falando.

Por outro lado, e talvez para mim o mais doloroso, as viagens. Foi uma opção tendo por isso que me sujeitar às suas consequências, no entanto não entendo que o Ministério da Educação não auxilie monetariamente como faz com os deputados, os professores que se encontrem deslocados do seu local de residência.

Executar de forma competente uma profissão depende de vários fatores, como o gosto por aquilo que se faz, ou as condições que nos são dadas para executarmos a nossa profissão. As escolas nos dias que correm, têm dificuldades em colocar professores. O que eu propunha às entidades é que fossem ao fundo da questão e percebessem, o porquê. Porquê que a profissão de professor é cada vez menos escolhida pelos jovens.

Eu na escola sinto um cansaço generalizado do corpo docente. As razões são várias: cortes nos salários, congelamento das carreiras, ou o aumento da idade da reforma. Ser reconhecido por aquilo que fazemos é algo que nos motiva e nos faz dar mais de nós em prol da nossa profissão. O que tem acontecido é precisamente o oposto Em consequência da forma como temos sido tratados a maior parte dos professores faz o mínimo (na minha opinião bem), isto é dá aulas, vão às reuniões e não dão mais do seu tempo à escola nem aos alunos. Quem perde, todos na minha opinião.

Ir ao fundo da questão na minha opinião é fundamental, perceber o que é preciso para nos sentirmos bem num local. Estabilidade e renovação do corpo docente na minha opinião é essencial para a melhoria da Educação em Portugal. Fazer um estudo sobre as maiores necessidades docente por Quadro de Zona Pedagógica (QZP) e criar estratégias para a colocação de professores, com contratos superiores a 1 ano, serão para mim boas soluções. Sei que é difícil agradar a todos e a proximidade ao local de residência não é fácil, no entanto é preciso criar mecanismos para que um professor possa ter mais valias por se encontrar distante do seu lugar de residência. A disponibilidade de residências a um preço mais acessível ou a criação de um subsidio que auxilie nas deslocações poderão ser estratégias a tomar pelo Ministério da Educação, pelas escolas ou pelos Municípios  para tornar o corpo docente mais concordante com quem lhes paga.

Haveria mais coisas a dizer. Como professor acredito num futuro melhor, no entanto é preciso que cada um não reme para o seu lado, sem haver muitas discrepâncias, pois o Futuro do país depende da Educação e vice-versa.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A recompensa

Todos os domingos, depois da missa matinal, os garotos lá da aldeia juntavam-se no clube para jogar matraquilhos e roubar um beijo às gaiatas. Ricardo, porém, raramente brincava com os seus colegas e, cerca de uma hora antes de amanhecer, partia com o pai na icónica 4L castanha, em direcção ao rio Mondego.
Naquele tempo, já lá vão mais de 30 anos, o pimpão vermelho inundava as águas ainda límpidas e os pescadores ansiavam por chegar a casa com o balde cheio de barbatanas-vermelhas para reclamar junto das patroas o suculento molho de escabeche. Esse manjar dos deuses, que os beirões de outros tempos conheciam como ninguém.
Ricardo fez-se poeta junto às margens do Mondego, para onde fora arrastado, tantas vezes quase a dormir, durante anos a fio. Aqueles que já assistiram ao nascer do sol, sentados ao lado das águas serpenteantes, dificilmente poderão esquecer esses momentos sagrados. À medida que o negro da madrugada se dissipa, o rio assume a forma de uma envergonhada noiva que, lentamente, vai despindo o véu, até desnudar a cara. O frio gela-nos o sangue, mas o silêncio é tão profundo que a eternidade parece revelar-se mesmo ali à nossa frente. Então, encobertos por uma espécie de cápsula do tempo, tornamo-nos imunes a quase todas as tragédias.
O pescador – diz a gíria popular – é, habitualmente, um efabulador (repare-se que não digo mentiroso):
“– Ontem, apanhei um achigã com 20 kg!” – e os companheiros, sabedores das manhas da faina, lá relativizam os números, enquanto os mais desprevenidos ficam de queixo caído, pensando num tal enigmático monstro das águas subterrâneas Porém, o pescador é também, vulgarmente, um dos mais introspectivos seres que poderemos encontrar à face da Terra. Verdadeiro filósofo, atrever-me-ia mesmo a concluir.
Para compreender Ricardo era forçoso tomar em consideração as intermináveis horas que este passara junto ao rio, a ouvir o seu silêncio corrente. Verdade seja dita que ele nunca foi um grande pescador. Distraído como era, raramente pressentia a bóia a afundar-se nas águas profundas e, por isso, quando, finalmente, despertava para a realidade já o peixe comera as iscas colocadas no anzol: bichos das mais variadas espécies, trigo, milho, massa ou até, imagine-se, pão, cuidadosamente repartido em pequenas bolinhas. É certo que o pai bem tentava dar-lhe uns carolos, para ver se o acordava para a realidade, mas o raio do rapaz raramente conseguia concentrar-se na pescaria. Poucos minutos depois de ter a cana na mão, já a sua cabeça viajava para outros continentes e planetas longínquos, sendo quase impossível trazê-lo de volta.
Era, precisamente, no momento do regresso a casa que Ricardo mais sentia o abismo que o separava dos seus pares. Os outros transportavam os baldes repletos de peixe, enquanto Ricardo raramente se estreava. Nesses instantes em que todos comparavam os troféus, o pai castigava-o severamente, humilhando-o em frente aos colegas. E nada lhe doía mais do que aquelas terríveis palavras, para sempre inscritas na alma:
“– Não vales nada. Todos tiram peixes, menos tu. Olha para esse balde… vazio como a tua cabeça”.
Fruto das suas circunstâncias, Ricardo passou então a tornar-se um menino cada vez mais triste e solitário. Tão triste e solitário que, por vezes, apenas o rio lhe servia de consolo. E foi muitas vezes ao rio que ele confiou a sua história e o terrível drama em ser tão distraído e diferente.
O menino não sabia (como poderia imaginá-lo?), mas era um poeta e um aprendiz de filósofo. Interessado em tudo o que o rodeava, imaginava-se a cavalgar em cima das nuvens, convocava todos os seres das profundezas do rio e quando menos se precatava já estava a léguas e léguas de distância, confiando ao infinito as mais surpreendentes perguntas.
Um dia, já lá vão mais de 30 anos, Ricardo chegou ao Mondego ainda mais triste do que o habitual. A sua mãe acabara de falecer e um vazio profundo apoderara-se-lhe do espírito. Por isso, naquela madrugada, ao contrário do que sucedia nos outros dias, Ricardo abandonou a cana junto às margens, em cima de um salgueiro, e sentou-se a contemplar silenciosamente o vazio das águas. As lágrimas escorriam-lhe pela face, caindo nas mãos e alagando-as torrencialmente. Sozinho, afastado dos demais, o menino confundia-se de tal modo com a paisagem, que até os guarda-rios se aproximavam dele e as distraídas rãs vinham aninhar-se a seu lado, a coaxar demoradamente.
Naquele dia, foi apenas a poucos instantes do regresso que Ricardo decidiu colocar uma minhoca no anzol e atirar a linha para a água. Contudo, assim que o fez, a bóia deu um violento tropeção, afundando-se imediatamente nas profundezas. De imediato, Ricardo imprimiu um pequeno esticão na cana e começou a recuperar lentamente a linha. Depois, quando o peixe estava mesmo a chegar à beira, o menino levantou o braço. Sem compreender muito bem como, viu então um enorme barbo, de longos bigodes e boca profundamente escancarada, a saltitar no chão. De cá para lá, de lá para cá… enquanto o tempo parecia ter parado.
Ricardo olhou demoradamente o majestoso peixe e sorriu. Do outro lado, chegavam, entretanto, os primeiros vultos espantados com o tamanho de tal gigante a estrebuchar em terra. Foi a primeira vez que o menino conheceu o orgulho de ter alcançado algo admirável.

Há muitos anos, alguém me disse que o rio ouve sempre o que lhe segredamos. Por vezes, sempre em silêncio, sacrifica mesmo alguns dos seus filhos para recompensar com um sorriso os que mais sofrem, apesar de nunca termos aprendido a respeitá-lo.
Vale sempre a pena regressar às margens do rio da nossa infância para escutar a voz que nos habita nas mais recônditas profundezas da alma… Afinal, são esses locais sagrados – autênticos santuários – que ainda nos podem salvar, não só enquanto indivíduos, mas enquanto Humanidade.

Mondego
Águas da meninice
Vinde agora ouvir-me,
Afinal, tudo o que já disse
Foi este rio a contar-me…
Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)           

domingo, 30 de setembro de 2018

Cid Teles, a cigarra do Triste Fado (Notas conclusivas)


Notas conclusivas
            Quando Cid Teles faleceu, em 2009, tinha já completado a provecta idade de 98 anos. Apesar de ter nascido em Tábua, em 1911 (ano em que também nasceu o neo-realista Alves Redol), e de durante vários anos ter acompanhado os pais nas suas deambulações profissionais por várias regiões do país (Grândola, Santiago do Cacém, Montijo, Viseu, Lamego, Porto e Matosinhos), foi em Oliveira do Hospital que acabou por radicar-se, por volta dos anos 40 ou 50 do século passado. Nesta (actual) cidade passou cerca de seis décadas, fazendo parte do seu percurso diário, além da casa, junto ao Largo Ribeiro do Amaral (na rua que dá acesso à Caixa Geral de Depósitos), os cafés “Jardim” e “Portugal”, bem como a extinta pastelaria “Olipão”, onde gostava de reunir-se com os amigos para as recorrentes tertúlias.
            Cid Teles foi, sem qualquer dúvida, uma das figuras mais icónicas, pelo menos, da sede do concelho de Oliveira do Hospital. Os seus longos e precoces cabelos brancos, com um sereno porte de matusalém, dificilmente passariam despercebidos aos transeuntes. Ao longo da vida, teria desempenhado, sobretudo, funções relacionadas com as suas vocações artísticas: compôs letras musicais, peças de teatro, contracenou com vultos nacionais dos palcos (v.g., Manuel Lereno, 1909-1976), dinamizou vários programas radiofónicos, nomeadamente na Rádio Boa Nova e na Emissora Nacional.
            Estreou-se aos 21 anos, com a obra As minhas quadras, contando com o apadrinhamento literário de Fausto Guedes de Teixeira, poeta de Lamego que enviou a Cid Teles um soneto da sua autoria, para figurar na obra de estreia. Um soneto, cuja versão manuscrita, ainda hoje pode ser consultado na Fundação Maria Emília Vasconcelos, em Oliveira do Hospital (um local de paragem obrigatória para todos aqueles que se interessam pela cultura da região).
            Pianista, pintor autodidacta, ensaiador de grupos de teatro e de ranchos folclóricos de várias regiões do concelho oliveirense (caso do Rancho Folclórico Infantil da Casa do Povo de Midões, do Rancho Folclórico de Alvôco das Várzeas e do Rancho Folclórico de Santo António do Alva), Cid Teles, apesar de ter cultivado uma vida algo solitária, nem por isso deixou de consagrar a vida aos outros e, em particular, à cultura do concelho.
Várias das suas quadras e sonetos foram editados, pela primeira vez, em jornais locais, caso da Comarca de Arganil. Aprendeu a tocar piano com a mãe (Alzira de Matos Cid Teles), depois ele próprio ensinou, durante algum tempo, música no Colégio Brás Garcia de Mascarenhas e deu lições de canto coral. A fazer fé nas suas próprias palavras, costumava dizer aos alunos que quando “as coisas não são feitas com carinho e amor, não valem nada”.
            Vista no seu conjunto, a obra de Cid Teles é multifacetada, pese embora o facto de as áreas temáticas serem relativamente reduzidas e até mesmo atravessadas pela repetição de algumas ideias nucleares. Por detrás de uma aparente simplicidade (o difícil na vida é ser simples), esconde-se uma filosofia de vida ancorada num percurso solitário, instrospectivo e com certo pendor existencialista. Um conjunto de lições que bem reclamam um reencontro dos leitores, sobretudo dos jovens estudantes do concelho, com a obra telesiana.
            Como teve oportunidade de concluir o professor, maçon e oposicionista ao Estado Novo Manuel Monteiro, num artigo dado à estampa na Comarca de Arganil, em 9 de Maio de 1959, “o poeta do «Sou como Sou», com uma aparência física sólida, bem conformada, tranquilidade nos modos, nos gestos e nas feições, no espiritual dá estes binómios engraçados: inquietação-conformismo, angústia-
-serenidade, revolta-pacificação”.
            Enfim, um mundo de contradições, que reflectem o carácter inconstante, inconformado e rebelde do indivíduo e que também nos ajudam a compreender a aura de mistério que sempre pairou sobre a sua personalidade. Um homem que todos conheciam, mas com o qual poucos tiveram o privilégio de privar na intimidade. Atentem-se nestas palavras, que fazem parte da obra Chuva de estrelas:

Eu vivo comigo mesmo
Em louca contradição:
Se digo não… penso sim,
Se digo sim… penso não!

            Cid Teles preferiu desde muito cedo o contacto com os mais idosos. Durante a infância e grande parte da adolescência, as dificuldades em criar relacionamentos interpessoais com os seus pares, em virtude das constantes deambulações profissionais do pai, tê-lo-iam levado a passar muitas horas sozinho e, nessa sequência, a adquirir uma maturidade invulgar para a sua idade, bem como o gosto pela poesia. A sua facilidade em versejar era tal que o pai, autor do Livro do coração (ao qual António Nobre, o autor do “livro mais triste que há em Portugal”, teria dedicado a “Carta a Manuel”) teria mesmo afirmado: “Tu fazes versos com uma pá velha”. Uma curiosa expressão beirã, que apenas me lembro de ler nas obras do notável romancista e novelista beirão Aquilino Ribeiro. O contacto com a poetisa alentejana Florbela Espanca, em Matosinhos, bem como a leitura da sua obra, marcou-o profundamente.
            Acompanhou a doença e a velhice dos pais, do tio José Madeira Teles e da irmã Inácia, ela própria uma poetisa e professora no Colégio Brás Garcia de Mascarenhas. A perda da família biológica (os progenitores morreram em 1945, com um breve intervalo de tempo) marcou-o de modo profundo, reflectindo-se essa tristeza, pessimismo e inquietação na sua obra poética e nas suas pinturas (sobretudo nas paisagens pintadas a aguarela), que chegou a expor na Casa da Cultura César Oliveira, em Oliveira do Hospital. Isto para já não falar na terrível experiência do envelhecimento, da solidão e da proximidade da morte, a respeito das quais demonstrava, sobretudo na fase final da vida, uma profunda consciência e sentido pragmático.
            Na obra Farrapos da minha vida, confessou ter vivido em função dos outros:

            No fim da vida em que estou
                Só agora compreendi
                Que vivi mais para os outros
                Do que para mim vivi.

            Mas Cid Teles, além do poeta do “Triste Fado”, também foi a cigarra, que levou alegria a tantos habitantes do concelho de Oliveira, durante anos a fio. Qual palhaço que sobe à cena e, nesses instantes, se esquece dos dramas da existência individual, Cid Teles foi um homem da cultura, do palco e do público. Quase todos o conheciam, mas uma auréola de mistério sempre pairou sobre a sua cabeça.
            Cid Teles, o poeta conselheiro, atravessado por uma amarga filosofia de vida que, por vezes, me recorda António Aleixo (1899-1949). Eis esta quadra do poeta oliveirense, eternizado nas suas Quadras Soltas:

Por uma estranha razão
Difícil de compreender,
São sempre os que mais sofrem
Que mais desejam viver.

            Palavras breves, que tantas vezes resumem décadas e décadas de amarga aprendizagem, como esta que inicialmente foi dada à estampa nos Farrapos da minha vida:

Numa quadra pequenina,
             Por magia feiticeira,
             Pode caber a razão
             Duma vida toda inteira.

            Cid Teles também foi, por vezes, o incisivo crítico social, como bem demonstra esta quadra inserta nos Farrapos da minha vida:

Há pessoas, sim, eu sei
Que há pessoas por aí
Que julgam saber dos outros
Mais do que sabem de si!

            Apesar de sempre ter afirmado que não gostava do que escrevia e de ter resumido a própria vida como o poeta do “Triste Fado”, importa, porém, reconhecer que Cid Teles viu, desde cedo, reconhecido o seu talento, pelo menos, no âmbito do concelho onde residiu a maior parte da vida, algo que nem sempre sucede(u) com grandes nomes da literatura nacional.
            Manuel Cid Teles teria perseguido uma certa independência política, evidenciando mesmo um certo alheamento em relação à mesma, pese embora o facto de ter vivido várias décadas sob o regime censório e repressivo do Estado Novo (1933-1974). Apesar de não ter assumido ao longo da vida uma intervenção política, desempenhou um inequívoco papel no domínio cultural do concelho de Oliveira do Hospital.
Cid Teles, um homem com uma inequívoca preocupação em relação à sua obra e à eternidade da sua mensagem. Através da sua correspondência pessoal, é possível comprovar que procurou oferecer os seus livros a personalidades consagradas da vida nacional, talvez também enquanto um meio de divulgar a sua mensagem e obter algum reconhecimento literário.
Aqui deixo, pois, algumas notas a respeito de um homem que conheci na fase final da vida. Não são mais do que alguns traços impressionistas a respeito dos percursos de um homem do palco, mas também de um indefectível solitário, que nunca casou e nunca teve filhos. Uma cigarra, que apesar de ter um “Triste Fado”, sempre procurou levar a cultura às gentes do concelho de Oliveira do Hospital.
Eis, por conseguinte, a homenagem possível a um poeta, que me marcou profundamente. Uma homenagem ao homem, com as suas virtudes e defeitos, as suas sombras e luzes, próprias, de resto, de todos os Homens. Esta é, por conseguinte, a minha homenagem a uma cigarra que, ao contrário do que é socialmente expectável e devido às circunstâncias favoráveis de que beneficiou do ponto de vista financeiro, não dedicou a vida, de um modo sistemático, a uma profissão propriamente dita (o seu feitio seria, de resto, pouco atreito a horários rígidos e a rotinas). Ainda assim, viveu em função de uma vocação artístico-
-literária e, malgré tout, conheceu a consagração local. Uma lição, com sabor a sátira, inserta na obra Canta cigarra, canta!:
Canta cigarra, canta, canta mais
E deixa lá falar essas formigas,
Que quando estás, te tratam como amigas,
Mas te censuram logo que te vais!...

A sua família, como tantas vezes me confessou, eram as suas gentes de Oliveira do Hospital, mas talvez a abertura da enigmática caixa confiada à guarda da Fundação Maria Emília Vasconcelos Cabral, que deverá conter elementos relativos à irmã de Manuel Cid Teles (Inácia), possa ajudar-nos a iluminar um pouco melhor esta matéria.




Capa da obra escrita por Inácia, irmã de Cid Teles

No momento em que escrevo, com a Serra da Estrela em pano de fundo e as obras do poeta em cima da secretária, o sentimento que me invade é de saudade e profunda admiração, perante uma cigarra que conseguiu cantar praticamente até aos momentos finais da vida (como se comprova pela grande qualidade da obra São restos, já editada a título póstumo, em grande parte graças ao trabalho notável de Maria Rosa Lobo Gonçalves). Despeço-me, invocando aquele que talvez represente um dos sonetos mais icónicos de toda a sua vida, dos percursos de um cidadão incontornável na História cultural do concelho onde passei a minha infância, grande parte da adolescência e ao qual regresso sempre que posso:

SOU COMO SOU
Sou como sou, e não me importo nada
Que este ou aquele não goste do que eu sou.
Sei o que quero, e aonde quero vou,
A passo firme e fronte levantada!


Amo essa mão estranha, ignorada,
Que do destino as linhas me traçou,
E dos outros diverso me tornou,
Dando-me esta alma inquieta de nortada!

Louco! Poeta! E que me importa a mim?
Tantos falando porque eu sou assim,
Tantos dizendo o que eu devia ser…


Sou como sou! E sinto até vaidade,
Quando posso gritar esta verdade:
Sou como sou, e assim hei-de morrer!

            Muitos outros aspectos ficaram ainda por iluminar a respeito de Cid Teles e, naturalmente, o estudo mais aprofundado da sua vida ajudará a encontrar as inevitáveis falhas de que enfermam os vários artigos que partilhei com o leitor ao longo das últimas semanas. Por isso, resta-me apenas pedir desculpa por essas falhas, agradecer a todas as pessoas que me facultaram informações e renovar os votos para que todos os leitores utilizem as incríveis potencialidades das Novas Tecnologias e partilhem também as suas memórias a respeito de Manuel Cid Teles. Afinal, todos os dados, depois de devidamente cruzados, poderão revelar-se importantes para figurar nesse roteiro histórico-literário concelhio que tanta falta nos faz e que talvez um dia possa ainda ser publicado. Manuel Cid Teles terá, por mérito próprio, de constar dele.
Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Cid Teles, a cigarra do Triste Fado (Na imprensa)


Na imprensa
Se compulsarmos o arquivo de A Comarca de Arganil, que já foi parcialmente disponibilizado em suporte digital numa plataforma informática (1.ª série, 1901-2009), iremos constatar a existência de 47 entradas, quando encetamos uma pesquisa com o nome “Manuel Cid Teles”; o número sobe para 61, quando apenas escrevemos “Cid Teles”). Nessa importante fonte histórica, conseguimos encontrar um artigo datado de 14 de Outubro de 1932 e que constitui uma espécie de crítica à estreia literária de Cid Teles, que, segundo penso, valerá a pena aqui parcialmente recordar: “Não conhecemos o autor deste livro [As minhas quadras] nem isto vem para o caso. Apenas lamentamos não podermos fazer uma apreciação segura sobre os méritos literários de Manuel Cid Teles, visto o género de poesia que escolheu ser, incontestavelmente, o mais simples. Parece-nos porém que, se quiser, poderá escrever poesia mais variada, que não deixa, por isso, de ser também interessante e talvez mais apreciada”.
            Curiosamente, na edição de 1 de Janeiro de 1935, portanto, já durante o Estado Novo, voltaremos a encontrar um texto do referido “crítico”, que assina com o nome Mário, mas agora a propósito do livro Sombras... Eis os dois parágrafos que nos pareceram mais significativos:

Trinta e dois sonetos! Trinta e duas delicadas flores arrancadas ao jardim da inspiração; trinta e duas finíssimas jóias, singelamente empacotadas numa modestíssima folha de papel de linho, com este simples endereço – Sombras
Não fazemos referência especial a nenhum dos seus sonetos, pois a todos achámos, senão impecáveis, pelo menos bem feitos. Aquela ténue nuvem, que nos encobria ainda o seu nome literário, desapareceu como por encanto e o sol brilhou de novo no firmamento azul do seu valor e da sua inspiração.

Cid Teles foi um assíduo colaborador da Comarca de Arganil, periódico onde deu à estampa vários inéditos, por vezes com uma roupagem diversa daquela que depois figurará nos livros.
Através da consulta das várias notícias respeitantes ao poeta, é possível identificar algumas datas/acontecimentos marcantes:
– em 1945, Cid Teles seria funcionário da Comissão Reguladora de Comércio (em Oliveira do Hospital?);
– em Setembro de 1950, Cid Teles fez parte da comissão executiva encarregue de organizar as festas em Oliveira do Hospital, em honra de Sant’Ana;
– nos anos 80, Cid Teles teria escrito e participado na representação de uma peça de teatro, intitulada “A ceia dos cardeais”, escrita por Júlio Dantas (1876-
-1962), em 1902. Do elenco fizeram também parte, entre outros, António Simões Saraiva e José Vieira;
– em Outubro de 1994, Cid Teles foi distinguido pela Câmara Municipal com a medalha de prata “mérito municipal”;
– em Junho de 1997, participou, enquanto declamador, no espectáculo de variedades promovido pela Liga Portuguesa contra o Cancro, na Casa da Cultura de Oliveira do Hospital;
– em Março de 1999, foi homenageado na Casa da Cultura de Oliveira do Hospital;
  – em Junho de 1999, participou na apresentação do mais recente romance (A toutinegra do moinho) da escritora Ermelinda da Silva (1922-), natural de Vila Franca da Beira;
– em Setembro de 2006, foi publicada a obra Tendo Embora um Triste Fado. Este volume reúne sete livros: As Minhas Quadras (1932), Sombras (1934), Sou Como Sou (1945), Chuva de Estrelas (1947), Canta Cigarra, Canta! (1999), Farrapos da Minha Vida (2002) e, por fim, Quadras Soltas (inéditas, escritas entre 2003 e 2004).
Atendendo aos múltiplos exemplos já mencionados, pode concluir-se que o periódico A Comarca de Arganil divulgou, com alguma regularidade, textos sobre Manuel Cid Teles, praticamente logo a partir do seu nascimento literário e, como constatei ao longo das minhas pesquisas, o mesmo sucedeu com outros periódicos locais e nacionais (por exemplo, A Voz, Diário de Notícias ou A Gazeta de Coimbra). Assim, apesar de um dia haver confessado ter “Um Triste Fado”, Cid Teles foi um poeta que viu reconhecido o seu valor literário por uma franja significativa dos Homens do seu tempo, ao contrário, importará ressalvá-lo, do que acontece(u) com muitos autores depois consagrados pela posteridade. E neste âmbito, terei de assinalar o meritório esforço desenvolvido pelas edilidades locais (Junta de Freguesia e Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, entre outras) para divulgar o trabalho do autor.
            No próximo artigo, ensaiarei uma visão de conjunto a respeito de Cid Teles. Até lá, se ainda não fez, amigo leitor, não deixe de ler a obra do poeta e de (re)visitar alguns dos espaços oliveirenses que o poeta privilegiou nas suas deambulações diárias, ao longo de, aproximadamente, 60 anos.
Fotografias oferecidas pelo poeta ao Museu António Simões Saraiva, da Bobadela: à esquerda, com barba, Manuel Madeira Teles; ao centro, em cima, Maria Rita Teles Castelo Branco; ao centro, em baixo, tia “Nini” (como era carinhosamente tratada a herdeira da “Casa dos Espíritos”, também já designada “Casa do Pinheiro dos Abraços”); do lado direito, com bigode, José Madeira Teles, tio de Cid Teles (apenas foi possível identificar estas personalidades graças à inexcedível ajuda de Maria de Fátima Cid Teles, de Oliveira do Hospital, a quem deixo uma especial palavra de agradecimento).



Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)