terça-feira, 28 de janeiro de 2020

É maravilhoso ser pai


O Duarte tem três anos. O tempo passa tão rápido que nós nem nos apercebemos.A sociedade atual é louca, pois temos tantos estímulos, uma enormidade de ecrãs e de coisas para fazer que por vezes começamos várias tarefas e não acabamos nenhuma. Nos últimos tempos quantas vezes comecei um livro, uma notícia e não as acabei, ficando apenas pelo título ou pela introdução. Por vezes assusta-me a loucura e o ritmo que vivemos que não nos deixa saborear aquilo que fazemos, a nossa profissão e a nossa família.

Com o tempo e a experiência aprendi a lidar melhor com a passagem do tempo e aprendi a aproveitar ao máximo o tempo com o meu filho. Tenho pena de me esquecer de muitas das coisas que ele disse no momento e que nos fizeram sorrir pela imprevisibilidade, Enfim não dá para tudo.
Hoje adormeci-o. Devido às minhas constantes ausências ele afeiçou-se muito à mãe e é um castigo adormece-lo pois ele mal a mãe se vai embora começa a chorar compulsivamente. Hoje mesmo correndo o risco de adormecer primeiro que ele, pois estava exausto disse à Cecília para ela se ir embora que eu adormeci-o afinal ele tem que se habituar ao pai. Consegui acalmá-lo com o ecrã do telemóvel e com a 1ª série da Heide que passou em Portugal salvo erro na década de 80. Após acabar o programa deitei-o junto a mim afaguei-o sobre o meu corpo e contei-lhe histórias sobre o Douro e da minha escola em Tabuaço. O Duarte sempre muito curioso questionava tudo e queria saber mais. Aos poucos fui diminuindo o meu tom de voz e consegui finalmente vencê-lo pelo cansaço.


Eu resistir ao cansaço e apesar de ainda ter uma noite de trabalho pela frente senti a maravilhosa sensação de ser pai.

Obrigado Duarte


Mais uma semana mais uma viagem


Hoje foi mais um fim de tarde de terça feira. Um início de semana doloroso como sempre, não pela quantidade de horas que passo em frente ao computador e a dar aulas, isso já aprendi a gostar e a saborear melhor à medida que tenho mais experiência nesta profissão. O me custa mesmo são as cerca 12 horas e os mais de 900 kms por semana que passo na estrada grande parte deles sozinho. Isso sim é muito duro.
Hoje enquanto chovia em mais uma viagem entre Tabuaço e Oliveira do Hospital já esgotado de ouvir as músicas do spotify, a enormidade de anúncios que passam na rádio ou os programas da antena 1 ouvidos dias a fio. Cansei-me e por momentos desliguei o rádio e ouvi o silêncio e os meus pensamentos, sentia-me exausto e a viagem nunca mais acabava.

Passados uns instantes decidi ligar a Rádio Comercial na esperança de ouvir alguma música que me fizesse relaxar e a viagem passasse mais rápido. Quando qual não é o meu espanto quando começo a ouvir uma magnífica entrevista a atriz Rita Loureiro. A entrevista prendeu-me do início ao fim e fez-me refletir sobre tanta coisa. O poder da palavra é de facto magnífico, estava com saudades de ouvir um programa de rádio assim, foi tão bom.

Trabalho todos os dias para conseguir cativar os meus alunos com os meus conhecimentos e as minhas palavras. O meu objetivo é conseguir nem que seja por breves momentos que os meus alunos consigam sentir prazer em ouvir-me, aprender Geografia e crescerem enquanto seres humanos.

Obrigado Rádio Comercial e Rita Loureiro pela excelente conversa que me proporcionaram.

domingo, 5 de janeiro de 2020

Quando as luzes nos cegam


Há quem diga que um Homem começa a ser gerado pelo menos um século antes de nascer, pelo que quem o quiser compreender deverá estudar a época dos seus avós. Ora, há um século atrás, vivia-se no Ocidente a euforia dos “Loucos anos 20”, também conhecidos como “Roaring Twenties”. O pós I Guerra Mundial, conflito no qual se inaugurou a indústria da morte, trouxe consigo um período marcado pela ânsia de recuperar o tempo perdido. A cultura de massas na qual hoje vivemos submersos nasceu nesse período, atravessado pelos incríveis desenvolvimentos técnicos do cinema, da rádio, da televisão, pelo incremento da arte, da música e do desporto, bem como por um conjunto de transformações sociais e políticas, entre as quais importa destacar os movimentos feministas e sufragistas.
No dealbar da década de 20, quem imaginaria, porém, que o crash da Bolsa de Wall Street, em Nova Iorque (1929), mergulharia quase todo o mundo numa profunda crise? A “Longa Depressão”, como escreveu Eric Hobsbawm, é de resto fundamental para compreender a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha em Janeiro de 2020, relembre-se, completam-se 87 anos após a nomeação do fűhrer como chanceler.
Apesar de a História não se repetir, é assustador constatar as dramáticas semelhanças do nosso tempo com as circunstâncias que existiam há 100 anos. Ontem como hoje, os extremismos proliferam a uma velocidade vertiginosa. Donald Trump, o “Brexit” e Jair Bolsonaro representam apenas alguns exemplos desta perigosa tendência moderna marcada pela vitória do espectáculo sobre o conteúdo, pelo triunfo da ignorância/loucura em detrimento do rigor, do trabalho sistemático e do conhecimento científico (sim, ao contrário do que as redes sociais parecem levar-nos a acreditar, os intelectuais fazem-nos muita falta).
Mais do que identificar detalhadamente essas similitudes entre o passado e o presente, penso, porém, que é importante reconhecer que nós somos filhos dos “Loucos anos 20”. A cultura do espectáculo permanente na qual vivemos embrenhados nasceu provavelmente ali e, portanto, quem quiser compreender o mundo actual terá de regressar às três décadas iniciais do século passado. Às décadas, sublinhe-se, onde nasceu o Fascismo e o Nazismo, cujas origens e exponencial crescimento também radicam na já mencionada civilização do espectáculo.
A atracção das massas pela evasão proporcionada pelos mass media, que despertou no mundo ocidental a partir dos anos 20, parece ter atingido na hodierna o seu clímax, com famílias inteiras viciadas nas redes sociais e os mais jovens, em especial, a mergulharem durante horas a fio em jogos virtuais, evidenciando depois uma terrível incapacidade para interagirem com os seus semelhantes. No meio disto tudo, a Inteligência Artificial desenvolve-
-se a um ritmo alucinante. O mundo transforma-se a uma velocidade tal que é impossível captar as suas complexas transformações e, tal como Yuval Noah Harari já teve oportunidade de concluir, o Homem começa a perder a ilusão da liberdade: “The sacred Word ‘freedom’ turns out to be, just like ‘soul’, a hollow term empty of any discernible meaning” (Homo Deus. A Brief History of Tomorrow, 2016, p. 329).
Nós podemos, efectivamente, não saber como serão as profissões daqui a 15 ou 20 anos, mas é fundamental que nos interroguemos a respeito do mundo que pretendemos ter daqui a duas ou três décadas, pois só isso nos poderá ajudar a definir melhor os conteúdos que os nossos alunos deverão estudar nas escolas. Sem uma resposta concreta a esta pergunta o futuro poderá revelar-se dramaticamente perigoso. E os holocaustos poderão estar novamente ao virar da esquina.
Na década de 1980, o historiador francês Marc Ferro deu à estampa a obra A manipulação da História no ensino e nos meios de comunicação, na qual, logo a abrir, declarou: “Não nos enganemos: a imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças” (1983, prefácio, p. 11). Há cerca de duas décadas que, enquanto professor de Educação Especial, tenho o privilégio de ir circulando por muitas salas de aula, nas mais diversas disciplinas. E quanto mais o tempo passa, mais reforço a convicção segundo a qual a História pode desempenhar um papel crucial no futuro que pretendemos edificar. O estudo do passado ajuda-nos a criar pontes, entre nós e os outros. Ajuda-nos a reconhecer o profundo elo que nos aproxima dos primeiros seres humanos, há cerca de 3 milhões de anos, mas também de todos os seres com os quais partilhamos este planeta. A humildade de aprender a duvidar (de tudo o que sabemos ou pensamos saber) para depois perseguir outros trilhos é, porventura, uma das mais eficazes vias para construir um mundo mais democrático e inclusivo, uma lição que, afinal, também a História nos pode ajudar a reforçar. Fora disto, todas as palavras se tornam infrutíferas. E este é um dos meus maiores receios: nós, que tanto invocamos a inclusão e a democracia, estamos, muito provavelmente, a construir um país, uma Europa e um mundo, afinal, cada vez mais totalitário e que exclui, de modo irreversível, os mal-afortunados do berço e da genética.
Não é possível compreender o nosso tempo sem recuar aos “Loucos anos 20”: nós somos os filhos e os netos dessa era das massas. E, talvez como todos os descendentes, exponenciámos os defeitos e as virtudes desse passado. Resta-nos agora aprender a lidar de um modo mais equilibrado com esse património, numa era em que um novo e catastrófico conflito mundial parece iminente e as alterações climáticas se revelam cada vez mais mortíferas, como, de resto, os fogos infernais da Austrália têm vindo a demonstrar, nos últimos meses.
Aprender a ignorar os ruídos, viver apenas com aquilo que necessitamos, nomeadamente do ponto de vista tecnológico, é talvez um dos mais prementes desafios que temos hoje entre mãos. Por isso é que, segundo penso, a História, a Literatura e a Filosofia poderiam revelar-se cruciais para definir qual é, afinal, o futuro que pretendemos deixar aos vindouros. Mas isso exigiria outro tipo de sabedoria e consciência ética por parte de quem governa e por parte de quem é governado. Algo que depende ― cada vez mais ― de cada um de nós e da nossa capacidade para aprender a ignorar os vendedores da “banha da cobra” que por aí proliferam, travestidos dos nomes e títulos mais flamejantes e inclusivos que possamos imaginar…

Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)