sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Simplicidade

Simplicidade uma palavra que tem cada vez menos aplicação neste Mundo Complexo e acelerado que vivemos.
Com o decorrer dos anos há medida que a exigência da vida aumenta, sinto a necessidade de dar valor a coisas simples da vida que outrora não acontecia. O aumento da exigência profissional conduz-nos à necessidade de mantermos uma postura forte de fazermos face a situações que por vezes nos fazem cambalear ou hesitar. É nestas altura que temos de ter valores e princípios seguros que nos prendam. As pessoas que mais amamos são para mim cada vez mais a personificação dessa postura forte que necessitamos de ter durante a vida. 
Sinto a sorte de ter conhecido pessoas fantásticas ao longo da minha vida que me fizeram crescer e ser hoje uma pessoa melhor, que consegue ver a vida de um modo mais crescido e maduro. Sinto que  valorizo mais a amizade e o amor. É uma felicidade mais compartilhada e  sem dúvida mais forte.
Actualmente dou um valor diferente a um jantar de confraternização que outrora pela banalização que eu concedia à ocorrência perdia significado. O Calor Humano, o Abraço, uma Conversa onde perdemos a noção do tempo,  pois desfrutamo-la incansavelmente. São coisas tão simples que perdem cada vez mais força neste Mundo impessoal que vivemos. 
A distância tornam os simples laços de união, momentos únicos que queremos viver e absorver ao máximo. É sinal que necessitamos deles, sendo indispensáveis para prossecução do nosso caminho.
Simplicidade e entreajuda são valores cada vez menos frequentes nesta sociedade consumista e egocêntrica. Compreendo que seja o sinal dos tempos, mas não deixemos esmorecer as maiores qualidades de Antigamente.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A geração das competências

             Ao longo das últimas semanas, tenho sido, repetidamente, confrontado com a seguinte questão: “Atendendo ao teu conhecimento do passado, o que irá acontecer a Portugal nos próximos tempos?”. Claro está que, perante este tipo de perguntas, quase por automatismo, aflora-se-me na mente um conjunto de imagens que me conduzem, por exemplo, para o não tão longínquo ano de 1891, com a crise financeira e bancária, que levou o próprio Banco de Portugal a ficar sem reservas, ou a “Longa Depressão dos anos 30”, cujo ciclo vicioso parece encaixar-se que nem uma luva nestes tempos em que as falências e o desemprego não param de aumentar, arrastando atrás de si milhares de pessoas para as novas filas da sopa dos pobres.
            Como diria Marc Bloch, será muito difícil encontrar alguém que permaneça totalmente indiferente à História. Curiosamente, nos últimos anos tenho-me apercebido que parece existir um interesse cada vez maior pelos temas históricos, surgindo estudos e, de um modo muitíssimo regular, romances ou, por exemplo, (pseudo) diários mais ou menos intimistas, com nomes de importantes figuras da História de Portugal estampados na capa, pois isso tornou-se uma garantia de sucesso editorial. O nome Salazar é o expoente máximo dessa tendência, mas poderia citar o caso – hoje em dia muito na moda – dos romances históricos. Ainda assim, muito do que se publica, é importante retê-lo, pouco tem de História, para além do nome que figura na capa…
             Questiono-me, com alguma frequência, se a entrada de Portugal na antiga CEE não terá, de algum modo, acelerado este processo que parece conduzir as pessoas a buscar uma determinada História do seu país. Pergunto-me: perante a perda irreversível do escudo e, gradualmente, de uma outra identidade cultural mais profunda, as pessoas não sentirão necessidade de descobrirem as suas raízes para, assim, encontrarem e compreenderem uma parte do que ainda são? É que, importa reflectir, apesar de vivermos num mundo cada vez mais globalizado, a realidade é que este tende a ser formatado pela lei do mais forte. Hoje, a unidade garante-se, cada vez mais, na e pela luta contra a diversidade e bastará ver o que está a acontecer às línguas do Mundo inteiro para constatar isso: há cada vez mais pessoas a falarem do mesmo modo. Aliás, no que diz respeito a este último aspecto, bastará pensar nos motivos que, verdadeiramente, desencadearam o Acordo Ortográfico para compreender que a perseguição voraz do lucro não se compadece com a importância da diversidade para toda a Humanidade; e a diversidade, importa não esquecê-lo, não é apenas importante, é uma necessidade, até do ponto de vista biológico, como o demonstra a filogenia.
            As pessoas procuram a História e procuram-se na História. Alguns, mais por amizade, acercam-se de mim e lançam-me essa terrível e tentadora questão: “Atendendo ao teu conhecimento do passado, o que irá acontecer a Portugal nos próximos tempos?”.
            Inicialmente, o meu silêncio aguça ainda mais a curiosidade. Depois, confesso, não pressinto outra solução além de desapontar toda a gente e, pura e simplesmente, reconhecer que não sei, não posso saber. Bem vejo que os reputados economistas, quais videntes, passam a vida a fazer previsões (quase sempre erradas) – em Portugal, ao invés, costuma dizer-se, ironicamente, que a Economia é a ciência que prevê as crises depois de elas acontecerem… –, mas, ainda assim, continuo a acreditar que o papel dos Historiadores não passa por aí, embora reconheça que seja deveras tentador procurar fazê-lo, como bem o demonstra o facto de muitos “filósofos-historiadores” terem edificado grandes filosofias da História, no intuito de procurarem demonstrar que esta última avança para um fim mais ou menos pré-determinado. Quando muito, segundo creio, o Historiador poderá procurar surpreender tendências, mas mesmo essas serão sempre potencialmente infinitas. 
            Estudar a História ensinou-me a procurar sempre a complexidade e a pluralidade, onde, aparentemente, tudo se parece resumir a uma confrangedora simplicidade. Frequentemente, quando o assunto de conversa pende para a História, os outros falam e eu calo-me, a ouvi-los, a tentar compreendê-los, não só no que dizem, mas também nos motivos que os levam a produzir determinadas afirmações em detrimento de outras, silenciadas. A experiência de pessoas que consagraram a vida ao contacto com as fontes e à reflexão (actos cada vez mais raros) e os meus próprios ensaios para adquirir “voz própria”, ajudaram-me a compreender que, como dizia Ernst Gombrich, nós continuamos a ver a realidade em função do que conhecemos. Basta um ângulo diferente de análise ou outros conhecimentos sobre uma determinada realidade e, voilà, altera-se a nossa percepção dos factos.
            Talvez a História não possa, afinal, ajudar as pessoas a prever o que vai acontecer, mas estou profundamente convicto de que pode ajudá-las a transformar esse futuro. Quando penso no significado etimológico do verbo educar vêm-me sempre à memória estas duas palavras: educare e educere, alimentar (o espírito) e potenciar o que cada indivíduo possui de melhor, transformando-o.
            A História, enquanto ciência que ajuda os Homens, na medida do possível, a compreender o passado e o presente, de um modo rigoroso e objectivo, também pode constituir uma importante fonte de ensinamentos para transformar a realidade que diariamente reflectimos. Porque, não o esqueçamos, apenas pode frutificar o que tivermos capacidade de sonhar. É, aliás, muito curioso constatar que as grandes revoluções da Humanidade começaram por ser sonhadas e escritas, tantas vezes no silêncio dos refúgios, por Homens preocupados em aperfeiçoar a sociedade em que viviam. O que seria da Revolução Liberal Americana de 1776 ou, por exemplo, da Revolução Francesa de 1789 sem os Iluministas, como Voltaire, Rousseau ou Montesquieu, que edificaram no mundo das ideias aquilo que mais tarde seria tentado no mundo dos Homens?
            Talvez um dos grandes problemas da actualidade resida na quase inexistência de livres pensadores, capazes de criar e sonhar um mundo com regras e pressupostos diferentes daqueles em que nos habituámos a viver. À semelhança do que já defendi anteriormente, continuo a acreditar que somos diariamente atravessados por uma forte tendência, consciente ou inconscientemente produzida, cujo objectivo último é formatar o próprio indivíduo, convertendo-o em eterno súbdito pronto a obedecer, sem sequer conseguir ou querer compreender. Diariamente, os burocratas, dentro da lógica do seu paradigma de gestão, continuam a matar os sonhos, a destruir as utopias, a diversidade. Dentro dos próprios círculos académicos, os melhores discípulos não se afastam, frequentemente, do velho espírito medieval do magister dixit e, não raramente, a função dos neófitos que acabam de chegar ou querem chegar à cátedra é, apenas, reunir a informação pertinente para depois, em nota de rodapé, dizer, com outra hermética roupagem, aquilo que os donos do sistema afirmam assertivamente no corpo dos seus textos. Ainda não há muitas décadas, Miguel Torga afirmava que apenas poderíamos ser livres, na medida do humanamente possível, fora das escolas de pensamento, que nos agrilhoam e entorpecem. Nos dias que correm, aqui está uma máxima que deveria merecer da nossa parte uma cuidadosa reflexão.
            O diálogo, o debate de ideias, o velho ideal de tertúlia parece desaparecer velozmente, precisamente à mesma velocidade com que, infelizmente, as pessoas que têm hoje mais de meio século também vão desaparecendo. Pode ser apenas impressão minha, mas tenho para mim que os grandes faróis se vão apagando, sem que as novas gerações os consigam, proporcionalmente, ir substituindo. Bem sei que a mudança, como diria Camões, é inevitável e a suposta existência de uma “idade do ouro” não passa de uma falácia, mas essas constatações não devem impedir-nos de reflectir os caminhos ou tendências que as sociedades tomam. Costuma, aliás, dizer-se que “é necessária uma vida para erguer um Homem, mas basta um minuto para destruí-lo” – a História das conquistas da Humanidade é um pouco parecida com esta máxima. Ademais, quantas vezes ignoramos que “apenas conseguimos ver mais longe porque estamos aos ombros de gigantes”, os nossos antepassados?
            Dentro dos próprios círculos universitários, os debates parecem reduzidos a monólogos. O conhecimento, projectado a uma escala do mundo de “Lilipute” (cada um sabe muitíssimo de uma reduzida área, mas pouco conhece das restantes) impede depois que exista um efectivo diálogo, no intuito de atingir aquele que, na óptica de Edgar Morin, é o grande desafio do século: “Religar os conhecimentos”. Claro que esta falta de diálogo e de debate acaba por salvaguardar os interesses de muitos propalados intelectuais, cujo hermetismo da própria linguagem é frequentemente utilizado como intransponível escudo de protecção…
            No plano inverso, basta estudar uma Escola do Ensino Básico e/ou Secundário para perceber que continuam a prevalecer as abordagens superficiais, pomposamente consubstanciadas nos mais nobres princípios transdisciplinares, mas que, depois, ninguém sabe nada de profundo sobre as diversas áreas. 
           O relativismo defendido por alguns, nomeadamente determinados pseudo-pedagogos das Ciências da Educação, vai-me dizendo, bem lá do alto do mundo das inquestionáveis certezas, que estas novas gerações não estão a perder valores, que é necessário definirmos muito bem este conceito, que elas estão a construir os seus próprios valores, que não pertencem a nenhuma outra lógica, a nenhum outro tempo, fazem parte e reflectem as circunstâncias extremamente peculiares em que foram erguidas. O problema, em meu entender, é que todo este positivismo, alicerçado no relativismo, cai por terra quando me aproximo e ouço estas novas gerações, alguns deles já mesmo a trabalharem com alunos nas salas de aula, a falarem do importantíssimo jogo do FarmVille ou dos quentes acontecimentos que a “Casa dos Segredos” vai exalando para o exterior. Quase me apetece avançar e, inspirado no programa da Júlia Pinheiro, erguer a prestação do carro, ainda por pagar, e gritar, bem alto: “Talvez o mundo do faz-de-conta pornográfico ainda salve este país, talvez ele seja o nosso Dom Sebastião”. Mas depois lembro-me das “Farpas” do Eça, da “Geração dos Vencidos da Vida”, permaneço em silêncio e vou para a biblioteca. Ali, pelo menos ali, os sonhos ainda continuam a ser possíveis e, sempre que desço para regressar à sala de aula, são eles que ainda me fazem sorrir. São eles que ainda me ajudam a encontrar um sentido para uma profissão que, quero acreditar, um dia ainda voltará a ser um modelo para todos os portugueses.
            Lá dentro da sala, com os livros abertos, os sonhos ainda são possíveis. O problema é quando a porta se fecha e todos aqueles meninos e meninas regressam para um mundo que está a conseguir matar-lhes a curiosidade, para, consciente ou inconscientemente, os formatar a obedecer. Eles serão o êxtase da geração das competências, agora gradualmente associadas a descritores e habilmente desligadas dos conteúdos (contra o próprio espírito que deveria presidir ao conceito de competência)! A primeira fornada já anda por aí; falem com eles e perceberão o significado multidimensional das grelhas. Falem com eles e verão como foram formatados para não pensar. Falem com eles e perceberão que estão dispostos a tudo para atingirem a suposta “Excelência”. Falem com eles, se conseguirem. Esperem até eles chegarem ao poder…
            Ainda há resistentes nesta geração das competências?

Renato Nunes