terça-feira, 30 de agosto de 2011

“Cunha”: afinal, a História repete-se…

Existe hoje em Portugal uma tendência muito vincada para reconhecer que a crescente autonomia das escolas públicas poderá contribuir para eliminar vários entraves ao progresso nacional. Nesse sentido, argumenta-se que o maior conhecimento da realidade local concreta de cada Escola, por oposição à acção de gabinete dos pedagogos burocratas do Ministério da Educação, centralizado na longínqua e macrocéfala capital, poderá agilizar o processo de resolução dos problemas diagnosticados. Um exemplo prático: cada escola deveria poder contratar directamente os professores que melhor correspondem ao perfil da sua realidade.

O processo que permitirá às escolas (por agora) públicas contratarem os seus docentes já foi iniciado e dificilmente será parado. Se alguma lição a História nos permite sustentar é que estes processos costumam ser irreversíveis e imparáveis, pelo menos até que as massas percebam ou recordem (amargamente) as suas consequências.

Ora, sensivelmente a partir da primeira semana de Agosto começaram a ser publicitadas, a nível nacional, na página oficial do Ministério da Educação, vários horários respeitantes aos diversos grupos de recrutamento, cabendo depois directamente às escolas escalonar os candidatos, entre outros, através dos seguintes critérios (que podem mudar de escola para escola): média final da licenciatura, tempo de serviço, idade, ter leccionado no ano anterior na escola em questão (!), conhecimento do território educativo da escola e resultado da entrevista. Importará frisar que os pesos a atribuir a cada um dos itens anteriormente referidos variam, muitas vezes, de oferta para oferta, mas uma percentagem decisiva é quase sempre atribuída ao factor entrevista…

Salvo raras excepções (que tenderão a desaparecer), caso a caso, os arquitectos do sistema concebem a priori um perfil recheado de pré-requisitos que se encaixam precisamente no candidato que se deseja integrar no sistema (“fato à medida”, como já se lhe chama). Ou seja, em vez de analisar atentamente o currículo dos candidatos, inventariam-se, antecipadamente, um conjunto de condições que apenas um determinado proponente poderá, à partida, reunir! Quem já algum dia concorreu a um lugar (fantasma) numa autarquia conhece muito bem o esquema frequentemente engendrado. Assim, os desejados são habilmente seleccionados, antes sequer de terem movido um dedo para realizar o exame de arremedo ou pronunciado uma palavra sequer durante a famosa entrevista, que, por tão subjectiva e oculta, tudo permite à entidade empregadora. Sempre, obviamente, ao abrigo da legislação, pura e dura. Hipocrisia.

Vivemos na época dos relativismos. Recorrentemente, ouço dizer que a média da licenciatura, a classificação do estágio pedagógico e o número de dias de serviço não significam muito, pois não representam uma garantia de que o candidato venha a realizar um bom trabalho, sobretudo, subentenda-se, num país onde fazer um bom trabalho equivale, por norma, a aceitar acriticamente tudo o que nos é imposto.

Na sua poderosa e fundamentada crítica da pedagogia romântica e construtivista, Nuno Crato sustenta que “As mudanças devem ser graduais, experimentadas e avaliadas” (2011, p. 116). O actual Ministro da Educação, o autor do célebre livro O “Eduquês” em discurso directo, que parecia tão preocupado em dar uma lógica de rigor, objectividade e excelência ao ensino em Portugal, prestaria um serviço inestimável ao país se preservasse a lista nacional de professores, que, apesar de tudo, conferia alguma transparência e objectividade ao sistema. Ou, em alternativa, obrigasse as Escolas a contratarem os seus professores de acordo com critérios objectivos e rigorosos, de onde deveriam, naturalmente, constar a média final da licenciatura e o tempo de serviço. Ou até mesmo, neste momento não me escandalizaria minimamente, a realização de um exame, na área específica, por todos os candidatos interessados pelo lugar, mas, naturalmente, elaborado e corrigido por uma comissão externa de cariz nacional, caso contrário, pela nossa mentalidade, todos nós sabemos perfeitamente onde isso iria resvalar. Sempre fui contra a existência de um exame que regulasse a entrada dos novos professores na carreira, pois, devido a motivos economicistas, num contexto de grave crise, é por demais óbvio que não seria a simples admissão num exame deste género que iria permitir a entrada nos quadros da função pública. Além do mais, fundamental mesmo seria intervir a montante, na formação inicial dos professores, junto das Universidades; mas haveria, de facto, força política para mexer com o elo mais forte? Face ao caminho pelo qual neste momento já enveredámos, o exame seria um mal menor. Exigência? Naturalmente! Mas com critérios objectivos, transparentes e rigorosos, para todos os candidatos, sem que existam vencedores antecipados, algo que, neste momento, não acontece com muitas das ofertas colocadas a “concurso”. Não basta dar uma roupagem de legalidade ao sistema, é preciso, de facto, que ele seja legal.

Mas, bem o sei, a realidade do processo caminhará em sentido inverso. O país do faz-de-conta subsistirá e ontem como hoje, mas também amanhã, a dita “cunha”, o “compadrio” e o “ nacional porreirismo” continuarão a operar milagres, promovendo a incompetência e atirando a ética para as ruas da marginalidade/desemprego.

O actual Ministro da Educação, aparentemente obcecado em criar uma nova panaceia legislativa que coloque os professores (de escolas vizinhas!) a avaliarem-se uns aos outros, deveria perder algum do seu precioso tempo, abrir a aplicação informática disponibilizada pela Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação e concorrer a um dos horários ali disponibilizados para o seu próprio grupo de recrutamento (Matemática), percorrer o país de lés-a-

-lés, submeter-se ao faz-de-conta das entrevistas, cujas perguntas parecem, muitas vezes, retiradas de um livro de anedotas, e talvez assim compreendesse melhor a mágoa e revolta daqueles que já leccionam há uma ou duas décadas, concluíram, em vários casos, a sua licenciatura com distinção em universidades públicas, realizaram a sua profissionalização, são anualmente (diria mesmo, diariamente) avaliados, obrigados a abdicar da estabilidade familiar e/ou da própria família, impelidos a saltitar de local para local, permanecer a centenas de quilómetros das suas raízes nativas e, no final, acabarem por sentir-se ultrajados pelos alpinistas do sistema. Talvez assim o senhor Ministro da Educação sentisse na pele os efeitos de um dos mais poderosos entraves ao desenvolvimento deste país. Quiçá, assim, o autor da acutilante crítica à pedagogia romântica e construtivista recordasse as suas próprias palavras e percebesse que há muita matéria aparentemente simples que, se fosse alterada, poderia produzir significativas mudanças, não só no domínio imediato da educação, mas também ao nível do desenvolvimento mais global do país. Mudanças simples e graduais, antes de enveredar pela ânsia das revoluções burocráticas.

Na sua famosa obra, que, em Junho de 2011, conheceu a sua 12.ª edição, pela gradiva, Nuno Crato afirma que: “Na realidade, disciplinas tão fundamentais como a literatura, a matemática e a filosofia podem ser essenciais para preparar um jovem para o mercado de trabalho” (p. 68). Sintomaticamente, Nuno Crato não menciona a importância, entre outras, de ciências como a História. Também aqui o processo iniciado, legislativamente, há já alguns anos, parece ser imparável e a fusão das duas ciências (a curto prazo, no Ensino Básico? a médio ou longo prazo, no Ensino Secundário?) estará já a ser detalhadamente delineada no gabinete ministerial. O que, naturalmente, significará, muito em breve, a morte das duas ciências sociais, habilmente condenadas a um vazio curricular particularmente estratégico para quem continua a desejar súbditos incapazes de pensar e, portanto, sempre prontos a conjugar o verbo aceitar.

Consagrei a minha vida ao ensino de uma ciência social – a História – que está nas origens da nossa matriz de pensamento civilizacional. O conhecimento do passado e a noção da irreversibilidade dos processos, que, neste momento, já se encontram em pleno funcionamento, não podem deixar de provocar-me um profundo sentimento de desânimo, até porque a vida humana, simultaneamente tão complexa e frágil, é também bastante curta, o que nos impossibilita de ver uma luz ao fundo do túnel.

Infelizmente, o TGV da estupidez nacional parece difícil de ser interrompido.



Renato Nunes

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital em risco de fechar

Fala-se muito dos corte que têm sido feitos nas áreas da educação e saúde e observa-se uma relação evidente associada à contenção de custos tendo notórios reflexos na qualidade demonstrada. Na educação fecham-se escolas, não se renovam ou extinguem-se contratos. 

Com o passar dos tempos, o ensino obrigatório até ao 12º ano,  houve um consequente aumento da  facilidade de atingir o grau de licenciado,  assim como de ofertas  de escolas que leccionam cursos superiores.

A Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital ,propiciou um conjunto de oportunidade que para um localidade do interior do país seriam muito penalizadoras caso fossem retiradas. Em números aproximados a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital tem 400 alunos, dando portanto um forte impulso no aluguer de casas, à restauração e ao comércio local, sendo valores muito importantes para uma localidade que tem sofrido uma forte desertificação.

No entanto é necessário ter em conta  a necessidade de estabelecer uma relação mais forte entre o ESTGOH e o mercado de trabalho existente no concelho de Oliveira do Hospital, tendo neste caso a autarquia um papel fundamental. Desta forma seria estabelecida uma prova forte das potencialidades da ESTGOH para Oliveira do Hospital.

Foi portanto com tristeza saída no Diário de Notícias do dia 29 de Agosto. Vamos acreditar que ela não irá passar à prática para o bem do concelho de Oliveira do Hospital.



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O início dos cortes nos vencimentos


Em consequência de umas dúvidas ao conferir os meus recibos de vencimentos, onde observei discrepâncias entre os valores que pagava e aqueles que supunha pagar.Após uma breve consulta apercebi-me dos cortes que ocorreram na segurança social e no IRS.É preciso no entanto ter em conta que estes valores se referem a um professor que usufrua de horário completo.A primeira tabela refere-se aos vencimentos de 2009 enquanto que a segunda a 2010. Receio que isto seja o inicio de uma escalada de cortes nos vencimentos que eu não sei onde vai parar. Por enquanto não houve alteração dos valores da ADSE assim como das suas principais regalias.Aguardemos atentamente o futuro. 



terça-feira, 2 de agosto de 2011

Cinza

Não pude ver o fundamental da audição na comissão parlamentar de educação aos incumbentes do Ministério da Educação mas o que vi foi, digamos, fracote. Perguntas de deputados que pouco ou nada sabem de educação ou de outros que levavam perguntas porventura demasiado específicas, mas pronto...



Ao ver Nuno Crato, a estrela da companhia deste governo, não posso deixar de sentir calafrios. É que, embora louvando-lhe o discurso contra o pedagogismo e a não valorização do saber, não dá para iludir que o homem faz parte de uma comissão liquidatária e pensa o que pensa. Basta ver o que vai acontecer aos contratados no ano lectivo em preparação (atabalhaoada, como há muito não se via). Acusem-me de defender o meu feudo, o meu tacho mas não há ninguém que possa dispensar expectativas legítimas e uma afeição ao seu trabalho. E se é necessário cortar com a despesa corrente (vulgo pessoal), deixo uma sugestão: extinga-se Religião e Moral ou ponha-se a Igreja a pagar os salários dos seus professores. Se se reduziu horas a várias disciplinas ao longo dos tempos sem diminuir a correspondente componente lectiva dos professores e se se extinguiu a Área de Projecto e o Estudo Acompanhado, porquê poupar esta disciplina confessional em Estado laico?






Plúmbeas nuvens pairam sobre nós.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Até Setembro!!!!

Observo com apreço que o blogue é cada vez mais lido, coexistindo em consequência de uma crescente colaboração, o aumento e qualidade dos textos apresentados o que se encontrou relacionado com o crescimento do número de leitores e dos comentários realizados.

Vou aproveitar o mês de Agosto para reorganizar as ideias e descansar de um extenuante ano  lectivo, recarregando baterias para outro que se avizinha árduo.
Em consequência da necessidade da abstracção dos computadores e da internet, pretendendo dedicar-me mais ao papel e ao conforto de umas leituras despreocupadas, informo que o mês de Agosto irá no que a mim diz respeito, ser menos intenso no que concerne à publicação de posts. 

Voltarei em Setembro mais vigoroso para o melhoramento do blogue, assim como da qualidade dos testemunhos apresentados.

O trajecto Ourique - Sabóia

Na transição entre a peneplanície alentejana e a costa vicentina há um conjunto sinuoso de estradas que escondem um Portugal por vezes esquecido. Para sinalizar a passagem por um lugar, considero que tão ou mais importante que as paisagens são placas(1) que demonstram a passagem do tempo e a localização geográfica.

1-As placas que sinalizam a distância ao locais, localizadas em São Martinho das Amoreiras.

A insuficiência de horários conduziu a uma necessidade de o completar, dando aulas numa localidade que dá pelo nome Sabóia, onde leccionei apenas seis horas lectivas por semana. Percorri as sinuosas vias de acesso, calcorreando locais e especificidades que me irão ficar sempre na memória.

As cegonhas que construíam os ninhos ao longo das estradas junto aos locais onde haviam pontos de água, as galinhas, porcos pretos e gado bovino, habituados a circular sem restrições nos montes, caminhando por vezes junto à estrada. Lembranças que ao longo do tempo se iam tornando mais banais, no entanto nunca perderem a sua beleza e singularidade.(2)

 2- Cegonhas e Gado bovino que pastoreiam extensivamente 

Durante o mês de Outubro, em resultado de uma simulação realizada pelo GPS  percorri um caminho alternativo onde o alcatrão aparecia espontaneamente. Tenho a perfeita noção da dureza daquele troço de poucos quilómetros que pareciam uma eternidade. (ver imagem 3 percurso verde). A primeira viagem coincidiu com uma tenebrosa manhã de nevoeiro onde observei um coelho que insistiu em permanecer no meio da estrada ignorando por completo a presença de um veículo estranho por aquelas paragens. Vi-me na consequente necessidade de tornear por momentos a minha rota para não contrapor a rotina matinal de um corpo, onde afinal, eu é que era estranho.
Após as primeiras semanas observei a existência de um caminho mais longo, mas sem dúvida mais confortável e rápido (ver mapa percurso a vermelho).(3)

3- O trajecto Ourique- Sabóia

Durante o percurso os povoados apareciam espaçadamente, sendo necessário calcorrear vários quilómetros para observar pessoas, ou usufruir de rede de telemóvel.
A beleza do percurso dependia da disposição que me acolhera no momento, no entanto, haviam sempre coisas novas que se observavam a cada passagem, tais como o transbordar dos ribeiros durante o Inveno, a diversidade de castanhos do Outono, o florir da Primavera e o amarelecer do Verão Todas estas vicissitudes tornavam cada viagem diferente.
No percurso de Ourique para Sabóia as particularidades de cada local foram crescendo à medida que fui tendo um maior conhecimento dos dispersos povoados:
Saindo de Ourique a chegada a São Martinho das Amoreiras, simbolizava o primeiro contacto com um Alentejo, abandonado, menos conhecido, onde a ligação com Portimão os aproxima da cidade mais próxima, que em muitos casos se contrapõe a Beja, sede de distrito que dista a cerca de hora e meia, percorrida em estradas que por vezes não apresentam as melhores condições.(1)
A partir de São Martinho das Amoreiras a instabilidade do relevo propícia uma maior sinuosidade havendo um constante “subir e descer” que termina na povoação de Luzianes, localidade que nasceu e se expandiu devido à linha de caminho de ferro que foi construída em 1884 entre Amoreiras Gare e Sabóia.(4)

 4. Entrada de Luzianes

Passando Luzianes o caminho piora, as obras avolumam-se na ténue esperança de conter as vertentes abruptas que insistem em contrariar a vontade humana, impedindo a normal circulação automóvel.

Após cerca de 10kms chegamos a Santa Clara à Velha, uma aldeia que cresceu em torno do rio mira .Na década de 60 em pleno Estado Novo foi construída uma barragem com o intuito de controlar o caudal do rio que  transbordava durante o Inverno, propiciando ainda a implementação de uma agricultura de regadio.(5)

 5- Cheias do rio mira (anos 60)- Fonte Quaresma, António; Terras do Médio Mira: Notas Históricas, Odemira, 2011

Após Santa Clara à Velha prosseguimos cerca de 5 kms, chegamos finalmente a Sabóia. A viagem tem a duração de cerca de 50minutos, percorrendo uma distância de 45kms. Vicissitudes do interior do país.(6).
6. Sabóia em 1940, um povoado que não dista muito da realidade. Fonte Quaresma, António; Terras do Médio Mira: Notas Históricas, Odemira, 2011.