sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Dia da Floresta Autóctone e a rota das Faias


Muito se fala sobre a inclusão de espécies não autóctones como o eucalipto, a acácia e o pinheiro bravo que acabaram por impedir a proliferação daquelas que sempre lá existiram, como o carvalho ou o medronho.  Sobre este tema por não ter conhecimentos, não vou fazer qualquer comentário, preferindo abordar a forma como o Escola Básica e Secundária de Manteigas celebrou este dia.





Para a celebração deste dia a Câmara Municipal de Manteigas, contou com o contributo Escola Básica e Secundária, que canalizou para esta atividade as turmas do 7º e 8º ano de escolaridade. A iniciativa constou na plantação de medronheiros num terreno baldio da Junta de Freguesia de Manteigas. Considero que para a celebração deste dia, o contacto com a natureza é fundamental, sendo muito importante que os alunos percebam o significado de plantar para mais tarde colher. A iniciativa foi um êxito, tendo os alunos demonstrado empenho na sua realização.





Na viagem de regresso para a vila de Manteigas procedemos à realização da rota das faias, que por serem espécies de folha caduca no Outono dão um brilho especial à paisagem. As faias não sendo uma espécie autóctone em Portugal, é uma das espécies arbóreas mais interessantes das florestas europeias, do ponto de vista ecológico e económico. É um dos quatro pilares do ano solar Celta.




Ao longo do percurso passamos por um conjuntos casas abandonados que outrora eram habitadas por agricultores que povoavam as encostas.


A Igreja de São Lourenço foi antes da chegada do cristianismo uma zona adorada pelos deuses  daí o grande número de carvalhos que existia à sua volta, sendo-lhe atribuída a designação de "Bosquete de carvalhos  monumentais".


Nesta zona, caso as condições atmosféricas o permitam é possível observar a localidade de Sameiro ou a Serra de Gata já na Estremadura Espanhola.


Segundo reza a lenda o imperador de Roma questionou São Lourenço sobre as riquezas que esta região tinha ao que este respondeu, “Caro imperador a nossa principal riqueza são os nossos fies”. O imperador ficou irado, pois pensava que havia uma qualquer riqueza material e por isso castigou-o, condenando-o à morte, queimando-o. São Lourenço mesmo aquando da sua morte queimado, não perdeu a sua boa disposição dizendo a quem o matava, "deste lado já estou bem assado, pode-me virar para o outro". Devido a esta história a figura de São Lourenço é conhecida por estar a segurar numa grelha.

A zona junto a esta igreja de São Lourenço todos os anos em Agosto recebe uma festa que junta centenas de pessoas.



O posto de vigia de São Lourenço é usado essencialmente no verão, época de maior calor quando o risco de incêndio é mais elevado. Este posto de vigia dada a sua excelente visibilidade tem um papel fundamental na preservação da fauna e flora locais.


As pseudotsugas são resinosa que foram introduzidas nesta região no início do século XX tendo por isso já um porte considerável como demonstra a foto 3. Estas árvores têm características muito específicas, pois aquando da sua plantação as suas sementes foram criteriosamente selecionadas para que os seus troncos tivessem um formato retilíneo. A industria do mobiliário valoriza muito este tipo de árvores, sendo portanto esta uma zona conhecida como o “sementão”, pois as suas sementes são aproveitadas para a plantação noutras áreas do país.


Por outro lado estas árvores têm um papel muito especial, pois devido à sua altura impedem que a água das chuvas caia diretamente no solo,purificando-a. Em consequência da grande inclinação das vertentes esta árvores permitem a infiltração da água nos solo e a  alimentação dos inúmeros aquíferos que existem nesta região. .


A fase seguinte do percurso é a parte mais bonita, a visualização das faias. A altura melhor do ano para observar as faias é o final do mês de Outubro, quando as folhas ainda se encontram nas árvores, o que não aconteceu aquando desta visita, onde grande parte das árvores já estavam sem folhas. Quero realçar a importância do grande manto de folhas que cobre o solo, que tem um papel muito importante na sua fertilização.



Os socalcos são uma constante ao longo do percurso, o que demonstra a luta que o homem manteve com a natureza durante décadas com o intuito de ter um modo de subsistência, a agricultura.


A chegada à vila de Manteigas correspondeu ao final de um dia diferente. Obrigado ao Engenheiro Florestal da Câmara Municipal de Manteigas, assim como ao Presidente da Junta de Freguesia de Manteigas que nos acompanharam na caminhada e com os quais podemos aprender um pouco mais sobre a rota das faias.

sábado, 17 de novembro de 2018

A função de pai e mãe


Salvo erro em Novembro de 2011 quando estava no Colégio Santo André na Venda do Pinheiro lembro-me perfeitamente de um testemunho de uma criança. Na altura interpelei-a sobre a alegria do reencontro com os pais ao fim do dia ao qual esta me respondeu com um olhar vazio, dizendo-me que os pais no final do dia de trabalho continuavam focados nos ecrãs dos smartfones, tablets ou portáteis em detrimento de darem atenção ao filho. Esse momento fez-me refletir e pensar na importância crescente da escola, perante os seus educandos e na ausência dos pais.

Há distância de sete anos e já no papel de pai percebo melhor a história que me foi contada por aquela criança, pretendendo que a mesma não seja contada pelo meu filho daqui a uns anos. O papel de pai é fantástico, no entanto aufere uma responsabilidade muito singular que infelizmente nem todos são capazes. Eu não me considero um pai perfeito, pois acho que ninguém o será, no entanto quando estou com ele, o tempo por mais pequeno que seja tem de ser apenas para ele.

Feliz ou Infelizmente, o nosso filho, tem os seus pais professores contratados que nem sempre estão presentes, tendo horários muito voláteis, onde são obrigados por vezes a sair muito cedo de casa e chegar ao fim da tarde. Muitas vezes é necessário um grande jogo de cintura de forma a conseguir dar a atenção desejada a uma criança que não tem culpa nenhuma.  Felizmente podemos dizer com uma grande sensação de conforto de responsabilidade, que temos a sorte de ter um grande suporte familiar.

Sobre tudo o que foi dito, gostaria de relatar duas histórias de colegas com filhos comentadas ocasionalmente na sala de professores:
A primeira história é de uma mãe com um filho adolescente que lhe pediu ajuda para os trabalhos da escola. Esta cansada depois de um dia de trabalho e com dezenas de quilómetros percorrido respondeu-lhe, depois de jantar tratamos disso. Esta fez o jantar e tratou dos afazeres domésticos, e já perto das 21:00 disse ao filho para trazer os livros da escola. Em conjunto com o seu filho esta mãe e professora ajudou-o dando-lhe a atenção que ele merecia. Perto das 22:30 disse-lhe, está na hora de ir para a cama visto amanhã teres que acordar cedo. Às 23:00 a professora pegou finalmente nas aulas que teria de lecionar no dia seguinte, ao qual dedicou cerca de 2h30 deitando-se quando já passava da 1h da manhã. Ao outro dia às 7h30 teria de se fazer à estrada para mais um dia de trabalho.

A segunda história fala de um professor que estava a fazer uma formação elarning. Este tem dois filhos gémeos e viu-se na obrigação de pedir  para lhe alterarem o horário dos fóruns para as 22:00, quando este tinham sido definidos para as 19:00. Entre as 19;00 e as 22:00 eram momentos que ele dedicava apenas aos filhos não abdicando desse tempo para outra qualquer tarefa.

Com o meu testemunho e de dois colegas professores queria deixar um alertar a todos o pais. Diariamente apercebo-me de situações que me fazem doer o coração. A vida por vezes dá voltas, e não é possível prever determinadas coisas, no entanto quando decidirem ter um filho coloquem-no a no centro de tudo e dêem-lhe o Amor e à Atenção que ele merece.

sábado, 10 de novembro de 2018

Desabafos de um professor


A vida de um professor não é mesmo nada fácil, é preciso gostar verdadeiramente para termos estofo para aguentar com as burocracias do Ministério da Educação, alunos e turmas indisciplinadas, com metas para atingir num universo muito diferente, cognitivamente falando.

Por outro lado, e talvez para mim o mais doloroso, as viagens. Foi uma opção tendo por isso que me sujeitar às suas consequências, no entanto não entendo que o Ministério da Educação não auxilie monetariamente como faz com os deputados, os professores que se encontrem deslocados do seu local de residência.

Executar de forma competente uma profissão depende de vários fatores, como o gosto por aquilo que se faz, ou as condições que nos são dadas para executarmos a nossa profissão. As escolas nos dias que correm, têm dificuldades em colocar professores. O que eu propunha às entidades é que fossem ao fundo da questão e percebessem, o porquê. Porquê que a profissão de professor é cada vez menos escolhida pelos jovens.

Eu na escola sinto um cansaço generalizado do corpo docente. As razões são várias: cortes nos salários, congelamento das carreiras, ou o aumento da idade da reforma. Ser reconhecido por aquilo que fazemos é algo que nos motiva e nos faz dar mais de nós em prol da nossa profissão. O que tem acontecido é precisamente o oposto Em consequência da forma como temos sido tratados a maior parte dos professores faz o mínimo (na minha opinião bem), isto é dá aulas, vão às reuniões e não dão mais do seu tempo à escola nem aos alunos. Quem perde, todos na minha opinião.

Ir ao fundo da questão na minha opinião é fundamental, perceber o que é preciso para nos sentirmos bem num local. Estabilidade e renovação do corpo docente na minha opinião é essencial para a melhoria da Educação em Portugal. Fazer um estudo sobre as maiores necessidades docente por Quadro de Zona Pedagógica (QZP) e criar estratégias para a colocação de professores, com contratos superiores a 1 ano, serão para mim boas soluções. Sei que é difícil agradar a todos e a proximidade ao local de residência não é fácil, no entanto é preciso criar mecanismos para que um professor possa ter mais valias por se encontrar distante do seu lugar de residência. A disponibilidade de residências a um preço mais acessível ou a criação de um subsidio que auxilie nas deslocações poderão ser estratégias a tomar pelo Ministério da Educação, pelas escolas ou pelos Municípios  para tornar o corpo docente mais concordante com quem lhes paga.

Haveria mais coisas a dizer. Como professor acredito num futuro melhor, no entanto é preciso que cada um não reme para o seu lado, sem haver muitas discrepâncias, pois o Futuro do país depende da Educação e vice-versa.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A recompensa

Todos os domingos, depois da missa matinal, os garotos lá da aldeia juntavam-se no clube para jogar matraquilhos e roubar um beijo às gaiatas. Ricardo, porém, raramente brincava com os seus colegas e, cerca de uma hora antes de amanhecer, partia com o pai na icónica 4L castanha, em direcção ao rio Mondego.
Naquele tempo, já lá vão mais de 30 anos, o pimpão vermelho inundava as águas ainda límpidas e os pescadores ansiavam por chegar a casa com o balde cheio de barbatanas-vermelhas para reclamar junto das patroas o suculento molho de escabeche. Esse manjar dos deuses, que os beirões de outros tempos conheciam como ninguém.
Ricardo fez-se poeta junto às margens do Mondego, para onde fora arrastado, tantas vezes quase a dormir, durante anos a fio. Aqueles que já assistiram ao nascer do sol, sentados ao lado das águas serpenteantes, dificilmente poderão esquecer esses momentos sagrados. À medida que o negro da madrugada se dissipa, o rio assume a forma de uma envergonhada noiva que, lentamente, vai despindo o véu, até desnudar a cara. O frio gela-nos o sangue, mas o silêncio é tão profundo que a eternidade parece revelar-se mesmo ali à nossa frente. Então, encobertos por uma espécie de cápsula do tempo, tornamo-nos imunes a quase todas as tragédias.
O pescador – diz a gíria popular – é, habitualmente, um efabulador (repare-se que não digo mentiroso):
“– Ontem, apanhei um achigã com 20 kg!” – e os companheiros, sabedores das manhas da faina, lá relativizam os números, enquanto os mais desprevenidos ficam de queixo caído, pensando num tal enigmático monstro das águas subterrâneas Porém, o pescador é também, vulgarmente, um dos mais introspectivos seres que poderemos encontrar à face da Terra. Verdadeiro filósofo, atrever-me-ia mesmo a concluir.
Para compreender Ricardo era forçoso tomar em consideração as intermináveis horas que este passara junto ao rio, a ouvir o seu silêncio corrente. Verdade seja dita que ele nunca foi um grande pescador. Distraído como era, raramente pressentia a bóia a afundar-se nas águas profundas e, por isso, quando, finalmente, despertava para a realidade já o peixe comera as iscas colocadas no anzol: bichos das mais variadas espécies, trigo, milho, massa ou até, imagine-se, pão, cuidadosamente repartido em pequenas bolinhas. É certo que o pai bem tentava dar-lhe uns carolos, para ver se o acordava para a realidade, mas o raio do rapaz raramente conseguia concentrar-se na pescaria. Poucos minutos depois de ter a cana na mão, já a sua cabeça viajava para outros continentes e planetas longínquos, sendo quase impossível trazê-lo de volta.
Era, precisamente, no momento do regresso a casa que Ricardo mais sentia o abismo que o separava dos seus pares. Os outros transportavam os baldes repletos de peixe, enquanto Ricardo raramente se estreava. Nesses instantes em que todos comparavam os troféus, o pai castigava-o severamente, humilhando-o em frente aos colegas. E nada lhe doía mais do que aquelas terríveis palavras, para sempre inscritas na alma:
“– Não vales nada. Todos tiram peixes, menos tu. Olha para esse balde… vazio como a tua cabeça”.
Fruto das suas circunstâncias, Ricardo passou então a tornar-se um menino cada vez mais triste e solitário. Tão triste e solitário que, por vezes, apenas o rio lhe servia de consolo. E foi muitas vezes ao rio que ele confiou a sua história e o terrível drama em ser tão distraído e diferente.
O menino não sabia (como poderia imaginá-lo?), mas era um poeta e um aprendiz de filósofo. Interessado em tudo o que o rodeava, imaginava-se a cavalgar em cima das nuvens, convocava todos os seres das profundezas do rio e quando menos se precatava já estava a léguas e léguas de distância, confiando ao infinito as mais surpreendentes perguntas.
Um dia, já lá vão mais de 30 anos, Ricardo chegou ao Mondego ainda mais triste do que o habitual. A sua mãe acabara de falecer e um vazio profundo apoderara-se-lhe do espírito. Por isso, naquela madrugada, ao contrário do que sucedia nos outros dias, Ricardo abandonou a cana junto às margens, em cima de um salgueiro, e sentou-se a contemplar silenciosamente o vazio das águas. As lágrimas escorriam-lhe pela face, caindo nas mãos e alagando-as torrencialmente. Sozinho, afastado dos demais, o menino confundia-se de tal modo com a paisagem, que até os guarda-rios se aproximavam dele e as distraídas rãs vinham aninhar-se a seu lado, a coaxar demoradamente.
Naquele dia, foi apenas a poucos instantes do regresso que Ricardo decidiu colocar uma minhoca no anzol e atirar a linha para a água. Contudo, assim que o fez, a bóia deu um violento tropeção, afundando-se imediatamente nas profundezas. De imediato, Ricardo imprimiu um pequeno esticão na cana e começou a recuperar lentamente a linha. Depois, quando o peixe estava mesmo a chegar à beira, o menino levantou o braço. Sem compreender muito bem como, viu então um enorme barbo, de longos bigodes e boca profundamente escancarada, a saltitar no chão. De cá para lá, de lá para cá… enquanto o tempo parecia ter parado.
Ricardo olhou demoradamente o majestoso peixe e sorriu. Do outro lado, chegavam, entretanto, os primeiros vultos espantados com o tamanho de tal gigante a estrebuchar em terra. Foi a primeira vez que o menino conheceu o orgulho de ter alcançado algo admirável.

Há muitos anos, alguém me disse que o rio ouve sempre o que lhe segredamos. Por vezes, sempre em silêncio, sacrifica mesmo alguns dos seus filhos para recompensar com um sorriso os que mais sofrem, apesar de nunca termos aprendido a respeitá-lo.
Vale sempre a pena regressar às margens do rio da nossa infância para escutar a voz que nos habita nas mais recônditas profundezas da alma… Afinal, são esses locais sagrados – autênticos santuários – que ainda nos podem salvar, não só enquanto indivíduos, mas enquanto Humanidade.

Mondego
Águas da meninice
Vinde agora ouvir-me,
Afinal, tudo o que já disse
Foi este rio a contar-me…
Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)