sexta-feira, 21 de maio de 2021

História do Corinde e do Torcaz

Noite após noite e sempre que estou com o Duarte vou reinventando as múltiplas histórias que leio nos livros infantis.

A primeira vez que consegui adormecer o Duarte através narração de uma história, aconteceu apenas em agosto do ano passado quando estávamos no Luso. Nesse dia uns instantes após o almoço o Duarte abriu o estojo da mãe e encontrou lá um objeto que desconhecia um X ATO aberto. O Duarte de forma instintiva pegou na parte cortante e fechou a mão. Ele não se assustou, talvez por não se aperceber o que tinha acontecido. Quando chegou à cozinha,  abriu a mão e nós ficámos muito assutados pois ele não conseguiu explicar a origem do sangue. Já não me recordo se o Duarte chorou mas penso que não, neste caso a aflição foi apenas nossa. Felizmente ele não fez muita força quando apertou a mão e o golpe foi pequeno, ficou o alerta para nós.

Após realizarmos os curativos dissemos para ele segurar um  pouco de algodão e fechar a mão. Ele estava com sono e decidimos deitá-lo um pouco no sofá. Nessa altura adormecê-lo durante a tarde já era uma tarefa hercúlea. Eu decidi fazer uma coisa que adoro fazer sempre que vou ao Luso, ler as histórias da avozinha escritas há mais de quarenta anos, uma coleção de 7 ou 8 livros que o meu sogro tem.

Naquela tarde decidi abrir um dos livros que compõem a coleção e contei-lhe a história do Corinde e do Torcaz. Foi a primeira vez que li aquela história e dado a extensão e complexidade do texto limitei-me a ver as imagens e a narrar a minha história através das imagens  

Passado alguns meses já li a história varias vezes, mas devido às múltiplas alterações que já lhe fiz não consigo contar a história original,  no entanto conto a minha história com base no contexto expresso no livro.

O Corinde e o Torcaz 

"Há muito séculos atrás uma aldeia estava em festa e decidiu convidar os habitantes mais abastados das aldeias vizinhas para comer, beber e divertirem-se. Para a parte da diversão decidiram convidar dois cavaleiros para lutarem a cavalo, O Corinde e o Torcaz. 

O Corinde tinha um  bom coração e apesar de ser um valente cavaleiro não gostava muito de intrigas e conflitos, enquanto que o Torcaz era mais conflituoso estava sempre em lutas e brigas.  Ambos aceitaram o convite para a batalha que estava marcada para a tarde de um dia de primavera. há muito séculos atrás.

Ambos subiram ao cavalo com um pau enorme, era assim que se começavam as lutas nessa época. O Torcaz mais agressivo na fase inicial conseguiu deitar o Corinde ao chão através de uma forte pancada no peito. Nesse tempo usavam grande fatos de ferro que vestiam por cima da sua roupa e muitas vezes o peso da vestimenta era muito elevado, no entanto nesta altura os homens tinham muito mais força que hoje. Outros tempos.

Após o Torcaz ter deitado ao chão o Corinde a luta passou a ser realizada no chão através das espadas que tinham à cintura. No chão, com a espada o Corinde teve uma destreza maior   e apesar da maior agressividade do Torcaz este acabou por sair derrotado.

Após a luta ambos guerreiros tinham direito a um jantar, no entanto o Torcaz acabou por não aceitar e foi para casa cabisbaixo e enraivecido.

Passado umas semanas o Corinde foi dar um passeio a cavalo com os seus cães nas montanhas que envolviam a sua aldeia. Quando chegou ao cimo da encosta observou que no sopé da montanha  a aldeia dos mouros estava a ser atacada e observava já algumas casas em chamas.  O Corinde ficou apreensivo e decidiu soprar num objeto comprido que trazia sempre consigo que expelia um som alto e forte do conhecimento dos habitantes da sua aldeia. que chegaram poucos instantes depois.  

O Corinde e os amigos desceram a encosta em direção à aleia dos mouros que estava a ser atacada. Quando se aproximaram viram que as tropas do Torcaz estavam a tentar conquistar a aldeia dos mouros de forma a alargar o seu território No entanto a batalha não estava as correr nada bem ao Torcaz. O Corinde e os amigos decidiram salvar o Torcaz e dar entender aos mouros da rendição das suas tropas,

Acabaram por levar o Torcaz e alguns dos seus homens para a sua aldeia e trataram deles antes de estes regressarem a casa.

O Torcaz quando já encontrava restabelecido veio ter com o Corinde e agradecer-lhe o gesto que ele teve para com ele e disse-lhe que tinha aprendido a lição e que daí em diante nunca mais se  iria meter em conflitos."

Naquela tarde de agosto de 2020 não precisei de contar a história toda ao Duarte, pois ele passado alguns minutos adormeceu agarrado ao algodão que a mãe lhe tinha dado.

Ontem chegou a  encomenda de mais dois livros infantis da Boutique da Cultura: A flor mais alta do mundo" de José Saramago  e  "A girafa que comia estrelas" de José Eduardo Agualusa.

Aquando da receção da encomenda observei que me tinham enviado um bilhete personalizado desejando-me boas leituras. Um gesto simples que eu dei um grande valor por não ser um gesto vulgar. Para mim foi como se fosse um autografo.


No dia 2 de Abril de 2020 escrevi a minha primeira e única história Infantil. " A História do Moliço"
Quem não leu diga-me o que achou.

Termino o texto com uma mensagem de José Saramago no livro " A maior flor do mundo":
"E se as histórias para crianças passassem a ser obrigatórias para adultos?
Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar"  

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Pela primeira vez senti-me bem em Mirandela

Hoje passado mais de uma década após a Cecília ter estado na escola profissional de desenvolvimento rural de Mirandela, percebo a expressão dela aquando da observação do fogo de artificio numa festa local, "pela primeira vez senti-me bem em Mirandela".

Hoje eu na escola profissional de desenvolvimento rural de Grândola, ainda não posso dizer que houve um momento que me sentisse feliz. Talvez esteja a exagerar mas seguramente não foram muitos e sem dúvida não houve qualquer momento que sentisse o coração cheio.

A vida de professor não é fácil. Ao longo dos anos aprendi a gostar da profissão e como qualquer pessoa gosta de ver o seu trabalho reconhecido.

Desde o reingresso na profissão há quatro anos tenho sentido um distanciamento maior entre professor e o aluno. Os alunos vêm cada vez mais o professor como alguém distante e quando nos despedimos no final do ano letivo a despedida é fria, trespassando a ideia que fomos apenas mais um professor. 

Hoje aquando da ida bar da escola para comer uma sandes, falei uns minutos com a funcionária e enquanto conversávamos  veio um senhor que pediu um café. Observei que ele estava a tirar moedas e por isso deduzi que não tinha o cartão da escola. Ofereci-me de forma espontânea para lhe pagar o café ao que ele assentiu e agradeceu. Acabámos por trocar dois dedos de conversa que passo a citar:

Senhor: Você é professor cá na escola 

Eu: Sim fui colocado no início do ano letivo 

Senhor: Sabe eu trabalho na escola mas na parte agrícola, venho cá poucas vezes a acima. Eu tenho duas filhas a estudar nesta escola.

Eu acabei por ficar um pouco receoso dada a pouca empatia que os alunos têm por mim. 

Senhor: Que disciplinas leciona?

Eu referi que lecionava Área de Integração (AI), Geografia e Ambiente e Desenvolvimento Rural (ADR)

O senhor  disse o nome de ambas as filhas e indicou que  uma estudava  no décimo e a outra no décimo primeiro do curso de Turismo e Ambiente e Rural.

Suspirei um pouco de alívio pois as alunas são adoráveis e eu tenho um enorme respeito e empatia por elas. Ao contrário da grande maioria são alunas muito aplicadas. Acabei por elogiá-las, pois não tinha qualquer razão para dizer o contrário.

Após os meus elogios o senhor disse:

Eu: A mais velha fala muito e gosta muito de si.

Eu não sou daquelas pessoas que gosta muito de estar sempre a ser elogiado mas pontualmente quando acontece, sabe bem. Pela forma como ele se expressou penso que foi sincero. No entanto mesmo que não tenha sido eu acreditei que sim.

Após aquele momento, pude pensar que o dia estava ganho.