quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Digestões laboriosas

Depois do banquete de austeridade organizado pelos nossos incumbentes e degustado pelos famintos comentadores, confesso-me de pança cheia, a precisar de algo para a azia.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Profecias

Há uma fenómeno que me intriga particularmente: o das profecias auto-realizadoras, ou seja, quando uma previsão se torna realidade por acção do «profeta».
Questiono-me se os problemas com a dívida pública portuguesa, agravados com os sucessivos aumentos de juros decretados pelos «naturalíssmos» mercados, não se poderão inscrever neste rol de profecias.
Quando (e se) Portugal entrar em incumprimento (o célebre «default» de que os loquazes de economês fluente tanto falam, mesmo os de língua portuguesa) tal não se deverá, precisamente, não a um descalabro provocado por uma evolução económica negativa catastrófica (que não temos), mas antes a uma canga acrescida pelos juros inflacionados por quem teme o dito... default?

A economia pouco ou nada tem de natural, de «deus ex machina». É uma construção social. Mas nada disto importa...

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Coisas dos Tempos que Correm

Após uma inadmissível penumbra na minha participação neste projecto superiormente mantido pelo Tiago, eis que agora regresso à escrita. Com impressões dos dias, da espuma dos dias e das questões que mais nos afectam.
1) A União Europeia é uma sombra da sua retórica. Sarkozy não se deixa ficar atrás de um certo político italiano que o pudor me impede de recordar e, vai daí, expulsa estrangeiros, preferencialmente membros de uma comunidade específica: ciganos, é verdade. Dizendo isto, adianto desde já que não entro numa certa lamechice afectada de defesa intransigente dos ciganos. Como a muita gente, incomodam-me os hábitos marginais voluntários etnicamente «justificados», uma inaceitável violação de direitos dos membros da própria comunidade (casamentos forçados, endogamia imposta, impedimento de se ir à escola, etc.) e presunção de que podem estar algures apenas com as regras que ditam para si (e para os outros, por arrastamento, sempre que há contacto intercultural). Daí que as opções de tipo comunitarista sejam essencialmente erradas e potenciadoras da marginalização das próprias minorias, não fomentando uma efectiva integração multicultural sustentada na ideia imprescindível da universalidade de direitos. O que quer dizer que se um cigano cometer um crime deve ser punido pela lei geral e não por uma lei particular, o mesmo sucedendo a um não-cigano.
Dito isto, importa agora perceber que apesar de a Roménia ainda não estar plenamente integrada no espaço Schengen, esta expulsão selectiva colide com os princípios do projecto europeu e agride a memória colectiva, num continente que também foi de totalitarismos, de pogrons e do racismo como política de Estado. De genocídios e de fanatismos vários. Não são estes os valores que animaram os propósitos europeístas.
Quer o exposto dizer que os problemas reconhecidos às comunidades ciganas têm de ser solucionados sem estes impulsos populistas em que Sarkozy se notabilizou. Como? Sinceramente, não sei, mas não me agrada esta abordagem evocativa de práticas passadas. Até porque uma vez aberta a Caixa de Pandora...
2) O Requiem pelo neoliberalismo foi manifestamente precipitado. No início da crise financeira-económica-social os intelectuais, políticos e cidadãos de esquerda julgaram estar a reviver o início de uma nova fase (tal como após 1929) pautada por mais apertadas regulações económicas e financeiras, por um regresso necessário do social e do Estado, enfim, por uma ordem internacional economicamente domesticada. Dito de outra forma, pela domação da globalização e pelo ocaso do neoliberalismo. A esperança era, como é, justificada, nomeadamente pelos efeitos devastadores da crise, pelas fraudes imensas a coberto da mão-(in)visível e do mito da auto-regulação. Sobretudo, porque chegara Obama à presidência, bem mais keynesiano do que muitos sociais-democratas europeus e do que a monetarista União Europeia.
Quem duvida, hoje, que os tempos que vivemos mais do que um regresso ao paradigma social, reforçaram os mecanismos socialmente regressivos do neoliberalismo: controlo orçamental obsessivo; redução das prestações sociais quando elas são mais necssárias, multiplicação de fora de economistas neoclássicos nos medias para preparar as mentes no elogio da austeridade (assimétrica).
3) Uma avaliação dos ODM. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio pretendiam reduzir substancialmente a pobreza e melhorar os indicadores de saúde e educação das regiões mais pobres. Segundo as Nações Unidas, as acções no âmbito dos ODM evitaram a morte a várias centenas de milhões de pessoas. O esforço é de louvar, mas não será angustiante festejar? Os problemas do subdesenvolvimento aí estão para durar, zombando das metas dos ODM (o programa apontava para o ano de 2015). Já repararam como uma catástrofo natural mostra a fragilidade destas conquistas: as monções do Paquistão, as secas no Corno de África, o banditismo de Estados falhados (Somália), a ignorância/fanatismo religiosos no Darfur mostram-nos que a condição humana é coisa pouco apreciada em muitos lados...

domingo, 12 de setembro de 2010

O Professor Jerónimo Sanches Pinto

Na passada semana com a preciosa ajuda da minha namorada calcorreámos os meandros dos rios Alvoco e Alva, que escondem uma beleza asfixiante, apenas sentida quando se cheira, absorve os seus aromas e a cultura das suas gentes.
A visita começou em Avô, uma vila muito bonita, localizada junto às margens do rio Alva, estava frio e uma humidade intensa no ar. O início do périplo em Avô ocorreu devido a um dos temas a desenvolver na tese de mestrado ser a extracção de minério pelos romanos, sendo Avô um dos expoentes da passagem romana no concelho. O expoente máximo é sem dúvida a Bobadela, que nessa altura era equiparável a localidades como Aeminium (Coimbra) e Conimbriga (Condeixa).
Após questionarmos alguns transeuntes que passavam decidimos ir à junta de freguesia local, onde nos indicaram a casa do professor Jerónimo Sanches Pinto.
Chegados à casa do professor, tocámos levemente à campainha com receio de podermos importunar uma pessoa que nos foi dito já deter uma certa idade. O professor abriu-nos a porta e após termos explicado o fim da nossa visita expressou um sorriso sincero e humilde. Pediu-nos uns minutos aparecendo pouco depois com um conjunto de livros sobre a cultura e as gentes de Avô que ele citou com uma naturalidade e entusiasmo contagiantes. O diálogo prosseguiu com uma leveza não transparecida nos seus 91 anos de idade, sabe bem conversar com uma pessoa que dá valor à sua terra, onde criou raízes e conhece como ninguém. Aprecemo-nos da emoção que latejava da sua face à medida que soletrava poemas de Brás Garcia de Mascarenhas ou expunha o imenso trabalho que realizou em prol da valorização da sua freguesia.
Nestas alturas constato que no Mundo de hoje, já não há pessoas destas que se abrem de uma forma tão espontânea, sincera o seu coração e transparecem uma ligação de amor e valorização de um património que eles consideram seu. Devido à tristeza de observar que o seu trabalho não teve a continuidade desejada observou com uma alegria adicional a nossa visita.
Durante os momentos da conversa que enveredou por uma extensa diversidade de caminhos, questionámo-lo sobre a localização dos principais vestígios romanos, indicando-nos imediatamente a localização de duas calçadas romanas: uma com destino à Aldeia das Dez e outra a Foz de Arouce (freguesia do concelho da Lousã) e Aeminium (Coimbra). Denotámos no seu olhar e nas suas palavras a mágoa que devido à sua idade avançada, assim como a doença que exaspera a sua esposa, que infelizmente conduziu para uma cadeira de rodas e para a necessidade de uma atenção permanente, não nos poder mostrar pessoalmente a riqueza do património que subsiste na sua vila.
A viagem prosseguiu com o reconhecimento das duas calçadas romanas inferidas pelo professor onde lamentavelmente denotámos a inexistência de qualquer sinalização mais detalhada que pudesse transparecer a importância daquelas pedras lacrimejadas no solo possivelmente por escravos romanos para servir o seu poderoso império. A única indicação observada foi num dos troços o nome da rua designar-se “Estrada Romana”.
Nesta fase o céu começava a escurecer e os aguaceiros já encobriam a bonita Serra do Açor. Fomos almoçar a Aldeia das Dez onde apesar do frio e da chuva pudemos observar a bela paisagem circundante. É nestas alturas, que apetece que o tempo pare por momentos e nos deixe inspirar e contemplar a magnificente paisagem que nos rodeia.
Após o almoço deslocámo-nos para o cerne da minha tese de mestrado, o vale do rio Alvoco que vai desaguar no rio alva, na Ponte das Três Entradas, nascendo na Serra da Estrela junto a Alvoco da Serra. Deslocámo-nos em direcção a Vide local onde eu sabia da existência de conheiras, ou seja locais planos onde os romanos faziam outrora a lavagem do xisto e quarzito para uma posterior extracção do ouro. A observação dos conhais é ainda possível pois a área em causa não sofre a influência humana, sendo ainda possível observar os amontados de pedras deixados pelos romanos após procederem à sua lavagem.
Este é um local que eu terei que voltar futuramente, investigando-o com mais atenção e pormenor. Desta forma deixo o meu primeiro testemunho sobre a presença romana no vale do rio Alvoco e Alva que teve como personagem principal o professor Jerónimo.