sábado, 7 de março de 2020

Memórias de 2020 que me fizeram recordar 2016


Para se conseguir aguentar as agruras da vida sempre com um sorriso tem de se ter amor por aquilo que se faz, de outra forma trabalhar passa a ser um sacrifício e não um prazer o que é muito doloroso. Já passei pelos dois estados e é muito interessante perceber que mesmo com as opções menos felizes que tomamos aprendemos tanto.

Eu em 2016 tinha muitas dúvidas sobre o caminho a seguir, conhecer aquilo que de facto me faz feliz e realizado. Apercebi-me que esse ano foi o ano de viragem da minha vida sem dúvida. No Verão de 2016 estava desempregado e ligou-me uma amiga a perguntar-me se eu estava disponível para ser carteiro no giro da Vide(Seia), posso dizer hoje que é o mais difícil que havia naquele concelho. Assenti  ao convite no desespero de conseguir uma ocupação. Tive até ao mês de Julho à experiência e a partir de agosto entrei num empresa externa que trabalhava para os correios, pois aos CTT não compensava fazer aquele giro. Com a regressão do número de pessoas e de correspondência o número de carteiros decresceu naquela zona de 4 para 1. Para mim que estava a dar os primeiros passos foi uma entrada demolidora.



Lembro-me perfeitamente do clima frio que existia naquele Centro de Distribuição Postal (CDP) e da forma sobranceira que o chefe olhava para os seus empregados.
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Vou dar dois exemplos para explicar a forma fria com que trabalhava no CDP de Seia em 2016
O primeiro exemplo foi no dia 10 de Julho, dia em que Portugal conquistou o Euro 2016. Nesse dia tal como todos os outros apresentei-me ao trabalho às 7:30 fiz o cumprimento normal e não ouvi naqueles 45 minutos que passei a organizar as coisas para ir para a rua um único comentário à grande e inédita vitória de Portugal. Observei rostos fechados e um enorme peso na realização daquele trabalho.
O segundo exemplo,  foi um acidente que tive em trabalho quando me deslocava com o carro para fazer o meu serviço e embati frontalmente com o outro carro. Foi a primeira vez e espero que a única que tive um acidente deste género. Neste segundo exemplo, o embate foi duro apesar de ter tido a sorte de não ter ficado com sequelas físicas. Lembro-me que fui ao hospital e tive alta cerca de um par de horas depois e o meu chefe veio ter comigo e disse-me para ir trabalhar de tarde no meu carro e eu assenti. Durante a realização do giro alguns populares perguntaram-me se estava bem mas foi muito triste saber que havia um conhecimento geral sobre o que tinha acontecido e na Vide, os CTT que eu tinha que ir todos os dias, não haver uma palavra de conforto naquele dia particularmente difícil para mim.

Naqueles meses que estive a trabalhar para os CTT ultrapassei todas as adversidades com afinco, apesar de sentir que o meu trabalho não era minimamente reconhecido. Senti que a satisfação e gosto por aquilo que se fazia não contava para aquela gente que liderava os CTT de Seia, o que lhes interessava era que o trabalho aparecesse feito. A cada dia que passava senti um avolumar de queixas dos CTT e dos populares sobre o meu trabalho.

Eu apesar de todos os problemas que me deparei senti a enorme importância do carteiro para aquelas pessoas que vivem no extremo isolamento. Lembro-me que além de pagar reformas fazia inúmeros outros serviços como pagar água, luz, gás, Tv cabo, levantava receitas de farmácia etc.
Lembro-me que passei um verão tórrido e  sozinho calcorreava quilómetros de estrada em mau estado, muitas vezes terra batida. Não me cansei de dizer tudo o que me ia na alma e lembro-me perfeitamente de um dos representantes da junta da Vide me dizer que iria levar a discussão toda aquela problemática que o carteiro passava diariamente. Era de facto preciso fazer alguma coisa. Sinceramente penso que nada foi feito e que continua tudo na mesma com cada vez menos gente e cada vez mais abandonada. Deixei a profissão de carteiro no final de novembro após ter sido demitido.

Passados todos este anos, hoje decidi enveredar pelo profissão de professor e estou a leccionar na Pampilhosa da Serra, onde  muitas vezes passo junto das placas que nos indicam a direção a  seguir para  localidades onde trabalhei em 2016 e esboço um sorriso não sei se de satisfação se de desanimo por quem tem o azar de não poder sair daqueles lugares.

Esta semana um colega meu que faz o mesmo percurso para ir trabalhar como professor na escola da Pampilhosa da Serra despistou-se. Felizmente correu tudo bem e penso eu que não teve sequelas físicas preocupantes . Atualmente está uns dias em casa  a recuperar do choque que foi aquele acontecimento. No final desta semana quando falava com ele ao telefone lembrei-me imediatamente do tempo em que trabalhava nos CTT e que fui trabalhar no próprio dia em que  tive o acidente. Nós mais que ninguém temos que pensar em nós e se fosse hoje rejeitava ir trabalhar naquele dia e provavelmente nos restantes. 

3 comentários:

Renato Nunes disse...

Gostei muito do teu texto, Tiago Sousa. Obrigado pela partilha! Essas dificuldades, estou certo, também ajudaram a construir o Homem que hoje és - e isso reflecte-se no que escreves. Parabéns e continua a escrever. Abraço.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Maria de Fátima Brantuas disse...

Li o que escreveste e estou de acordo,só depois de passarmos por certas situações é que damos valor, neste caso a certas profissões, tão duras que são, e tu sentiste na pele.
Maria de Fátima Brantuas