quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Carta aberta assinada pelos professores de História e de Geografia

Tempos idos e agrestes sucumbem um país que deixou de acreditar nos seus governantes. Entre as diversas políticas que têm atormentado os portugueses, a Educação é sem dúvida, uma das suas machadadas mais fundas. A História e a Geografia, são dois exemplos claros das políticas erradas do actual governo, que em consequência da alegada necessidade de roubar, esquecem-se de parâmetros importantes como a qualidade e a formação dos nossos futuros cidadãos.

Em consequência da sua gravidade, reafirmo um assunto já referido pelo Sérgio no dia 29 de Novembro. Exponho novamente referindo a carta ao Ministro da Educação exposta  pelos professores de História e Geografia da Escola Secundária de Oliveira do Hospital, pois considero a situação grave, e necessita por isso ser referida com a expressiva que merece:

Exmo. Sr.

Ministro da Educação, Nuno Crato

Nós, professores de História e de Geografia da Escola Secundária com 3.º ciclo de Oliveira do Hospital, não podemos ignorar as informações — confusas e certamente enganadoras — que todos os dias nos chegam, por diversas vias, a propósito da reforma curricular do ensino básico que está a ser misteriosamente engendrada por V. Exa. numa lógica de «centralismo democrático».
Permita-nos confessar a V. Exa. que algumas dessas presumíveis medidas deixam-nos perplexos. Uma das que mais apreensão nos causou foi justamente a que augura o fim da História e da Geografia como disciplinas autónomas no 3.º ciclo do ensino básico.
Já compreendemos há muito tempo que a Europa neoliberal, tecnocrática e «pós-democrática» (para utilizar a expressão concetual do filósofo Jürgen Habermas) em que vivemos — aliás, tal como as sociedades dos estados autoritários ou totalitários de má memória, que ascenderam e colapsaram no século XX — está dominada pela técnica, as ciências aplicadas ou pelas ciências sociais ou «políticas» enquadradas numa ideologia à sua medida. E foi esta tendência que nos últimos anos conduziu à desvalorização progressiva (para não dizer desprezo) de certas ciências humanas nos currículos dos ensinos básico e secundário.
Pensamos, porém, que estas opções erráticas foram também responsáveis pela situação agónica a que chegámos — um país, uma Europa e um mundo em crise profunda e mesmo em vias de implodir: crise da economia, crise das finanças, crise da política, crise da cultura, crise da ética…
Acreditamos que é possível construir um Portugal, uma Europa e um mundo mais humanista e humanizado. E que o caminho para a refundação dessa pólis passa também, evidentemente, por desenhar uma nova reforma curricular orientada por desideratos cívicos e pedagógicos e não apenas por obscuros e redutores propósitos economicistas.
Uma reforma curricular que, entre outros desígnios, possa devolver a disciplinas e áreas do conhecimento como a História, a Geografia (e até a Filosofia) um maior protagonismo no âmbito dos currículos dos ensinos básico e secundário.
O estudo da disciplina de História permite interpretar o passado e o presente das sociedades humanas. Permite aos jovens conhecer a sua herança histórica e construir a sua identidade individual e coletiva. Permite questionar e rebater de forma argumentada o paradigma económico-social, político e cultural nacional e mundial contemporâneo. Desperta a consciência social dos cidadãos, desmistifica preconceitos e ajuda a lidar com as diferenças. Combate a alienada cultura de massas e o seu absentismo cívico. Contribui, em última análise, para a construção de um mundo mais democrático, solidário e multicultural.
O estudo da disciplina de Geografia permite interpretar as relações recíprocas estabelecidas entre os homens e a Terra. Permite aos jovens localizar e descrever os espaços naturais e humanos do nosso planeta, desenvolver ideias mais claras e fecundas sobre questões de preservação ambiental e de combate aos riscos provocados por fenómenos naturais e humanos. Permite conhecer os fenómenos geomorfológicos, hidrológicos, climáticos e padrões regionais e globais de vegetação, fauna e flora. Ajuda a construir ideias sustentadas e a desenvolver ações concretas sobre a ordenação territorial dos meios urbanos e rurais, bem como sobre a rentabilização racionalizada dos recursos humanos e naturais.
Escusado será dizer que apesar de estas duas ciências fundamentais necessitarem uma da outra, elas exigem diferentes critérios metodológicos/epistemológicos e rigorosas formações específicas que não podem ser desprezados. E este é o motivo elementar pelo qual os professores de História não estão habilitados a lecionar Geografia e os professores de Geografia não estão habilitados a lecionar História.
V. Exa. tem agora a última palavra, pois está na situação privilegiada de usar o poder político que lhe foi confiado para decidir o futuro das próximas gerações, que é como quem diz o futuro do país.
Decidir se, de facto, é «preciso centrar forças nos aspetos essenciais do ensino, ou seja, na formação científica de professores, no ensino das matérias básicas, na avaliação constante e na valorização do conhecimento […]» (Nuno Crato, O «Eduquês» em discurso direto, Gradiva, 2006, p. 116). Decidir se deve contribuir para formar «estudantes críticos» e não «ignorantes fala-barato» (Idem, p. 86). Decidir se deve realmente «dar mais atenção à História e à Geografia» (jornal Público, 31 de outubro de 2011, e Assembleia da República, 17 de novembro de 2011) e não assinar o atestado de óbito destas disciplinas. Enfim, decidir se deve ser coerente com as opções educativas defendidas pelo cidadão Nuno Crato e, afinal, honrar as afirmações proferidas pelo ministro da Educação Nuno Crato. Ou, pelo contrário: se deve fazer «tábua rasa» das suas convicções e declarações e «mandar para as urtigas» a sua honra e coerência.

Por nós, desejamos apenas que a História o absolva.

Subscrevemo-nos com os mais cordiais cumprimentos

Oliveira do Hospital, 21 de novembro de 2011

1 comentário:

Sérgio disse...

Pois é, Tiago. O conteúdo acertado sobre esta alarmante atitude de Crato revela que ainda há quem se importe. Que não andam só nas escolas entretidos com toscas banalidades que desmerecem a classe docente e que ocupam demasiado tempo de muita gente que reduz as questões da sua profissão a horários à medida da sua futilidade e que aceitam a redução continuada do seu perfil profissional de agente do conhecimento.
Seja como for, a triste realidade já nos atingiu certeiramente e resta seguir à distância, embora com pessimismo, esta e outras questões cada vez menos familiares. E cada vez com menos empenho...