terça-feira, 8 de setembro de 2020

Memórias de Tabuaço

O ano letivo 2019-20 foi muito difícil para mim. 

Com a colocação em Tabuaço consegui obter o horário completo anual que era aquilo que mais desejada, no entanto foi extremamente doloroso dar aulas em duas escolas (Pampilhosa da Serra e Tabuaço) tão distantes e morar geograficamente no meio destas duas localidades.

Sinceramente no início pensei que não iria conseguir, disse-o a muito pouca gente. As mensagens da família e o excelente acolhimento que recebi em Tabuaço fizeram-me acreditar que seria possível.

À medida que o nervosismo foi desvanecendo fui conhecendo melhor a localidade e as suas gentes. A procura de um quarto que servisse as minhas necessidades e me permitisse descansar uma noite em Tabuaço não foi fácil. 

Acabei por ficar  numa casa no sopé da vila, onde coabitei com o senhorio dono da casa. 

Aquele espaço onde pernoitava apenas uma noite por semana, a madrugada de terça feira foi muito importante para a minha integração. Não me esqueço daquela casa de banho com três sanitas e três chuveiros uns ao lado dos outros à semelhança do que acontece nos balneários. A expressão que o meu senhorio utilizou aquando da apresentação da casa foi surpreendente. "professor esta é uma casa a arder".

Logo na primeira noite que lá dormi percebi logo o intuito da expressão "Professor isto é uma casa a arder". Uma família grande e um grande número de amigos tornavam aquelas noites jantares em família ou somente de amigos. Nunca cheguei a perceber quem eram as pessoas, mas também não fiz por isso eu apenas as ouvia do quarto. Naquele período fez-me tão bem sentir a presença de pessoas, fez-me sentir menos sozinho.

A segunda feira era um dia particularmente complicado, pois tinha muitas aulas e concentradas essencialmente da parte da tarde. Eram dias que eu chegava a casa no sopé da vila de Tabuaço com a minha cabeça completamente destroçada. Cheguei a ir várias vezes ao Meu Super sem ter necessidade de lá ir apenas para desanuviar. 

Segunda feira jantava cedo, pois na maior parte dos casos era só aquecer e comer. Após o jantar apesar de por vezes as temperaturas estarem muito baixas nunca abdiquei de ir tomar café ao " Arcada" que ficava a escassos 300 metros de minha casa. Lembro-me da forma acolhedora como sempre fui recebido, de terem uma salamandra dentro do café, onde muitas vezes a filha brincava enquanto a mãe trabalhava. Vi e conversei com outros clientes do café que trabalhavam nas obras, ou na agricultura e se reuniam ali para conversar, beber cerveja ou um copo de vinho.

Após umas semanas percebi a importância daqueles dias para recuperar energia para dedicar mais tempo ao meu filho. Para o Duarte à semelhança do que está a acontecer agora eu nunca deixei de dormir em casa apenas chegava tarde e saia cedo.

Hoje em  Grândola, um pouco mais distante que Tabuaço de Oliveira do Hospital, o Duarte perguntou "o pai não vem", ao que a mãe retorqui "a escola é muito longe e demora muito a cá chegar" e ele concluiu "mas mãe eu estou preocupado" . Não sei quando ele vai perceber que eu não vou dormir a casa mas para já sabe bem ao Duarte ouvir a mãe ao outro dia de manhã dizer "O pai esteve cá mas chegou tarde e teve que sair muito cedo, ele deu-te um beijinho, deixou-te uns papeis para tu pintares e saiu".

Formas encontradas por nós para contornar a ausência.


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