27 de Maio de 1963, meio-dia e
trinta: falecia, no Hospital da CUF, de Lisboa, Aquilino Ribeiro, depois de 50
anos de intenso labor literário, que lhe permitiram revelar à luz do dia cerca
de 70 livros, 17 dos quais romances. E, importa sublinhá-lo, falamos de um
autor cujas publicações rondam uma média de 200 páginas por volume! Ademais, poderíamos
mencionar as incursões histórico-biográficas feitas pelo escritor, os artigos
de investigação literária, as memórias, as crónicas, os textos publicados em
jornais, entre outros trabalhos que a própria investigação ainda vai resgatando
do desconhecimento público.
Ora, no ano em que também se
completam os 100 anos da sua estreia literária (1913, Jardim das Tormentas) não resistimos à tentação de deixar aqui
algumas reflexões sobre o notável romancista beirão, que foi, diga-se desde já,
um dos poucos autores nacionais a dedicar-se, praticamente ao longo de toda a
vida, em regime de exclusividade às letras.
Nascido na freguesia do Carregal,
concelho de Sernancelhe, no dia 13 de Setembro de 1885, quando reinava em
Portugal D. Luís I, Aquilino Ribeiro viveu num período de encruzilhadas:
Monarquia, I República, Ditadura Militar e Estado Novo. Filho de um sacerdote,
ingressou no Seminário de Beja, foi expulso, rumou para Lisboa, sentiu-se
atraído pelos ideais republicanos e, inclusivamente, tomou contacto com os
regicidas (na obra Dossier Regicídio o
Processo Desaparecido, o professor de Filosofia Política da Universidade
Católica Mendo Castro Henriques acusa o autor beirão de ser um dos regicidas,
embora, segundo a nossa perspectiva, nunca apresente factos contundentes sobre
essa ilação, sustentada apenas em indícios, que apesar de constituírem uma
importante base para futuras investigações não encerram definitivamente o
problema). Preso durante a Monarquia, detido durante a Ditadura Militar, evadiu-se
por duas vezes dos calabouços e lutou, de armas nas mãos, pelo restabelecimento
da República.
Já durante o Estado Novo
(1933-1974), Aquilino Ribeiro, pese embora o facto de ter sido durante vários
anos um dos (poucos) autores “intocáveis” e inclusivamente elogiado pelo
próprio António de Oliveira Salazar, viu, por exemplo, ser-lhe instaurado, em
1959, um processo-crime devido à publicação do seu romance Quando os Lobos Uivam, que, entretanto, foi proibido e retirado dos
escaparates.
Aquilino cultivou, como poucos, o
ideal humanista de conhecimento. Toda a sua obra transpira, afinal, o amor que
o autor do romance Terras do Demo (1919)
tinha pela vida, nas suas mais variadas e ínfimas formas. Por isso, deu voz aos
animais como dificilmente encontraremos paralelo na história da literatura
nacional. O paradigmático Romance da
Raposa (editado em 1924) e alguns contos da Arca de Noé – III Classe (1936) bem mereciam figurar na lista de textos
estudados nas Escolas…
Atento como poucos aos pormenores,
bebeu na Natureza grande parte da sua inspiração. O contacto com os clássicos,
o estudo afincado do latim, desde os seus tempos dos “Preparatórios” e do Seminário,
as vivências na Beira, as suas deambulações pela capital do início do século XX,
que então fervilhava em ideais revolucionários, bem como, inquestionavelmente,
a sua experiência de exilado político em Paris (ainda que de um modo
intermitente, entre 1908 e 1931 Aquilino esteve exilado por três vezes na
capital francesa) constituem factores determinantes para compreender o
(invulgar) domínio que o “Mestre” (como foi frequentemente apelidado) revelava
da língua materna.
Aquilino: um homem que viveu numa
época de encruzilhadas, mas também, conclusão da nossa responsabilidade, um
homem de charneira, que nos permite perceber que, se é bem verdade que as
épocas históricas são atravessadas por rupturas, não é menos verdade que também
podemos detectar continuidades... Pese embora o facto de continuar a ser um
autor pouco lido ou estudado (a começar nos bancos das Escolas ou das
Universidades), Aquilino revela-se fundamental para compreender uma parte
significativa da nossa História recente e, por conseguinte, o nosso próprio
presente…
Numa carta enviada a Vitorino Nemésio,
com a data de 25 de Abril de 1930, portanto quando decorria o seu III exílio, o
“Mestre” desabafa, em tom de presságio: “A verdade é que cada vez me convenço
mais que isso não é uma pátria, mas uma tripa. Com mágoa o penso e digo. Há uma
coisa que me enternece aí: a natureza e o camponês. No fundo, não fazem mais
que um: terra. Os poetas, os políticos, os literatos, na maioria, que
detestável cambada! […] Não auguro nada do futuro de Portugal e do final desta
tragicomédia”. (Cf. Jorge Reis – Aquilino
em Paris. 1.ª edição, Lisboa, Veja, 1988, p. 112).
Numa época em que, à semelhança do
passado, vemos os nossos jovens (quase sempre os melhores…) forçados a
abandonar o país, também por motivos políticos (a incompetência política de uma
parte significativa daqueles que nos governaram – governam – tinha de conduzir,
necessariamente, a este país sem futuro), pensamos que valerá a pena regressar
à obra aquiliniana. Além de constituir um tratamento profiláctico contra a
arrogância, será, por certo, um dos primeiros passos para começar a valorizar o
conteúdo, em detrimento da forma (uma batalha tão cara ao Neo-
-Realismo…).
-Realismo…).
Não imaginamos, de resto, outra
solução para os nossos problemas, além de mais trabalho, rigor e competência.
Um caminho que Aquilino perseguiu e eternizou na célebre máxima: “Alcança quem
não cansa”. Estaremos nós, verdadeiramente, predispostos a persegui-la?
Renato
Nunes
Sem comentários:
Enviar um comentário