segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

A minha família

Saudade é uma palavra não tem sinónimo em mais nenhuma língua.No ano 2020 essa palavra fez-se sentir de forma muito cruel. Não poder abraçar quem mais amamos por medo de lhe passar o maldito vírus, é duro.

Não tem sido fácil para mim perceber qual a decisão certa a tomar num determinado momento. Sem dúvida é o coração a falar de uma maneira diferente da razão.

Desde o tão polémico natal de 2020 que não estou à mesa com ninguém da minha família. Antes do Natal evitava ao máximo estar em casa dos meus pais por momentos que seja sem máscara. É uma mistura de sentimentos que me tornou aqueles momentos em famílias diferentes e sem a descontração habitual. 

A última vez que consegui estar descontraído em família foi nas férias de verão naquela semana na praia da Tocha, onde nos reunimos em pequenos grupos naquela casa da praia com um terraço onde ainda hoje sinto o palato daquele peixe grelhado e o sol quente daquela semana de agosto. 

A derradeira vez que chorei de alegria foi na primeira semana de agosto  após ter recebido a  notícia que ia ser tio, estávamos então na Figueira da Foz com os meus pais, avó, irmã, cunhado, Cecília e com o meu filho.

Tenho saudades das conversas com a minha irmã e o meu cunhado sem máscara, de discutir política com o meu tio ao domingo ou História com o meu pai.

Os meus pais têm sido incansáveis e admito que por vezes tenho  agido de forma demasiado apreensiva quando lhes faço uma visita, daí evitar lá ir. As deslocações para Grândola contribuíram para aliviar esses contactos e obrigado a focar-me apenas no trabalho.

Os meus pais desde o nascimento do Duarte, nunca nos negaram  o auxílio e foram essenciais na definição da nossa vida profissional. A minha mãe várias vezes acordou às 6h para estar às 6h30 em nossa casa, esperar que o Duarte acordasse para o levar à creche com mais horas de sono. Por várias noites o Duarte ficou a dormir em casa dos meus pais com pouco mais de um ano de vida.

 A minha mãe foi bafejada com uma reforma longa mas merecida em consequência de um  trabalho que começou aos 18 anos como professora em Chãs de Égua. Que história bonita que ela me contou sobre  a sua primeira escola em Chãs de Égua. Quando fui carteiro passava junto da antiga escola primária de Chãs de Égua, atualmente um centro de interpretação da arte rupestre e lembrava-me do ano longínquo de 1973 quando quando a minha mãe se foi apresentar como professora naquela localidade, localizada numa encosta da Serra do Açor no concelho de Arganil.

Em 1973 a minha mãe, ainda há muito pouco tempo tinha feito 18 anos, quando foi com o tio Renato que eu nunca tive a sorte de conhecer, com a sua esposa a minha tia Graça (irmã da minha avó), com o meu tio Vasco (irmão da minha mãe) então com 7 anos e a minha avó na época uma jovem com 38 anos . Os 5  foram no carro do meu tio Renato em direção a Chãs de Égua com o intuito de a minha mãe se apresentar na escola onde iria começar a exercer a profissão de professora do primeiro ciclo. 

 A estrada era de terra batida e as constantes dúvidas na direção a tomar levaram à necessidade de parar várias vezes para perguntar qual o melhor caminho a seguir. Em 1973 as aldeias serranas do concelho de Arganil eram habitadas por muita gente e não foi difícil encontrar quem os ajudasse. Após longos quilómetros a viagem terminou finalmente após uma descida muito íngreme num caminho de  terra batida. Após aquela viagem atribulada a minha avó comentou "filha vamos embora, não te quero a trabalhar neste lugar".

Aquando da chegada daqueles 5 estranhos, os locais perceberam que era a professora que por tanto ansiavam e foram de imediato tocar o sino para avisar da boa nova. Perguntaram se a professora seria a tia Graça  dada a juventude da minha mãe.

A minha avó, a minha mãe e o meu tio instalaram-se na "casa do professor" e preparam-se para uma fase muito difícil, ainda em ditadura sem água, nem luz e longe de casa. Foi em Chãs de Égua que o meu tio Vasco e irmão da minha mãe aprendeu a ler.

Ao domingo a minha avó acordava muito cedo (ainda de noite) e levava um tronco quente da lareira e usava-o para lhe alumiar o caminho que fazia todas as semanas para assistir à missa no Piódão, a localidade mais próxima.

Avançando pouco mais de uma década, recordo-me através das fotografias da minha primeira casa em Andorinha, local onde os meus pais estavam a lecionar na altura. Revejo a casa através das fotos, ficava perto da escola primária.  Andorinha pertence à freguesia de Travanca de Lagos (Oliveira do Hospital). Travanca de Lagos foi o local onde eu em meados da década de oitenta  e o meu filho Duarte em 2017 se batizaram na igreja matriz que jaz naquela localidade. Revejo as memórias do batizado do Duarte com saudade. O Duarte nessa altura tinha pouco mais de sete meses e começava a descobrir o mundo e o seu olhar de explorador já latejava naquele tempo. Observou a igreja e toda aquela ambiência preparada minuciosamente por Isilda, pertencente ao grupo de jovens, que afinou as vozes e os acordes das guitarras numa linda cerimónia plena de harmonia. Para mim foi bonito pela primeira vez ver a minha família e a da Cecília juntas, foi pena a minha madrinha não ter vindo mas foi maravilhoso rever os meus primos e tios da Costa da Caparica que vejo tão ténues vezes.

Em meados da década de oitenta a minha mãe já tinha alguns anos de experiência mas o meu pai mais novo três anos e com um ingresso na carreira mais tardio ainda estava a dar os primeiros passos na profissão docente. Desses tempos recordo-me da vivacidade dos meus pais que dinamizavam inúmeras atividades num terreiro que ficava na parte de trás da escola primária de Andorinha. Recordo-me que na altura eles organizaram uma feira medieval com um grande impacto na comunidade escolar. Posso estar enganado mas senti que nesse tempo havia mais tempo para conhecer o espaço e as gentes, valorizavam mais o professor e os   encontros entre colegas tinham uma alegria muito diferente de hoje. 

Os meus pais são uns lutadores e pilares essenciais no meu crescimento e agora do Duarte. A minha mãe apresenta sempre  um sorriso no seu semblante não expressando por vezes a dor em consequência do trabalho que a minha avós lhe tem dado nos últimos anos. Admiro-a muito por isso. A minha avó, hoje com 86 anos, perdeu a sua autonomia e ganhou medos após uma queda que a obrigou a ser operada à bacia. A partir desse dia nunca mais foi a mesma, pois além da confiança perdeu a vivacidade e a vontade de habitar a sua casa, dar  o almoço todos os dias úteis da semana ao meu tio Vasco (meu  primo) e ao seu filho Diogo.

O  meu pai com o seu enorme jeito para brincar e ensinar crianças sempre deu ao neto um carinho imenso que através das inúmeras e sempre muito cúmplices brincadeiras que os tornaram inseparáveis. As saudades que o Duarte tem dos avós Pedro e Paulita evidenciam o enorme amor que eles têm por ele. O  imenso jeito que o meu pai tem para contar histórias  "hipnotizaram-no" desde muito cedo o Duarte que as ouve atentamente e transmitiram-lhe um imenso gosto pela leitura que eu tento dar continuidade. A minha mãe  com imenso jeito para a pintura que aprimorou durante a reforma transportou para o Duarte outros ensinamentos como a capacidade de concentração. Sem dúvida são duas pessoas que tornaram o Duarte uma pessoa cheia de sorte.

Espero sinceramente que muito em breve tudo volte à normalidade e possamos novamente conviver  abraçar e beijar sem medo. Muita saúde para todos.

2 comentários:

Antenor Santos disse...

O mundo descrito neste texto, carregado de saudades da vivência em família tradicional e de um passado recente, parece-me perdido. Tento ser otimista, mas a minha idade não me dá muita margem para pensamentos positivos; os antigos e dedicados professores primários, que tantos sacrifícios fizeram para ensinar as primeiras letras, com espírito de autênticos missionários, foram esquecidos, sem qualquer valorização pelos responsáveis políticos de então. As famílias tradicionais, berços de educação tradicional, estão remetidas a alguns lugares inóspitos e abandonados neste jardim mal cuidado, plantado muito longe do mar. E, para piorar este estado de desgraça, a pandemia acaba por aumentar as dúvidas sobre um futuro risonho, sobretudo a médio prazo. Quando poderemos abraçar de novo os nossos familiares, sem medos e constrangimentos? Tive um sonho feliz: recuperação de saúde de familiares e confraternização de parentes desavindos; será um bom presságio? Oxalá que sim.

Tiago Sousa disse...

Antenor Santos.

Desculpe o atraso na resposta ao seu comentário que agradeço.
De facto não é fácil sermos otimistas nos tempos que correm onde o ódio e as opiniões divergentes acabam muitas vezes em violência.

O seu ensino primário na década de 70 e principalmente nas década anteriores foi de facto um ato heroico. Admiro quem tentou passar o conhecimento numa época em que o conhecimento era censurado.
Bem haja Antenor Santos.