O
escritor beirão Aquilino Ribeiro (1885-1963) publicou, durante a II Guerra
Mundial, um notável romance intitulado Volfrâmio,
inspirado na exploração do subsolo português pela Alemanha e pelos Ingleses, em
busca do volfrâmio, importante matéria-
-prima utilizada, por exemplo, para fortalecer as cápsulas das granadas e para conferir ao “aço uma maior resistência ao calor”: indispensável, portanto, “em máquinas como em armas” (António Louçã – Hitler e Salazar. Comércio em tempos de guerra, 1940-
-1944, ps. 8 e 43).
-prima utilizada, por exemplo, para fortalecer as cápsulas das granadas e para conferir ao “aço uma maior resistência ao calor”: indispensável, portanto, “em máquinas como em armas” (António Louçã – Hitler e Salazar. Comércio em tempos de guerra, 1940-
-1944, ps. 8 e 43).
No
livro em causa ficam bem evidentes as consequências dramáticas da ávida busca pelo
“ouro negro”: abandono e destruição dos campos agrícolas; desenvolvimento do
contrabando e da especulação; perseguição do lucro (pequenas “fortunas”), sem
olhar a meios, que logo depois se dissipava para dar a aparência de novo-rico.
Cobiça a sobrepor-se a todos os valores humanistas. Numa palavra: morte.
Consequências que, de resto, se estendem até aos dias de hoje, como bem sabem
os habitantes das zonas circundantes das minas, agora tantas vezes confiadas ao
abandono ou até mesmo convertidas em espaços museológicos. Isto para já não
falar, por exemplo, na proveniência do ouro utilizado pelos alemães para pagar
o volfrâmio português. Ouro esse tantas vezes espoliado aos judeus que
acabariam por ser mortos nos campos de concentração nazis…
Em
1958, o aludido romancista beirão editou outro notável romance intitulado Quando os lobos uivam, a respeito da
apropriação dos baldios pelo Estado Novo, tendo em vista a sua florestação
coerciva. Esta questão gerou vários confrontos entre as populações locais e os
Serviços Florestais, incumbidos de aplicar as medidas previstas pelo governo.
Ora,
os dois livros anteriormente referidos têm uma actualidade surpreendente, na
medida em que o Governo português tem vindo a permitir que diversas
multinacionais iniciem um conjunto de prospecções em território nacional, tendo
em vista a possível exploração do lítio (v.g.
Aviso n.º 6518/2019, publicado em Diário
da República, datado de 9/4). A área abrangida pelas prospecções – ainda
que neste momento mal conhecida – é extremamente significativa, integrando, por
exemplo, as Terras do Barroso (a norte), mas também uma vasta região do centro
do país.
Entre
outros aspectos, parece evidente que o recente desenvolvimento dos carros
eléctricos tem vindo a gerar uma maior necessidade de matéria-prima para a
produção de baterias. Daí esta desenfreada corrida ao lítio, apresentada por
alguns magnatas como uma oportunidade para o interior profundo de Portugal se
desenvolver e enriquecer.
Não
é esta, porém, a minha opinião e digo isto com toda a carga ideológica que
implica este género de tomada de posições. Os potenciais riscos associados à
exploração do subsolo em busca do lítio são demasiado elevados para justificar
alguns dividendos que meia dúzia de poderosos e outros tantos mangas-de-alpaca
poderão obter. A extracção de rochas provocará irreversíveis impactos
paisagísticos: crateras enormes, contaminação dos recursos hídricos, ruído,
poluição do ar (partículas em suspensão) e, consequentemente, doenças graves,
desde logo, do foro respiratório. Isto significará comprometer o futuro das
novas gerações e o desenvolvimento sustentável de áreas significativas do país.
É,
por conseguinte, fundamental quebrar este silêncio político que
estrategicamente tem vindo a enredar esta matéria. É fundamental perguntar onde
estão os estudos de impacto ambiental que deveriam ter, obrigatoriamente,
antecedido estas prospecções. É fundamental perguntar se as populações locais
estão a ser ouvidas e, em caso afirmativo, se foram (e são) devidamente
informadas a respeito do que verdadeiramente está em causa.
Os
dramáticos incêndios que afectaram o país, em 2017, trouxeram um conjunto de
novas promessas políticas, vindas dos mais diferentes quadrantes. A verdade dos
factos, porém, é que, apesar da demagogia reinante, as populações do interior
foram e continuam a ser votadas a um tremendo abandono por parte do poder
central. O silêncio que envolve esta negociata (é isto que realmente está em
causa) demonstra-o com todas as letras.
Escreveu
Miguel Torga, em 1942, no volume II do seu Diário:
“Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo” (1943, p. 140). A avidez
das multinacionais em busca do novo “ouro branco” pode transformar o que ainda
sobra do santuário em que vivemos num autêntico inferno. A apropriação dos
baldios e a expropriação de territórios, em nome do suposto interesse nacional,
será apenas o início desse dramático processo silenciosamente consumado.
É
escusado, pouco ou nada aprendemos com a História. Ou os cidadãos se mobilizam
ou estaremos condenados a destruir e deixar destruir quase tudo o que temos de
melhor. Aos nossos filhos e netos deixaremos as cinzas de tudo o que permitimos
destruir, que mais não seja com a cobardia do nosso silêncio.
Renato Nunes (renato80rd8918@gmail.com)
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