quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Desabafos-José Carlos Marques


Texto de José Carlos Marques-Responsável pela Proteção Civil, um amigo e um colega dos tempos em que fiz o estágio na Câmara Municipal de Oliveira do Hospital. Um texto profundo que diz tudo sobre o que passámos em Oliveira que vai deixar marcas em todo o país. Leiam e reflitam sobre o seu testemunho, um excelente texto

Desabafos na 1° pessoa,
do Técnico: domingo, 15 de outubro de 2017, 10h26m, um domingo que seria como como tantos outros, mas que, inesperadamente se transformou, quiçá, no pior domingo da minha (ainda curta) Vida. 
Saído de uma Missa vespertina, na Igreja de Lourosa, rececionando o novo Pároco da freguesia (Padre Rodolfo), e acabadinho de chegar a casa, para um dia domingueiro, na companhia da família, eis que irrompe pelo telemóvel um simples sms alertando para uma ocorrência de incêndio.
Mais um, pensei eu. E lá fui eu, como tantos outros operacionais (Bombeiros, Sapadores, GNR, Manobradores de Máquinas), na Esperança de regressar novamente umas poucas horas, já com o incêndio extinto, e o sentimento de dever cumprido.
Puro engano. Efetivamente o incêndio rapidamente tomou proporções incontroláveis, transformando-se num incêndio difícil de combater. As horas foram passando, o vento aumentando, o incêndio avançando descontroladamente, não dando tréguas aos Valentes operacionais que com a sua tenacidade lá o iam enfrentando. 
O meio/fim da tarde chegou e com ela a pior das notícias. Outro incêndio avançava descontroladamente em direção ao nosso concelho. Pouco tempo depois, notícia de outro que também se dirigia ao nosso encontro. Momentos depois notícia de novos focos de incêndio, motivado pela inexplicável força do vento, que lá ía potenciando novas projeções.
Em poucos minutos ficámos (operacionais e população), cercados pelo fogo, votados à nossa sorte. Em redor só víamos lume, parecia noite cerrada. Lavaredas enormes irrompiam pelo céu. Foi neste momento que o desalento e o sentimento de impotência se abateu sobre todos, sim TODOS. Mas apesar deste sentimento continuámos a Nossa Nobre Missão de ajudar e tentar Salvar Vidas. Não conseguimos na plenitude. 
De Heróis todos tivémos um pouco.
O resto já sabem…
Fiquei e estou desolado. Foi um rude golpe. Vi desmoronar um trabalho de uma dúzia de anos. Desanimei. Hoje assumo. Sim, fui abaixo. Estou ainda desanimado mas a tentar “Renascer”. Tenho Esperança que vou, aliás, vamos conseguir.
do Autarca: recém-eleito duas semanas antes, longe de imaginar que, duas semanas depois, este iria tornar-se o maior desafio da Vida. 
Motivos profissionais impediram-me de poder ajudar as gentes da minha freguesia neste fatídico dia. De partilhar o sofrimento connvosco. De poder também auxiliar-vos a salvar as vossas vidas, as vossas casas, os vossos pertences, a dar aquela palavra de amor, de ânimo, de conforto que tanto significado têm nestes momentos e que seria também a minha obrigação. 
do Marido, Filho e Neto: o dever chamou-me, e fui… à semelhança de tantos outros, abandonando a família, em auxílio de outrem. Quando tudo aconteceu, estava longe de vocês e perto de outras famílias, também elas a viver momentos de angústia, de desespero, tentando transmitir serenidade a quem, tal como vocês, estava a sofrer na pele as agruras daquele maldito fogo. 
A notícia que ninguém pensa ouvir, entretanto rapidamente chegou pela voz da Sandra, minha esposa. A minha pequena aldeia tinha sido completamente cercada pelo fogo. A nossa casa tinha ardido, a Sandra tinha abandonado a casa, cruzando o fogo, refugiando-se em casa de amigos noutra localidade, noutro concelho. A aflição era tamanha que não sabia como e onde estavam a minha mãe e o meu avô (acamado), assim como os restantes familiares. Era uma voz desesperada. Nem queria acreditar.
E eu, lá do outro lado, na freguesia de Aldeia das Dez, numa Missão com os meus companheiros, com os Bombeiros e com a GNR, sem poder ajudar, com a cabeça envolta num turbilhão de emoções tentando manter a calma, depois de tão desoladoras notícias. E mantive, ainda estou para saber como. Reencontrei a Fé revendo o Padre Rodolfo em Chão Sobral, também ele "apanhado" no meio desta tragédia e horas depois nos ter-mos encontrado na missa vespertina de domingo em Lourosa.
Depois, eram para aí uma e tal da manhã, ainda com estradas cortadas, embora por breves momentos, regressei à minha freguesia e à minha aldeia. A tormenta já havia passado. Passei pela nossa casa, fui ter com a Sandra e com alguns dos meus familiares. Graças a Deus estavam todos bem e a casa não havia ardido.
Fiquei destroçado por ver tamanha destruição. Depois regressei de novo à minha Missão.
Estou sentido. Ainda hoje não me conformo por, talvez no momento da vida em que vocês mais precisavam da minha presença, eu não estava para vos poder ajudar. 
Por vezes a Vida é assim…
Quinze dias depois, tive o grato privilégio de receber a Isabel e a Catarina, psicólogas de profissão e que voluntariaram para auxiliar na tarefa de reerguer as nossas gentes. Percorremos a freguesia, contatámos com inúmeras pessoas. No pouco tempo que privei com ambas dialogámos um pouco. Bem não foi bem um diálogo, foi mais monólogo. Tentei ser forte. Não consegui. Logo me alertaram de que também eu estaria a precisar de ser acompanhado. Caí em mim. Creio que têm razão. “Um Homem também chora, quando assim tem de ser”.
E para finalizar deixaram escapar esta frase “… mas por favor, não descuides de ti, dos teus e dos teus alicerces. Muita Força e Coragem nestes dias difíceis”.
Dei-lhes razão. Afinal, duas semanas depois, ainda não tinha tido tempo de pensar nisso...
do José Carlos Marques: Um sincero Muito Obrigado a Todos (e foram tantos, mas tantos) que nos têm ajudado a "Renascer". 
Um agradecimento a TODOS os Operacionais e aos inúmeros Voluntários, que tornaram possível e bem conseguida esta gigantesca, complexa e sem precedentes Missão de reposição da normalidade, 
Por último, um apelo aos Nossos Governantes lá por Lisboa: venham até nós, pisar as nossas cinzas, sentir e ouvir a angústia das nossas gentes, dos nossos agricultores de subsistência, dos nossos empresários, pois creio que passado que foi um mês, ainda não perceberam bem a tragédia que se nos abateu. 
Fim…
José Carlos Marques

15 de Novembro de 2017

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