Segundo creio, Nuno Crato será recordado pela
História como um dos piores Ministros da Educação do pós-25 de Abril. Um
Ministro que, contrariamente ao que seria expectável aquando da sua
entronização, mostrou não ter qualquer tipo de ideia própria em relação à sua
pasta, navegando pura e simplesmente aos encontrões, que é como quem diz às
apalpadelas. A mais recente trapalhada com as colocações dos professores é
apenas a ponta de icebergue de um académico de gabinete e antigo crítico
encartado em assuntos educativos, que denota um total desconhecimento da
realidade diária das escolas nacionais.
Garantiu
Nuno Crato em pleno Parlamento (casa primordial da Democracia) que ninguém
sairia prejudicado pelos erros verificados nas colocações (pelos quais, de
resto, pediu mesmo desculpa). Eis as suas palavras: “onde houver e se houver
alguma ultrapassagem de posições, essa situação será corrigida. Os professores
colocados mantêm-se, os alunos não serão prejudicados. Depois da nova ordenação,
eventuais duplicações serão avaliadas caso a caso. O objectivo é que ninguém
seja prejudicado”. Porém, pouco depois, Nuno Crato ordenou a anulação das
colocações obtidas no passado dia 12 de Setembro: uma ordem transmitida aos
Directores das Escolas, sublinhe-se, com o objectivo de revogar um acto
administrativo da autoria da Direcção-Geral da Administração Escolar! Na edição
do Público de 9 de Setembro vinha a
explicação do Ministro para tentar justificar o injustificável: “Eu disse
mantêm-se. Não disse manter-se-ão” (p. 51)! A isto chama-se, sem eufemismos, Doutor
Nuno Crato, mentir descaradamente e usar os subordinados para matar os elos
mais fracos: professores contratados que leccionam há várias décadas, na mais
absoluta precariedade laboral e sem qualquer tipo de esperança num futuro
melhor. Frágeis elos que, afinal, reflectem a situação da grande maioria da
população portuguesa na actualidade.
Na
sua crítica da pedagogia romântica e construtivista (O “Eduquês” em discurso directo), Nuno Crato sustentou que “As
mudanças devem ser graduais, experimentadas e avaliadas” (2011, p. 116). A sua governação, porém, como já sustentei, assemelha-se
a alguém que navega sem qualquer tipo de orientação ou preparação prévia, senão
vejamos…
Os programas escolares manifestam-se
cada vez mais desadequados à faixa etária/maturidade intelectual dos alunos,
mostrando-se igualmente pouco ou nada articulados entre os vários ciclos (v.g., essa de introduzir as “Homotetias”
no programa de Matemática do 7.º ano não lembraria nem ao Diabo, isto para já
não falar nas isometrias leccionadas no 1.º e 2.º ciclos ou na dantesca dose de
gramática que inunda os manuais de Português! – e os exemplos poderiam
prolongar-se quase até ao infinito…). A ideia central deste tipo de políticas
ditas educativas parece querer passar por introduzir a universidade logo nas
primeiras etapas escolares, procurando matar todo o tempo necessário para
amadurecer ou consolidar o que quer que seja, desde logo, a capacidade crítica
(depois, queixam-se que os alunos não têm bases: poderiam possuí-las, se nunca
definimos o que é realmente prioritário em cada ciclo e raramente tivemos a
preocupação de percepcionar as várias etapas do ensino como uma cadeia
interligada?!). Será tudo isto intencional (um dos hábeis mecanismos dos novos
“Estados Totalitários”) ou resultará pura e simplesmente da ignorância/improviso
que nos comandam? Depois – prossigamos –, os programas (e a legislação) mudam a
uma velocidade estonteante, havendo, neste momento, alunos dentro das salas de
aula com dois manuais diferentes: os mais recentes já respeitam as novas “metas
curriculares”. O que nós não ganharíamos se todos voltássemos pura e
simplesmente a falar em conteúdos e deixássemos de lado essa dimensão romântica
e esotérica que algumas correntes das Ciências da Educação e outras “psicologices”
ditas modernas vieram acrescentar à utopia de um ensino estruturado nas tais
competências, que alguns iluminados imaginam poder desligar-se dos conteúdos,
do trabalho puro e duro, da memorização e, claro, do desgaste provocado pelo
estudo. Sim, que ninguém se iluda: é preciso suar para aprender. O prazer vem
depois.
A famosa Prova de Avaliação de Conhecimentos
e Competências – uma das bandeiras deste Ministério – revelou-se um verdadeiro
fiasco. Afinal, se querem avaliar os professores (e, já agora, porque não os
docentes das Universidades privadas e demais Institutos Superiores, subindo,
assim, a montante?), não faria mais sentido avaliá-los (já agora a todos) nas
suas áreas específicas, em detrimento das várias charadas que marcaram as
Provas já aplicadas? Um professor de História não deverá saber, sobretudo, de
História? Um professor de Matemática não deverá saber, sobretudo, de
Matemática? Ou isso são apenas pormenores? Não terá chegado o momento de
investir, isso sim, na formação contínua (séria e rigorosa) dos docentes nas
suas áreas específicas, premiando quem, de facto, continua a actualizar-se
científica e pedagogicamente?
No decurso da última década, continuámos
a investir em infra-estuturas, em recursos materiais, e voltámos a esquecer que
o mais importante são os recursos humanos (Arnold Toynbee escreveu um
dia que “é muito fácil construir igrejas; o que é difícil é meter Deus lá
dentro”). O dia em que, efectivamente, se quiser contribuir
para a melhoria do sucesso educativo em Portugal, desde logo em Matemática, no
3.º ciclo, pense-se em desdobrar as turmas, à semelhança do que sucede nas
Ciências, e, de um modo mais geral, reduzir o número de alunos por turma…
Queiramos ou não, a Escola pública, com todos os seus defeitos, é
uma das maiores conquistas do pós-25 de Abril em Portugal. Existem, porém,
alguns indícios perturbadores, que parecem levar-me a pensar que o ensino cada
vez mais elitista está irremediavelmente de regresso (terá este Governo em
mente a efectiva destruição da Escola pública e o lançamento das bases para a
sua privatização total?). Outrossim, a crescente tendência para dotar as
Escolas de maior autonomia no que se refere à contratação de professores
introduz uma variável extremamente perversa, que, afinal, significa o regresso
em força da famosa cunha e, como tal, a destruição dos mais elementares
princípios que presidem a uma sociedade dita democrática.
No
passado dia 3 de Outubro, centenas de professores que já se encontravam a
leccionar nas suas escolas (onde haviam sido colocados pelo Ministério da
Educação) foram atirados para a rua, literalmente humilhados, enganados,
ultrajados. Se o Ministério da Educação errou (tão só porque não compreende –
ou não quer compreender – que existe uma lista nacional de ordenação dos
candidatos que deve ser impreterivelmente respeitada, em detrimento desses
manhosos critérios existentes nas ofertas de escola – repito, se o Ministério
da Educação errou, o seu responsável máximo deve ter a verticalidade de assumir
a falha e demitir-se de uma vez por todas (o que é diferente de colocar o lugar
à disposição) –, atitude que, naturalmente, colocaria o nosso agonizante
Primeiro-Ministro numa posição algo delicada, pois seria interessante perceber
quem, para além dos boys, estaria
neste momento disponível para substituir o Doutor Nuno Crato nesta recta
final... Quanto aos professores, segundo penso, é evidente que a Escola e os
alunos precisam, cada vez mais, do seu precioso trabalho. Se este Governo
tivesse o mínimo de honestidade intelectual nenhum dos docentes demitidos no início
do presente mês deveria ficar por colocar. Sugestão minha: os custos
financeiros deveriam ser suportados por quem errou. Afinal, também não exigem à
população portuguesa que continue a suportar os erros políticos que nos
conduziram à tragédia? Haja vergonha.
Segundo
penso, não existem as mínimas condições para que o Doutor Nuno Crato se
mantenha no cargo que ocupa. Perdeu o respeito de quase todos. Demita-se… ou
demitam-no. É um favor que se faz ao futuro do país. Ele já pertence ao passado;
um profundo vazio cósmico – eis como o actual Ministro da Educação será
recordado.
Renato
Nunes
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