quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Como que... em dominó?

A tese do dominó (expressão mediaticamente virtuosa) foi um dos argumentos utilizados pelos voluntaristas neocons para justificar a intervenção americana de 2003 no Iraque. Alegava-se, na altura, que a substituição de Saddam significaria, qual estrada de Damasco, uma conversão do país ao modelo das democracias liberais e, por efeito de arrastamento, de todo o Médio Oriente. Não é preciso ser particularmente arguto para perceber que a previsão, além de teoricamente bacoca e desonesta, revelou-se um tremendo fracasso.

Quase oito anos volvidos, uma súbita quão inesperada vaga agita, agora sim, por contágio, todo o Magrebe e o Médio Oriente. Se as revoluções em marcha parecem espontâneas, os seus resultados estão em aberto, sendo possíveis vários desfechos consoante a sociologia política de cada país (não, os árabes não são todos iguais) : teocratização; democracias islâmicas conservadoras (porventura à imagem da Turquia); regimes musculados de juntas militares; novas lideranças carismáticas; processos de transição longos e de objectivos indefinidos.

Nada do que lá se passa terá a ver com Iraques e Afeganistões, antes nascendo de uma população predominatemente jovem e com relativo grau de formação mas sem expectativas e sem paciência para tiranos e conveniências geoestratégicas dos mesmos e dos seus aliados de conveniência (Europa, EUA; Rússia, Venezuela...). Deste caldo político mais ou menos caótico, surge a pergunta fatal: como é que se pode considerar as Relções Internacionais e a Ciência Política como fazendo parte dos saberes nerecedores da designação de científico? A pergunta é ainda mais pertinente se tivermos em linha de conta que alguns dos «teóricos» são, afinal, gente com grandes ligações ou interesses à decisão política internacional e que, na área têm sido aduzidos monumentais disparates sob a forma de wishful thinkings ou self fulfilled prophecies como o Choque de Civilizações. Ironicamente, Samuel Huntington que profetizou o choque de civilizações. não se lembrou, no seu Third Wave Democratization in Late Twentieth, que o mesmo poderia, hipoteticamente, suceder nos contextos muçulmanos.
Interessante é que a noção de terceira vaga aplicava-se à democratização da Europa do Sul e, depois, do Leste, países que muitos «cientistas políticos» consideravam à margem das possibilidades de democratização.
Manda a prudência que se se espere para ver o que vai acontecer.

1 comentário:

Tiago Sousa disse...

Grande Sérgio!!!

O teu texto não podia vir mais a propósito. O Mundo Global que nós vivemos leva-nos a pensar na essência do conceito de democracia.Li o teu texto e os links que tu colocaste e não há dúvida que se colocam lá questões curiosas,principalmente no segundo "O Maquiavélico democrático" que se se refere à terceira vaga de democratização. Qual será o léxico que abrange o conceito de democracia, será apenas o acto de votar ou será um pouco mais. Estas revoluções magrebinas em dominó levam-nos a pensar que a situação é muito mais que apenas a possibilidade de votar. É transparência poder de decisão é a voz e a influência da sociedade. civil nas decisões políticas.
Afinal a Europa está aqui tão perto.