sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Acualização de agendas

Meus caros, ritualizemos a passagem de ano à medida de cada um e porfiemos por tempos melhores. Esperemos que sim.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Homo Faber

O texto postado pelo Renato e as considerações que o Tiago fez sobre o mesmo assunto remetem-nos para a questão do fascínio que as tecnologias de informação exercem. Embora me sinta relutante em escrever sobre este assunto já tão bem abordado nos dois textos, não posso deixar de dizer que também me preocupa um certo monismo/unanimismo em torno das designadas TIC. Entendamo-nos: sou um utilizador banal do pc e da net. Gosto de visitar bolgs e sites que me possam ser úteis ou ter algum efeito hobby. Creio que isto se enquadrará numa utilização esclarecida da internet. Não é isto, porém, que está em causa.

Preocupa-me o lugar cada vez mais omnipresente, quase compulsivo, que o computador e tecnologias derivadas ocupam no imaginário educativo de há uns anos a esta parte. Empiricamente, qualquer um de nós poderá relatar casos de salas mal aquecidas, com mobiliário velho, janelas partidas, portas avariadas mas devidamente munidas de projector multimédia ou, inclusive, dos quadros interactivos. Não é a disponibilidade destes equipamentos, aliás ocasionalmente úteis, que perturba mas sim o encantamento pouco sofisticado em relação aos mesmos. Dito de outro modo, é a quase dependência da informática como panaceia didáctica e pedagógica acompanhada de um discurso pseudo-científico bebido no eduquês e no pedagogismo das mudanças de «paradigma» da relação professor-aluno e de ambiente de sala de aula. Do meu ponto de vista, a única mudança de paradigma tem sido a redução permanente do perfil funcional dos professores a burocratas com um palavreado jurídico infantil e a executores curriculares sem autonomia nem esqueleto científico. Creio que a profusão de acções de formação nas áreas das TIC e respectivas aplicações em detrimento de boas sessões de formação em áreas científicas (ou mesmo o desincentivo semi-oculto à continuação de estudos pós-graduados ou outros) são demonstrativas da importância desmedida e deproporcionada atribuída áquilo que é instrumental e não essencial. Do mesmo modo, estou persuadido que a crescente infantilização da escola, onde se sacrifica o conteúdo à forma, o permanente ao breve, caminha de mãos dadas com uma obtusa tendência de se acreditar que informação é conhecimento e que o acesso àquela é condição suficiente deste. Com efeito, a procura de informação, seja em que suporte for, só poderá ser séria e relevante se for orientada por algo que está para além das TIC e que só se adquire com o tempo que a maturidade cultural traz. E esse tempo não é o dos downloads nem dos trabalhos decalcados de um qualquer site da net à boleia do discurso já pitoresco do savoir-faire (mas fazer o quê e como?) e de uma autonomia sem conteúdo.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Aos meus caríssimos co-bloggers e família, votos de uma belíssima quadra festiva com a paz e harmonia que merecem.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal recuperado

“– Junto ao Penedo do Algar, à última badalada da meia-noite, as bruxas saem dos seus covis, agarram nas vassouras e esvoaçam pelas matas. Então, passando por cima de todas as árvores, chegam, num instante, à aldeia. O luar ilumina a penumbra da noite quando, subitamente, as vassouras estancam sobre o telhado da casa. Depois, quando regressam ao Penedo, já levam companhia… nessa noite, meu netinho, foi escolhida a tua mãe. Era quase véspera de Natal e o primeiro tronco de oliveira já ardia na lareira.”
            “– Conta-me. Conta-me, avó! Contas?!”
            “– Claro que conto… ouve o vento, pois ele ainda guarda as memórias desse dia. Levaram-me a tua mãe, por cima de todas as árvores, colocaram-na junto a uma grande fogueira e todas as bruxas começaram a pular e a saltar à sua volta. Saltavam e pulavam tão alto que a minha pequenina, de tão assustada, começou a puxar as brasas mais incandescentes para junto dela e depois passou a atirá-las em direcção a tudo o que bulia, queimando as pernas das mais desprevenidas. Então, quando uma delas se apercebeu agarrou-a por um braço e foi escondê-la na alminha do Outeiro da Boiça. As outras bruxas, que seguiram de perto a viagem, desataram a rir em altas gargalhadas, enquanto diziam: – ah pequenota, nunca serás libertada…”
            “– E a minha mãe, ! Ó , e a minha mãe?!”
            “–  Calma, calma… aqui, comigo, tudo sempre acaba bem. Nessa noite, a tua mãe não voltou a casa, mas, logo que a manhã seguinte começou a romper, eu e o teu avô saímos à procura da nossa menina. Quando, por acaso, passámos ao lado da alminha do Outeiro da Boiça, o teu avô, como era habitual, tirou o chapéu e ajoelhou-
-se para rezar. Eu ainda o tentei convencer a deixar as rezas para mais tarde; até lhe devo ter furado os tímpanos de tanto o azucrinar com a minha mania das pressas! Mas o teu avô ajoelhou-se e rezou por todos os espíritos que já não estavam fisicamente entre nós, pediu a Deus que ajudasse todos os Homens, sobretudo aqueles que mais precisavam. Então, como que por magia, bem do meio da pedra, apareceu a minha menininha, beijando muito o teu avô. Agarrou-se a nós a chorar e, quando conseguiu recompor-se, segredou-nos:
eu ouvi as bruxas dizerem que as alminhas guardam os segredos mais bonitos de cada Homem, mas apenas alguém verdadeiramente puro, tão puro que aqui parasse a rezar, pensando somente nos outros, poderia libertar-
-me
…”
            “– E depois ? E depois?!”
            “– E depois foi o Natal, meu netinho! Era véspera de Natal e a lareira iluminava a noite…”
            Ano após ano, ao longo da meninice, fui ouvindo, cada vez com maior espanto, a fabulosa narração associada ao Penedo do Algar e às gentes da minha aldeia. Agora, que o Natal está aí mesmo à porta, dou por mim mais uma vez sentado, em casa de meus pais, a recordar esta estória, que continua a preencher-me. Sempre que aqui regresso e acendo a lareira, quase consigo jurar que pressinto as bruxas paradas em cima do telhado, como outrora, a aguardarem… E isso ajuda-me a recordar que existem lugares que nunca abandonamos; confundem-se de tal modo com aquilo que somos, que, dificilmente, conseguimos descrever-nos sem reconstruí-los por dentro, nos mais ínfimos pormenores, em imagens, cheiros ou sabores. O Natal faz parte desses lugares; faz parte das pessoas insubstituíveis da nossa vida. E o vazio ocupa-se.
            Nestes dias em que o frio e o nevoeiro se entrelaçam, saio muitas vezes a deambular pela noite dentro. Sempre que reencontro uma alminha, talvez por influência das recordações que trago escondidas no poço mais fundo da minha existência, paro, persigno-me e aproximo-me, quiçá à espera de libertar os segredos mais bonitos que ainda não destruí. E, incrivelmente, sorrio, limito-me a sorrir… Existem sorrisos que condensam milhões de palavras; desnecessárias.
            Depois, já em casa, os candeeiros crivados de teias de aranha conservam ainda as memórias de um tempo, simultaneamente, tão próximo e tão distante. Sabem…, mãe, pai, avó, avô… talvez seja hoje que as bruxas vão, finalmente, ganhar coragem e levar-me, por cima de todas as árvores, até ao Penedo do Algar, onde já todos vocês devem estar a dançar, à volta de uma enorme fogueira. Talvez… Mas enquanto isso não acontece, enquanto a última badalada não ecoa, são as estórias do último Natal que ainda me permitem fazer a consoada, como só ela pode ser feita, com toda, toda a família à mesa… antes e depois da última badalada. E do silêncio que ecoa dentro de nós quando pensamos nessa comunhão.
            Pela noite dentro, embrenhado na mais profunda solidão, eterna exigência da reflexão, reinvento-me a escrever o Natal possível, depois da maior perda; eis aqui, afinal, o meu Natal recuperado…
Renato Nunes      
  

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Importância de saber usar as Novas Tecnologias

”Vivemos na designada sociedade da informação” Parece não existir qualquer dúvida sobre a frase inicialmente citada. A informação circula a um ritmo alucinante, actualmente é possível ter um conhecimento imediato de algo que se passa do outro lado do Mundo. É a magia da informação.
Comentando o post do Renato que aborda a submissão perante as novas tecnologias, o primeiro parágrafo não poderia vir mais a propósito.
Lá está, “post”, sinónimo das novas tecnologias, outrora designava-se texto ou artigos, palavras bem portuguesas, ao contrário de post, um neologismo introduzido pela internet. Apesar da complexidade que a Língua Portuguesa acarreta não consigo deixar de ficar fascinado pela constante descoberta que faço, quando me apercebo de uma palavra nova que conheço e a consigo integrar num texto. Após o estado de saturação resultante do excesso de trabalho pretendo ler o último livro do Eduardo Agualusa, “Milagrário Pessoal” que fala precisamente sobre a questão  da introdução de novas palavras e da extinção de outras.
Com isto acabei por fugir um pouco ao cerne daquilo que queria falar, no entanto considero que me faz bem escrever ao mesmo ritmo que me surgem as ideias, sem reflectir muito sobre elas, ajuda a acalmar e desentorpecer pensamentos que rigidamente se direccionaram numa direcção durante as últimas semanas. Continuando!!!
Actualmente vivemos numa sociedade designada pelo Renato de “Ditadura do Digital”, não vejo as coisas de um modo tão duro e autoritário, no entanto concordo em parte com aquilo que ele escreveu no seu post. O Digital, a internet é algo que tem pouco mais de meio século de existência, no entanto foi algo que veio revolucionar a sociedade actual. A informação hoje está à distância de um clique, há um manancial de recursos enorme que nós professores temos de ter o discernimento de o saber usar convenientemente. A Era digital quando mal usada pode dar origem à preguiça e à falta de eficácia no ensino. Com isto quero dizer que quando pretendemos alguma informação por mais simples que seja vamos à internet. Perdeu-se o hábito do contacto com os livros, e a dificuldade inerente à procura de encontrar alguma informação que pesquisemos.
Cabe-nos a nós professores e transmissores de conhecimento, não usar estar novas tecnologias como promissoras de algo com um intuito essencialmente lúdico, minimizando os conteúdos e as competências.
Digamos em abono da verdade toda esta situação que caminha para uma desmotivação e descrédito da carreira docente não é culpa maioritariamente nossa, pois hoje em dia com a obrigatoriedade do ensino até ao 12º ano há um consequente aumento dos alunos sendo as turmas mais heterogéneas. No meu caso chego a ter que planear 3 aulas para uma turma, pois tenho 2 alunos com necessidades educativas especiais, com ritmos de aprendizagem diferentes.
Actualmente ser professor, é algo cada vez mais exigente, pois envolve a percepção das realidades degradantes que entram cada vez mais no ensino. As estratégias e modelos de aprendizagem têm que se adequar a esse grupo de novos alunos. As novas tecnologias onde eu insiro os manuais em formato digital, permitem amenizar a carga burocrática e laboral a que estamos sujeitos, no entanto temos de saber usa-la conveniente para que o saber palpável e a exigência da avaliação, não se percam e haja um mínimo de dignidade no ensino.

A necessidade de conhecer os nossos direitos

O ano de 2010 que está prestes a terminar foi celebrado pela União Europeia como sendo o Ano Europeu contra a Pobreza e Exclusão Social. É cada vez mais importante percebermos a realidade que nos rodeia, as desigualdades espaciais e económicas, entender as suas razões e consequências.
A disciplina de Geografia tem o papel de aferir as competências, de acordo com o grau de ensino, ajudando os alunos a interpretar melhor o nosso Mundo, pois considero que a sua boa percepção os poderá tornar cidadãos mais conscientes no futuro.
As desigualdades económicas, sociais e demográficas são cada vez mais evidentes. Na nossa sociedade é cada vez mais difícil triunfar e ter êxito, pois valoriza-se cada vez mais a qualificação, assim como a autoconfiança e a capacidade de arriscar.
O conhecimento dos nossos direitos é por isso cada vez algo indispensável. No dia 10 de Dezembro celebra-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos, declaração proferida em 1948 pela ONU. Há várias omissões aos Direitos Humanos em vários países que é necessário alertar, pois todo o ser humano tem os mesmos direitos, devendo por isso ser respeitados em qualquer parte do Mundo.
É um percurso longo, provavelmente não atingível a curto prazo, mas é preciso dar um crescente valor à pessoa humana em detrimento dos interesses económicos, que na maior parte das vezes sobressaem. Em Portugal começam a notar-se cada vez mais casos de pobreza, observam-se que a linha entre a estabilidade e instabilidade é cada vez mais ténue e muito dos direitos fundamentais do Homem são colocados em causa.
A alterações dos valores e princípios é algo cada vez mais urgente, deixar de pensar unicamente em nós e preocuparmo-nos mais com o bem estar dos outros. É importante recuperar um pouco da inter-ajuda que existia num passado próximo. Por isso é com satisfação que devemos assumir a proposta da União Europeia de comemorar o próximo ano de 2011 como sendo o Ano do Voluntariado e da Cidadania Activa. Para que para que a dávida de nós aos outros e a garantia do respeito pelos Direitos Humanos sejam uma realidade.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A ditadura do digital…

            “ – Fará sentido continuar a escrever assim, com a caneta na mão, quando à nossa volta tudo é dominado pelas novas tecnologias, quando vivemos numa sociedade que exige o recurso a computadores para as tarefas banais do dia-a-
-dia?” – eis uma questão, recorrentemente, colocada pelos adolescentes nas Escolas portuguesas.
            De facto, se pensarmos no “choque tecnológico” implementado nos últimos anos, talvez não seja muito difícil imaginar que os velhos cadernos e as canetas que nos habituámos a ver em cima das secretárias acabem por ser substituídos pelas novas tecnologias, que emergem, aos olhos de muitos, como a panaceia para todos os problemas do sistema educativo. Os computadores “Magalhães” aparecem hoje como a imagem de marca do estudante nacional, mas eles são apenas a ponta de icebergue de um movimento mais complexo que passa, por exemplo, pela gradual substituição do quadro-negro e do insosso giz pelos modernaços quadros interactivos, pelos comandos individuais que permitem a cada aluno ensaiar, a partir da sua carteira, alguns célebres jogos já eternizados em formato televisivo ou ainda, apenas a título de exemplo, pelas Acções de Formação que os docentes têm de frequentar na área das novas tecnologias, tendo em vista o famigerado reconhecimento da sua “competência digital”, desiderato final de qualquer docente que se preze…
            Embora reconheça que existe hoje uma tendência muito vincada para todos nos deixarmos levar pela ditadura do teclado e admitindo o contributo válido que as novas tecnologias desempenham nas sociedades actuais, penso que será pertinente reflectir nalguns aspectos que passo a enumerar.
            I – As novas tecnologias não são imprescindíveis para que exista um bom ambiente de trabalho e de aprendizagem dentro da sala de aula. O computador, os quadros interactivos e demais acessórios são, apenas e só, mais um dos recursos que o professor e os alunos têm ao seu dispor. Bem sei que não produz tanto “espectáculo”, mas a simples leitura interpretativa de um texto pode ser tão ou mais válida do que qualquer um dos propalados recursos tecnológicos. Aliás, segundo creio, o professor é e continuará a ser o principal “recurso” dentro da sala de aula, pelo que essa ilusão de querer transformá-lo num simples motivador dos meninos que vão “descobrindo e desenvolvendo as competências”, pura e simplesmente não faz qualquer sentido. As novas tecnologias, é bom que não se esqueça, não devem constituir, dentro da sala de aula, um fim em si mesmo, mas um meio para que os alunos aprendam e se desenvolvam…
            II – Dizia-me recentemente um professor catedrático que “a Escola já não serve, fundamentalmente, para aprender a ler, a escrever e a contar”. Contra-
-argumentei na altura e volto aqui a reafirmá-lo. No meu entender, a Escola deve servir, fundamentalmente, para aprender a ler, a escrever e a contar, sob a orientação e (não receio dizê-lo) a autoridade do professor. O resto, as competências de que tantos pseudo-pedagogos falam, virá sempre por acréscimo, será o resultado natural de uma aprendizagem substantivada em conteúdos. Ninguém reflecte no vazio. É preciso possuir conhecimentos, para depois conseguir mobilizar o que sabemos e aplicá-lo à situação concreta. O conceito de competência, no meu entender, é indissociável de conteúdo. Muitos problemas do actual sistema de ensino entroncam, precisamente, aqui: na substituição dos conteúdos pelas esotéricas competências e na desautorização crescente da figura do docente.
            III – Um bom professor deve, antes de mais, dominar cientificamente os conteúdos da disciplina que lecciona. É urgente intervir a montante e não a jusante, onde já pouco há a fazer. A formação contínua dos professores deverá ser recentrada na sua área de leccionação, pois, na actualidade, parece prevalecer a ideia segundo a qual para ser um bom professor de História é preciso saber de tudo (sobretudo Informática…), menos de História. As teorias pedagógicas, que me perdoem os que não concordarem, afloram naturalmente, quando existe conhecimento, quando existe vocação, quando há vontade de ajudar os outros e o aluno, o professor, demais órgãos educativos e a imprescindível família assumem, verdadeiramente, um papel activo.
            IV – Quando analisamos o longo e complexo processo de evolução física e mental do Homem, podemos constatar que a mão desempenhou um papel fulcral na Hominização, pois o (aparentemente) simples facto de o Homem necessitar de agarrar, suavemente, um objecto exige uma estreita articulação/coordenação com o cérebro, factor que possibilitou o seu desenvolvimento. Na actualidade, existe uma inquestionável tendência para substituir a ideia do lápis e da caneta como prolongamentos da mão, por um novo método, em que nos limitamos a premir um botão (técnica de “picar o teclado”). Antes, quando, ainda crianças, ouvíamos as histórias que os nossos avós tinham para contar-nos desenvolvíamos a imaginação. Agora, tudo é servido, já totalmente mastigado… Implicações, a longo prazo, desta tendência? Não sei. Mas a verdade é que todos os processos que possam implicar um maior comodismo cerebral deveriam, pelo menos, fazer-nos parar para reflectir, ou não fosse a doença de Alzheimer, já neste momento, um inquietante problema…
            V – Talvez a tendência actual saia mesmo vencedora e o velho hábito de escrever à mão, com a folha de papel vazia e a caneta, acabe por ser substituído pelas novas tecnologias. Talvez essa tendência venha mesmo a tornar-se uma marca incontornável dos novos tempos, a par do anunciado fim dos livros em suporte de papel. A verdade é que, a maioria dos poetas que já li confessam não conseguir libertar qualquer poema em frente ao ecrã e os artistas dificilmente poderão prescindir desse contacto mais directo com os materiais. Não sei o que virá a seguir, apenas posso perguntar: será que a “ditadura das máquinas” pode humanizar-nos? A minha consciência leva-me a responder que não. O leitor saberá encontrar a sua resposta.

Renato Nunes

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Desenhar a consciência e salvar-se…

Já perdeste a noção das horas em que procuraste salvar-te enquanto escreves. Os dedos escorrem-te pelo teclado. Lá fora chove desalmadamente; é a forma que a Natureza encontrou para se purificar; quanto a ti, este é o único verbo que aprendeste a conjugar para, ainda, te conseguires lavar.
            O local onde te encontras já serviu de abrigo a outros Homens, que partiram muito antes de chegares. À tua volta, as paredes estão prenhes de pinturas e mesmo em frente ao teu nariz jaz um enorme bisonte, eternizado naquele instante em que a lança o atravessa. Sentado, com o computador nas pernas, ligas a lanterna e vais inspeccionando detalhadamente cada pormenor da gruta, quiçá na esperança de reconstruir os esqueletos que trazes perdidos na memória.
            Quando o discípulo de Hipócrates te disse que apenas te restavam mais alguns meses de vida e ouviste aquela palavra, que ainda agora não consegues sequer pronunciar, fugiste o mais depressa possível. Correste, correste até chegar aqui, a esta húmida caverna.
            Agora, embrenhado na mais profunda solidão, remiras cada uma das pinturas rupestres e vêm-te à memória as centenas de livros que foste devorando sobre a arte da pré-história. Sim, tu sabes que numa gruta esparsamente iluminada seria quase impensável esgrimir uma função meramente estética para estes desenhos. Sim, os compêndios alertam-te para o significado mágico destes traços, factor indissociável da omnipresente luta pela sobrevivência. Mas tu procuras o Homem concreto para além destes magníficos desenhos, queres conhecê-lo de um modo tão intenso que, de tanto imaginá-lo, quase podes jurar pressenti-lo ali mesmo a escassos metros da tua presença.
            Sentes que está frio, está muito frio e este lugar parece ter feito um pacto com a escuridão. Agora mesmo, desejas estender a mão direita e tocar na pele desse antepassado que há vinte mil anos aqui esteve, a colorir com o próprio sangue as pedras que também lhe serviam de abrigo. Tu sabes que chegaste aqui irremediavelmente atrasado, mas as imagens que carregas dentro de ti são de tal modo vivas que, por breves instantes, chegas mesmo a perder-te nesse lapso que medeia o passado e o presente. Entretanto, nesse entretanto que é a vida, talvez tenhas deixado de existir ou talvez possas até ter-te transformado num outro eu – a minha única certeza é que deixaste de estar só.
            Deixei de conseguir reconhecer-te, mas, por entre a penumbra, consigo ver que tens agora a teu lado a rena que demoraste uma semana a caçar. Pareces acenar-me. Sim, estás agora a acenar-me. Queres dizer-me como esta caçada foi dura. Primeiro, ouviste os bramidos da besta ainda à distância de um lançamento com recurso ao magnífico propulsor, depois, construíste uma imagem da sua forma e esculpiste-a a ocre vermelho e com o teu próprio sangue. Apontas a parede mesmo à minha frente e eu sorrio. Continuas, então, a reconstituição, dizendo-me que ludibriaste o vento com a ajuda do deus-sol, atraíste o animal e desferiste-lhe o golpe fatal, no exacto momento em que recomeçou a nevar. Agora, sem que nada o fizesse prever, interrompeste o relato. Apontas desamparadamente para cima, mas o teu olhar parece ultrapassar a última pedra que te impede de tocar o firmamento. A gritar, a gesticular por todos os lados e em direcção a todos os lados, anuncias-me que o deus-sol te exigiu um sacrifício e, por isso, tiveste de regressar sozinho à gruta. Com toda a violência que consegues, atiras uma bolota contra a parede, para logo a seguir murmurares que arrastaste a presa e a depositaste na cavidade onde ainda agora se encontra. Depois, continuas, voltaste a desafiar o gelo exterior. Não sabes ao certo por que o fizeste, mas algo dentro de ti parecia anunciar-te que era assim que deverias actuar. Quando chegaste ao local da caçada, embalaste o cadáver de teu irmão no peito e avançaste até aqui, onde agora permaneces. Ele era o sacrifício que o deus-sol te exigiu.
            Tens as mãos inundadas de sangue. Do alto do meu pedestal, fiquei a observar-te enquanto sustinhas a lança para vasculhar as entranhas da carcaça do animal. Agora mesmo, vejo-te chafurdar a mão direita do teu irmão no interior da rena. O cheiro a sangue fresco inunda toda a lúgubre caverna. Mas tu não pareces incomodado com nada disso. Estás apenas preocupado em gravar lado a lado, na ala nascente do abrigo, as mãos direitas dos únicos irmãos que algum dia ali tinham vivido: tu e ele. Só depois poderás partir.
            Partirás até que exista um depois. Ritualmente, sempre que a lua se enche e os sentidos, já saciados, se apaziguam, regressas àquela gruta parada no tempo. Quando o fazes, sentes a tua existência prolongada naquela imagem; passou a ser a tua porta para as emoções. Diariamente, transporta-la contigo, ajuda-te a acreditar que não estás só, que lá longe a mão do teu único irmão continua presente, sempre pronta a agarrar-te, mesmo que não o tivesses ajudado quando ele mais necessitou. Aquela imagem é estranha: tu deste-lhe vida, mas ao mesmo tempo ela alimenta-te, adquiriu uma vida própria. Com ela, aprendeste lentamente a imaginar o que está para além do que podes apenas tocar e inventaste o futuro.
            Ao longo do tempo (ah! filogenia…) aprendeste a saber que sabes o que sentes, subiste a pulso o poço da existência: desde o proto-eu, passando pelo eu nuclear até ao eu autobiográfico, como muito mais tarde António Damásio haveria de chamar ao patamar mais sublime da consciência humana.
            Aqui, nesta gruta gélida e escura, há milhares de anos atrás, tu eras eu, eras nós… a casa da consciência, como Damásio lhe chama, começou a ser, verdadeiramente, aperfeiçoada naquele dia, naquela hora, por um nosso antepassado que se procurava para além do que tocava e desenhava…
            A arte construiu-nos, salvou-nos e poderá sempre voltar a erguer-nos, sobretudo nos momentos em que mais necessitarmos. Possam estes traços auxiliar-vos, tal como ainda agora me ajudaram, nestes instantes da vida em que andamos perdidos dentro de nós próprios, à procura de um sentido para o que enfrentamos, o que somos ou para onde vamos.
Renato Nunes

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Simplicidade

Simplicidade uma palavra que tem cada vez menos aplicação neste Mundo Complexo e acelerado que vivemos.
Com o decorrer dos anos há medida que a exigência da vida aumenta, sinto a necessidade de dar valor a coisas simples da vida que outrora não acontecia. O aumento da exigência profissional conduz-nos à necessidade de mantermos uma postura forte de fazermos face a situações que por vezes nos fazem cambalear ou hesitar. É nestas altura que temos de ter valores e princípios seguros que nos prendam. As pessoas que mais amamos são para mim cada vez mais a personificação dessa postura forte que necessitamos de ter durante a vida. 
Sinto a sorte de ter conhecido pessoas fantásticas ao longo da minha vida que me fizeram crescer e ser hoje uma pessoa melhor, que consegue ver a vida de um modo mais crescido e maduro. Sinto que  valorizo mais a amizade e o amor. É uma felicidade mais compartilhada e  sem dúvida mais forte.
Actualmente dou um valor diferente a um jantar de confraternização que outrora pela banalização que eu concedia à ocorrência perdia significado. O Calor Humano, o Abraço, uma Conversa onde perdemos a noção do tempo,  pois desfrutamo-la incansavelmente. São coisas tão simples que perdem cada vez mais força neste Mundo impessoal que vivemos. 
A distância tornam os simples laços de união, momentos únicos que queremos viver e absorver ao máximo. É sinal que necessitamos deles, sendo indispensáveis para prossecução do nosso caminho.
Simplicidade e entreajuda são valores cada vez menos frequentes nesta sociedade consumista e egocêntrica. Compreendo que seja o sinal dos tempos, mas não deixemos esmorecer as maiores qualidades de Antigamente.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A geração das competências

             Ao longo das últimas semanas, tenho sido, repetidamente, confrontado com a seguinte questão: “Atendendo ao teu conhecimento do passado, o que irá acontecer a Portugal nos próximos tempos?”. Claro está que, perante este tipo de perguntas, quase por automatismo, aflora-se-me na mente um conjunto de imagens que me conduzem, por exemplo, para o não tão longínquo ano de 1891, com a crise financeira e bancária, que levou o próprio Banco de Portugal a ficar sem reservas, ou a “Longa Depressão dos anos 30”, cujo ciclo vicioso parece encaixar-se que nem uma luva nestes tempos em que as falências e o desemprego não param de aumentar, arrastando atrás de si milhares de pessoas para as novas filas da sopa dos pobres.
            Como diria Marc Bloch, será muito difícil encontrar alguém que permaneça totalmente indiferente à História. Curiosamente, nos últimos anos tenho-me apercebido que parece existir um interesse cada vez maior pelos temas históricos, surgindo estudos e, de um modo muitíssimo regular, romances ou, por exemplo, (pseudo) diários mais ou menos intimistas, com nomes de importantes figuras da História de Portugal estampados na capa, pois isso tornou-se uma garantia de sucesso editorial. O nome Salazar é o expoente máximo dessa tendência, mas poderia citar o caso – hoje em dia muito na moda – dos romances históricos. Ainda assim, muito do que se publica, é importante retê-lo, pouco tem de História, para além do nome que figura na capa…
             Questiono-me, com alguma frequência, se a entrada de Portugal na antiga CEE não terá, de algum modo, acelerado este processo que parece conduzir as pessoas a buscar uma determinada História do seu país. Pergunto-me: perante a perda irreversível do escudo e, gradualmente, de uma outra identidade cultural mais profunda, as pessoas não sentirão necessidade de descobrirem as suas raízes para, assim, encontrarem e compreenderem uma parte do que ainda são? É que, importa reflectir, apesar de vivermos num mundo cada vez mais globalizado, a realidade é que este tende a ser formatado pela lei do mais forte. Hoje, a unidade garante-se, cada vez mais, na e pela luta contra a diversidade e bastará ver o que está a acontecer às línguas do Mundo inteiro para constatar isso: há cada vez mais pessoas a falarem do mesmo modo. Aliás, no que diz respeito a este último aspecto, bastará pensar nos motivos que, verdadeiramente, desencadearam o Acordo Ortográfico para compreender que a perseguição voraz do lucro não se compadece com a importância da diversidade para toda a Humanidade; e a diversidade, importa não esquecê-lo, não é apenas importante, é uma necessidade, até do ponto de vista biológico, como o demonstra a filogenia.
            As pessoas procuram a História e procuram-se na História. Alguns, mais por amizade, acercam-se de mim e lançam-me essa terrível e tentadora questão: “Atendendo ao teu conhecimento do passado, o que irá acontecer a Portugal nos próximos tempos?”.
            Inicialmente, o meu silêncio aguça ainda mais a curiosidade. Depois, confesso, não pressinto outra solução além de desapontar toda a gente e, pura e simplesmente, reconhecer que não sei, não posso saber. Bem vejo que os reputados economistas, quais videntes, passam a vida a fazer previsões (quase sempre erradas) – em Portugal, ao invés, costuma dizer-se, ironicamente, que a Economia é a ciência que prevê as crises depois de elas acontecerem… –, mas, ainda assim, continuo a acreditar que o papel dos Historiadores não passa por aí, embora reconheça que seja deveras tentador procurar fazê-lo, como bem o demonstra o facto de muitos “filósofos-historiadores” terem edificado grandes filosofias da História, no intuito de procurarem demonstrar que esta última avança para um fim mais ou menos pré-determinado. Quando muito, segundo creio, o Historiador poderá procurar surpreender tendências, mas mesmo essas serão sempre potencialmente infinitas. 
            Estudar a História ensinou-me a procurar sempre a complexidade e a pluralidade, onde, aparentemente, tudo se parece resumir a uma confrangedora simplicidade. Frequentemente, quando o assunto de conversa pende para a História, os outros falam e eu calo-me, a ouvi-los, a tentar compreendê-los, não só no que dizem, mas também nos motivos que os levam a produzir determinadas afirmações em detrimento de outras, silenciadas. A experiência de pessoas que consagraram a vida ao contacto com as fontes e à reflexão (actos cada vez mais raros) e os meus próprios ensaios para adquirir “voz própria”, ajudaram-me a compreender que, como dizia Ernst Gombrich, nós continuamos a ver a realidade em função do que conhecemos. Basta um ângulo diferente de análise ou outros conhecimentos sobre uma determinada realidade e, voilà, altera-se a nossa percepção dos factos.
            Talvez a História não possa, afinal, ajudar as pessoas a prever o que vai acontecer, mas estou profundamente convicto de que pode ajudá-las a transformar esse futuro. Quando penso no significado etimológico do verbo educar vêm-me sempre à memória estas duas palavras: educare e educere, alimentar (o espírito) e potenciar o que cada indivíduo possui de melhor, transformando-o.
            A História, enquanto ciência que ajuda os Homens, na medida do possível, a compreender o passado e o presente, de um modo rigoroso e objectivo, também pode constituir uma importante fonte de ensinamentos para transformar a realidade que diariamente reflectimos. Porque, não o esqueçamos, apenas pode frutificar o que tivermos capacidade de sonhar. É, aliás, muito curioso constatar que as grandes revoluções da Humanidade começaram por ser sonhadas e escritas, tantas vezes no silêncio dos refúgios, por Homens preocupados em aperfeiçoar a sociedade em que viviam. O que seria da Revolução Liberal Americana de 1776 ou, por exemplo, da Revolução Francesa de 1789 sem os Iluministas, como Voltaire, Rousseau ou Montesquieu, que edificaram no mundo das ideias aquilo que mais tarde seria tentado no mundo dos Homens?
            Talvez um dos grandes problemas da actualidade resida na quase inexistência de livres pensadores, capazes de criar e sonhar um mundo com regras e pressupostos diferentes daqueles em que nos habituámos a viver. À semelhança do que já defendi anteriormente, continuo a acreditar que somos diariamente atravessados por uma forte tendência, consciente ou inconscientemente produzida, cujo objectivo último é formatar o próprio indivíduo, convertendo-o em eterno súbdito pronto a obedecer, sem sequer conseguir ou querer compreender. Diariamente, os burocratas, dentro da lógica do seu paradigma de gestão, continuam a matar os sonhos, a destruir as utopias, a diversidade. Dentro dos próprios círculos académicos, os melhores discípulos não se afastam, frequentemente, do velho espírito medieval do magister dixit e, não raramente, a função dos neófitos que acabam de chegar ou querem chegar à cátedra é, apenas, reunir a informação pertinente para depois, em nota de rodapé, dizer, com outra hermética roupagem, aquilo que os donos do sistema afirmam assertivamente no corpo dos seus textos. Ainda não há muitas décadas, Miguel Torga afirmava que apenas poderíamos ser livres, na medida do humanamente possível, fora das escolas de pensamento, que nos agrilhoam e entorpecem. Nos dias que correm, aqui está uma máxima que deveria merecer da nossa parte uma cuidadosa reflexão.
            O diálogo, o debate de ideias, o velho ideal de tertúlia parece desaparecer velozmente, precisamente à mesma velocidade com que, infelizmente, as pessoas que têm hoje mais de meio século também vão desaparecendo. Pode ser apenas impressão minha, mas tenho para mim que os grandes faróis se vão apagando, sem que as novas gerações os consigam, proporcionalmente, ir substituindo. Bem sei que a mudança, como diria Camões, é inevitável e a suposta existência de uma “idade do ouro” não passa de uma falácia, mas essas constatações não devem impedir-nos de reflectir os caminhos ou tendências que as sociedades tomam. Costuma, aliás, dizer-se que “é necessária uma vida para erguer um Homem, mas basta um minuto para destruí-lo” – a História das conquistas da Humanidade é um pouco parecida com esta máxima. Ademais, quantas vezes ignoramos que “apenas conseguimos ver mais longe porque estamos aos ombros de gigantes”, os nossos antepassados?
            Dentro dos próprios círculos universitários, os debates parecem reduzidos a monólogos. O conhecimento, projectado a uma escala do mundo de “Lilipute” (cada um sabe muitíssimo de uma reduzida área, mas pouco conhece das restantes) impede depois que exista um efectivo diálogo, no intuito de atingir aquele que, na óptica de Edgar Morin, é o grande desafio do século: “Religar os conhecimentos”. Claro que esta falta de diálogo e de debate acaba por salvaguardar os interesses de muitos propalados intelectuais, cujo hermetismo da própria linguagem é frequentemente utilizado como intransponível escudo de protecção…
            No plano inverso, basta estudar uma Escola do Ensino Básico e/ou Secundário para perceber que continuam a prevalecer as abordagens superficiais, pomposamente consubstanciadas nos mais nobres princípios transdisciplinares, mas que, depois, ninguém sabe nada de profundo sobre as diversas áreas. 
           O relativismo defendido por alguns, nomeadamente determinados pseudo-pedagogos das Ciências da Educação, vai-me dizendo, bem lá do alto do mundo das inquestionáveis certezas, que estas novas gerações não estão a perder valores, que é necessário definirmos muito bem este conceito, que elas estão a construir os seus próprios valores, que não pertencem a nenhuma outra lógica, a nenhum outro tempo, fazem parte e reflectem as circunstâncias extremamente peculiares em que foram erguidas. O problema, em meu entender, é que todo este positivismo, alicerçado no relativismo, cai por terra quando me aproximo e ouço estas novas gerações, alguns deles já mesmo a trabalharem com alunos nas salas de aula, a falarem do importantíssimo jogo do FarmVille ou dos quentes acontecimentos que a “Casa dos Segredos” vai exalando para o exterior. Quase me apetece avançar e, inspirado no programa da Júlia Pinheiro, erguer a prestação do carro, ainda por pagar, e gritar, bem alto: “Talvez o mundo do faz-de-conta pornográfico ainda salve este país, talvez ele seja o nosso Dom Sebastião”. Mas depois lembro-me das “Farpas” do Eça, da “Geração dos Vencidos da Vida”, permaneço em silêncio e vou para a biblioteca. Ali, pelo menos ali, os sonhos ainda continuam a ser possíveis e, sempre que desço para regressar à sala de aula, são eles que ainda me fazem sorrir. São eles que ainda me ajudam a encontrar um sentido para uma profissão que, quero acreditar, um dia ainda voltará a ser um modelo para todos os portugueses.
            Lá dentro da sala, com os livros abertos, os sonhos ainda são possíveis. O problema é quando a porta se fecha e todos aqueles meninos e meninas regressam para um mundo que está a conseguir matar-lhes a curiosidade, para, consciente ou inconscientemente, os formatar a obedecer. Eles serão o êxtase da geração das competências, agora gradualmente associadas a descritores e habilmente desligadas dos conteúdos (contra o próprio espírito que deveria presidir ao conceito de competência)! A primeira fornada já anda por aí; falem com eles e perceberão o significado multidimensional das grelhas. Falem com eles e verão como foram formatados para não pensar. Falem com eles e perceberão que estão dispostos a tudo para atingirem a suposta “Excelência”. Falem com eles, se conseguirem. Esperem até eles chegarem ao poder…
            Ainda há resistentes nesta geração das competências?

Renato Nunes

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desabafos "Austeros"

Vivemos situações complicadas, como se diz na gíria e em época de crise todos falam mas ninguém tem razão, ou pelo menos ninguém aparenta ter uma varinha de condão, que faça mudar a situação do défice ou do desemprego.
Apercebo-me com tristeza, a desconfiança e instabilidade que observo o meu futuro. Ao longo da minha curta vida de professor, que não conta ainda com dois ano de serviço, já calcorreei inúmeras estradas, fiz milhares de quilómetros e leccionei em 6 escolas. Não me atemoriza ou preocupa o desafio, de enfrentar contínuas integrações ou conhecer novas situações ou realidades. O que me intriga e entristece é observar a tendência de as coisas piorarem no futuro.
Seria motivador aperceber-me que as progressões na carreira ocorreriam por mérito de acordo com o tempo de serviço e com as prestações de provas. Na minha opinião o Processo Avaliativo devia  ser apenas obrigatório, sempre que pretendêssemos mudar de escalão ou índice, não devendo haver penalização no restante processo da carreira docente. Fora desse período de mudança de escalão, a escola poderia emitir uma avaliação simbólica, sem as burocracias subjacentes ao processo de Avaliação de Desempenho.
Com esta actual “obrigatoriedade” de pedir aulas assistidas, uma vez que ela é inserida no processo de graduação, sendo que aos candidatos que tiverem nota de Muito Bom e Excelente  é-lhes acrescidos 2 e 3 valores respectivamente. Considero que um ou dois valores a mais na média poderá ter um significado enorme, podendo resultar na perda de alguns lugares na lista de colocação a concurso, o que nos dias que correm pode ser a diferença entre ficar a 100km ou 400km de casa.
 A competitividade da sociedade actual começa a passar progressivamente para o Ensino, reflectindo-se em divisões guerrilhas internas para conseguir uma simples menção de Muito Bom ou Excelente.
Deixo aqui uma questão dos colegas que trabalham em escolas com alunos problemáticos com realidades sociais difíceis, serão avaliados da mesma forma que um colega que trabalhe numa escola modelo.
As realidades sociais são heterogéneos e multifacetadas, sendo preciso ter em conta todos estes factores, aquando do processo Avaliativo, pois só dessa forma se processará uma Avaliação Justa

sábado, 9 de outubro de 2010

A República é o que está a dar!

Múltiplas instituições públicas e privadas, com fins políticos, culturais, académicos ou simplesmente mercantis, ao longo deste ano de 2010, têm desenvolvido variadas iniciativas que visam evocar o centenário da República. Proliferam, por este país fora, comunicações e congressos, exposições e publicações de livros alusivos ao tema, representações de história viva, programas de rádio, séries de ficção televisiva e documentários, e até competições desportivas, festas, banquetes e bailes são abençoados com o nome da República.
Creio bem que tudo isto não é censurável. E será até aceitável e talvez recomendável. No entanto, no meio de tanto ruído eufórico e, porventura, de alguma encenação «barroca», receio bem que se perca de vista dois assuntos essenciais relacionados com o passado e o futuro da República.
Primeiro, o chamado período da propaganda republicana (anos 40 do século XIX até 1910) encontra-se, de facto, muito bem estudado por historiadores como Fernando Catroga e Amadeu Carvalho Homem, para citar apenas dois que pertencem à Universidade de Coimbra. Contudo, receio que, no meio deste fogo-fátuo e de tanta (e, em vários casos, duvidosa) publicação de títulos, continuem por fazer e editar obras de investigação historiográfica de grande fôlego e verdadeiramente inovadoras sobre o regime republicano balizado entre a revolução de 5 de Outubro de 1910 e o golpe militar de 28 de Maio de 1926. A prometida síntese monumental sobre o tema (em que, aliás, tive a honra de colaborar com os verbetes «Fátima» e «António Machado Santos») – o Dicionário de História da Primeira República e do Republicanismo — parece ainda estar a ser lavrada e tarda em ver a luz do dia. E julgo serem demasiados os temas e as questões nas áreas da história política, da história religiosa, mas também nos domínios da história da educação e da história económico-social a necessitarem de ser desbravados e mais bem esclarecidos a partir de uma sistemática inventariação e interpretação de novas e velhas fontes.
Daí decorre que alguns historiadores e, o que é lamentável, os opinantes profissionais mais mediáticos da nossa ágora se percam em exercícios de reflexão demasiado especulativa e desactualizada, que, em muitos casos, enfermam de preconceitos e juízos de valor político-ideológicos ou até de outras razões mais crípticas de carácter psicanalítico ou mercantil. Desconfio, por isso, que tais atitudes esvaziem a sempre problemática análise histórica da sua necessária objectividade e não contribuam para um melhor esclarecimento do assunto tratado. Pior: suponho mesmo que essas intervenções possam até semear a confusão nos espíritos de muitos cidadãos.  Por outro lado, importa ainda enfatizar que se perdeu também uma oportunidade irrepetível para criar um verdadeiro «Museu da República» (recordo que hoje apenas temos o Museu da Presidência da República, que é, afinal, um museu com desígnios diferentes): um espaço cívico, cultural, académico e didáctico, preparado para traçar, de forma pedagógica e historiográfica (portanto, não redutoramente apologética), os trajectos da(s) nossa(s) República(s) através do recurso às suas prolíficas fontes, onde, aliás, abunda uma fascinante documentação imagética.
Em segundo lugar, será que caminhamos para o fim da República democrática e social no preciso momento em que discutimos apaixonadamente — e esterilmente (e anacronicamente) — se a República procedente da revolução do 25 de Abril de 1974 é herdeira directa da Primeira República oriunda da revolução de 5 de Outubro de 1910? Ou se a Primeira República foi demoliberal ou ditatorial, tolerante ou intransigente, laica ou jacobina, socialista democrática ou burguesa e anti-sindicalista, comedida ou esbanjadora do erário público?
Certo é que, quando soçobrou a Monarquia Constitucional, sobretudo as massas urbanas devotaram-se ao messiânico ideário republicano; quando tombou a Primeira República, muitos foram os que acreditaram (ou foram coagidos a confiar) nos milagres do «fascismo português»; quando o Estado Novo naufragou, o povo fiou-se nas panaceias socialista democrática, social-democrata, comunista ou democrata-cristã. Mas hoje parece já nada restar dessas ideologias. Ou melhor, no meio deste aterrador vazio ideológico, resta-nos inculcar a ladainha inconsequente dos economistas neoliberais anafados e fartamente reformados, que pelo menos durante os últimos 30 anos dominaram as instituições estatais, empresariais e financeiras nacionais, e só agora, «no fim do jogo» é que «previram» o colapso financeiro do Estado (!). Resta-nos, portanto, aceitar brutais planos de austeridade que nos conduzem, inexoravelmente, à recessão, ao desemprego e à miséria. E, enquanto Portugal sucumbe paulatinamente, resta-nos bradar mais uma vez o velho slogan socialista soarista «A Europa Connosco» — esperando talvez que os inimputáveis Durão Barroso, Angela Merkel, Jean-Claude Trichet e Vítor Constâncio sejam por uma vez tocados pela delicodoce fraternidade europeia e, a bem do povo, extirpem os pecados veniais cometidos no país, nos últimos anos.
5 de Outubro de 2010
Luís Filipe Torgal


Texto publicado no Jornal Folha do Centro e no blogue de Paulo Guinote "A educação do meu umbigo"



domingo, 3 de outubro de 2010

De 2010 a 1910, passando por 1810!!!!

Nos dias que correm o centenário da República tem dominado as temáticas desenvolvidas pela imprensa nacional. O 5 de Outubro de 1910 promoveu a transição de regime político da Monarquia para República.
Não me vou imiscuir na passagem, entre este dois Regimes Políticos e as controversas opiniões decorrente do processo de transição, assim como as suas vantagens e desvantagens.
Durante o centenário da República, Portugal viveu períodos conturbados, desde o sem número de governos da fase inicial da sua implementação, até à ditadura vivida entre 1926 e 1974, culminando nas medidas de austeridade descritas recentemente pelo actual governo.
De acordo com a crónica de Octávio dos Santos, numa crónica  do jornal Público do dia 27 de Setembro, o Estado Português criou a uma Comissão Nacional para a Comemoração do Centenário da República com um orçamento de 10 milhões de euros.
De algum modo, percebe-se o ênfase dado às comemorações de uma data marcante, suscitando interpretações mais aprofundadas sobre um período para muitos, principalmente os mais jovens , totalmente desconhecido.
No entanto, considero intrigante observar os gastos supérfluos do nosso Estado, que apresenta a mania das grandezas, transparecendo ideologias políticas manipuladoras e demagógicas, preocupando-se excessivamente no ganho de preponderância.
Os jogos do empurra e as constantes ameaças de uma crise política, caso não se aprove o orçamento de Estado, intrigam-me pois estou no início da carreira profissional e não consigo confiar nos nossos governantes que mudam constantemente o seu discurso, de acordo com as conveniências temporais, ou seja as medidas tomadas antes e após o período eleitoral.
Lamento que a imprensa se cinja ao desenvolvimento de temática mediáticas que lhe concedem preponderância no que concerne à audiência, fazendo pouca referência ao bicentenário da batalha do Bussaco que se comemorou no passado dia 27 de Setembro. A Batalha do Bussaco pode-se considerar, uma das mais importantes vitórias das tropas aliadas(portugueses e ingleses), que culminou em 1811 com a retirada dos Franceses do território português.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Digestões laboriosas

Depois do banquete de austeridade organizado pelos nossos incumbentes e degustado pelos famintos comentadores, confesso-me de pança cheia, a precisar de algo para a azia.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Profecias

Há uma fenómeno que me intriga particularmente: o das profecias auto-realizadoras, ou seja, quando uma previsão se torna realidade por acção do «profeta».
Questiono-me se os problemas com a dívida pública portuguesa, agravados com os sucessivos aumentos de juros decretados pelos «naturalíssmos» mercados, não se poderão inscrever neste rol de profecias.
Quando (e se) Portugal entrar em incumprimento (o célebre «default» de que os loquazes de economês fluente tanto falam, mesmo os de língua portuguesa) tal não se deverá, precisamente, não a um descalabro provocado por uma evolução económica negativa catastrófica (que não temos), mas antes a uma canga acrescida pelos juros inflacionados por quem teme o dito... default?

A economia pouco ou nada tem de natural, de «deus ex machina». É uma construção social. Mas nada disto importa...

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Coisas dos Tempos que Correm

Após uma inadmissível penumbra na minha participação neste projecto superiormente mantido pelo Tiago, eis que agora regresso à escrita. Com impressões dos dias, da espuma dos dias e das questões que mais nos afectam.
1) A União Europeia é uma sombra da sua retórica. Sarkozy não se deixa ficar atrás de um certo político italiano que o pudor me impede de recordar e, vai daí, expulsa estrangeiros, preferencialmente membros de uma comunidade específica: ciganos, é verdade. Dizendo isto, adianto desde já que não entro numa certa lamechice afectada de defesa intransigente dos ciganos. Como a muita gente, incomodam-me os hábitos marginais voluntários etnicamente «justificados», uma inaceitável violação de direitos dos membros da própria comunidade (casamentos forçados, endogamia imposta, impedimento de se ir à escola, etc.) e presunção de que podem estar algures apenas com as regras que ditam para si (e para os outros, por arrastamento, sempre que há contacto intercultural). Daí que as opções de tipo comunitarista sejam essencialmente erradas e potenciadoras da marginalização das próprias minorias, não fomentando uma efectiva integração multicultural sustentada na ideia imprescindível da universalidade de direitos. O que quer dizer que se um cigano cometer um crime deve ser punido pela lei geral e não por uma lei particular, o mesmo sucedendo a um não-cigano.
Dito isto, importa agora perceber que apesar de a Roménia ainda não estar plenamente integrada no espaço Schengen, esta expulsão selectiva colide com os princípios do projecto europeu e agride a memória colectiva, num continente que também foi de totalitarismos, de pogrons e do racismo como política de Estado. De genocídios e de fanatismos vários. Não são estes os valores que animaram os propósitos europeístas.
Quer o exposto dizer que os problemas reconhecidos às comunidades ciganas têm de ser solucionados sem estes impulsos populistas em que Sarkozy se notabilizou. Como? Sinceramente, não sei, mas não me agrada esta abordagem evocativa de práticas passadas. Até porque uma vez aberta a Caixa de Pandora...
2) O Requiem pelo neoliberalismo foi manifestamente precipitado. No início da crise financeira-económica-social os intelectuais, políticos e cidadãos de esquerda julgaram estar a reviver o início de uma nova fase (tal como após 1929) pautada por mais apertadas regulações económicas e financeiras, por um regresso necessário do social e do Estado, enfim, por uma ordem internacional economicamente domesticada. Dito de outra forma, pela domação da globalização e pelo ocaso do neoliberalismo. A esperança era, como é, justificada, nomeadamente pelos efeitos devastadores da crise, pelas fraudes imensas a coberto da mão-(in)visível e do mito da auto-regulação. Sobretudo, porque chegara Obama à presidência, bem mais keynesiano do que muitos sociais-democratas europeus e do que a monetarista União Europeia.
Quem duvida, hoje, que os tempos que vivemos mais do que um regresso ao paradigma social, reforçaram os mecanismos socialmente regressivos do neoliberalismo: controlo orçamental obsessivo; redução das prestações sociais quando elas são mais necssárias, multiplicação de fora de economistas neoclássicos nos medias para preparar as mentes no elogio da austeridade (assimétrica).
3) Uma avaliação dos ODM. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio pretendiam reduzir substancialmente a pobreza e melhorar os indicadores de saúde e educação das regiões mais pobres. Segundo as Nações Unidas, as acções no âmbito dos ODM evitaram a morte a várias centenas de milhões de pessoas. O esforço é de louvar, mas não será angustiante festejar? Os problemas do subdesenvolvimento aí estão para durar, zombando das metas dos ODM (o programa apontava para o ano de 2015). Já repararam como uma catástrofo natural mostra a fragilidade destas conquistas: as monções do Paquistão, as secas no Corno de África, o banditismo de Estados falhados (Somália), a ignorância/fanatismo religiosos no Darfur mostram-nos que a condição humana é coisa pouco apreciada em muitos lados...

domingo, 12 de setembro de 2010

O Professor Jerónimo Sanches Pinto

Na passada semana com a preciosa ajuda da minha namorada calcorreámos os meandros dos rios Alvoco e Alva, que escondem uma beleza asfixiante, apenas sentida quando se cheira, absorve os seus aromas e a cultura das suas gentes.
A visita começou em Avô, uma vila muito bonita, localizada junto às margens do rio Alva, estava frio e uma humidade intensa no ar. O início do périplo em Avô ocorreu devido a um dos temas a desenvolver na tese de mestrado ser a extracção de minério pelos romanos, sendo Avô um dos expoentes da passagem romana no concelho. O expoente máximo é sem dúvida a Bobadela, que nessa altura era equiparável a localidades como Aeminium (Coimbra) e Conimbriga (Condeixa).
Após questionarmos alguns transeuntes que passavam decidimos ir à junta de freguesia local, onde nos indicaram a casa do professor Jerónimo Sanches Pinto.
Chegados à casa do professor, tocámos levemente à campainha com receio de podermos importunar uma pessoa que nos foi dito já deter uma certa idade. O professor abriu-nos a porta e após termos explicado o fim da nossa visita expressou um sorriso sincero e humilde. Pediu-nos uns minutos aparecendo pouco depois com um conjunto de livros sobre a cultura e as gentes de Avô que ele citou com uma naturalidade e entusiasmo contagiantes. O diálogo prosseguiu com uma leveza não transparecida nos seus 91 anos de idade, sabe bem conversar com uma pessoa que dá valor à sua terra, onde criou raízes e conhece como ninguém. Aprecemo-nos da emoção que latejava da sua face à medida que soletrava poemas de Brás Garcia de Mascarenhas ou expunha o imenso trabalho que realizou em prol da valorização da sua freguesia.
Nestas alturas constato que no Mundo de hoje, já não há pessoas destas que se abrem de uma forma tão espontânea, sincera o seu coração e transparecem uma ligação de amor e valorização de um património que eles consideram seu. Devido à tristeza de observar que o seu trabalho não teve a continuidade desejada observou com uma alegria adicional a nossa visita.
Durante os momentos da conversa que enveredou por uma extensa diversidade de caminhos, questionámo-lo sobre a localização dos principais vestígios romanos, indicando-nos imediatamente a localização de duas calçadas romanas: uma com destino à Aldeia das Dez e outra a Foz de Arouce (freguesia do concelho da Lousã) e Aeminium (Coimbra). Denotámos no seu olhar e nas suas palavras a mágoa que devido à sua idade avançada, assim como a doença que exaspera a sua esposa, que infelizmente conduziu para uma cadeira de rodas e para a necessidade de uma atenção permanente, não nos poder mostrar pessoalmente a riqueza do património que subsiste na sua vila.
A viagem prosseguiu com o reconhecimento das duas calçadas romanas inferidas pelo professor onde lamentavelmente denotámos a inexistência de qualquer sinalização mais detalhada que pudesse transparecer a importância daquelas pedras lacrimejadas no solo possivelmente por escravos romanos para servir o seu poderoso império. A única indicação observada foi num dos troços o nome da rua designar-se “Estrada Romana”.
Nesta fase o céu começava a escurecer e os aguaceiros já encobriam a bonita Serra do Açor. Fomos almoçar a Aldeia das Dez onde apesar do frio e da chuva pudemos observar a bela paisagem circundante. É nestas alturas, que apetece que o tempo pare por momentos e nos deixe inspirar e contemplar a magnificente paisagem que nos rodeia.
Após o almoço deslocámo-nos para o cerne da minha tese de mestrado, o vale do rio Alvoco que vai desaguar no rio alva, na Ponte das Três Entradas, nascendo na Serra da Estrela junto a Alvoco da Serra. Deslocámo-nos em direcção a Vide local onde eu sabia da existência de conheiras, ou seja locais planos onde os romanos faziam outrora a lavagem do xisto e quarzito para uma posterior extracção do ouro. A observação dos conhais é ainda possível pois a área em causa não sofre a influência humana, sendo ainda possível observar os amontados de pedras deixados pelos romanos após procederem à sua lavagem.
Este é um local que eu terei que voltar futuramente, investigando-o com mais atenção e pormenor. Desta forma deixo o meu primeiro testemunho sobre a presença romana no vale do rio Alvoco e Alva que teve como personagem principal o professor Jerónimo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"O leitor sem qualidades"

Com este post não pretendo demover e aprofundar um tema que eu não domino particularmente. Aliás na imensidão de informação que nos circunda diariamente torna-se difícil conseguirmos estar continuamente actualizados ou dizermos que sabemos tudo sobre algum tema. É nisso que se encontra a beleza da ciência e do saber.
Na Geografia assim como na vida é cada vez mais importante a versatilidade e a polivalência, sem descurar a competência e o rigor profissional. O que me incentivou a realização deste texto foi João Ventura e o seu blogue “O leitor sem qualidades”. Apesar de estar longe de me considerar especialista em literatura apercebo-me e dou o devido valor a um texto bem escrito e elaborado.
Este blogue surgiu-me aquando as minhas pesquisas sobre o escritor chileno Bolaño, que me suscitou interesse conhecer devido à sua origem, America Latina( espaço tão controverso e polémico) o tipo de escrita e temas tratados. Tinha curiosidade em saber um pouco mais sobre ele, aquilo que ele escrevia e o modo como o fazia. Fiquei positivamente surpreendido. Recentemente recebi de duas pessoas que eu muito prezo um dos seus livros mais afamados “2666”.
Não posso dizer que goste de um estilo literário em particular porque, considero que leio pouco o que me impede de ter uma ideia formalizada. Posso dizer que me atraem livros com uma mensagem, onde consigamos aprender algo de útil sobre nós e o mundo que nos rodeia(ou).
A literatura portuguesa é muito vasta e apresenta escritores com muita qualidade, no entanto vou salientar dois escritores que têm como primeiro nome José: José Saramago e José Luís Peixoto.
Esta escolha ocorreu devido à simpatia que nutro pela escrita de José Luís Peixoto, difícil, bela e envolta em pensamentos de tristeza e nostalgia. Na escrita de José nós encontramos a ligação com a realidade que vivemos de uma forma figurada mas presencial. Para a concretização da minha opinião transcrevo duas frases inferidas no romance Nenhum olhar: “(…) talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez grosso modo caia em cima de uns e pouco ou nada em cima de outros(…)” “ (…) talvez os homens sejam pedaços de caos sobre a desordem que encerram(…)”. As frases podem ter várias interpretações ou significados, induzindo para os problemas que se reflectem na sociedade actual.
O Romance de “Nenhum Olhar” ganhou em 2001 o prémio José Saramago, uns dos mais importantes da literatura portuguesa. José Luís Peixoto é uma das promessas da literatura portuguesa e um possível sucessor de José Saramago. Para terminar cito uma frase de José Saramago sobre José Luís Peixoto: “O José tem que pensar na sua obra”.

domingo, 20 de junho de 2010

Fim de Emisão

Vivemos numa sociedade dicotómica, num país onde a subdivisão entre o litoral e o interior se demonstra cada vez mais evidente.
O concelho de Oliveira do Hospital, situado a cerca de 30 quilómetros do sopé da serra da Estrela tem conhecido um progressivo afastamento da sua massa crítica para os grandes centros urbanos que oferecem uma maior diversidade e qualidade de empregos.
Um processo natural que infelizmente não é fácil de contrariar.
É consequência de todos estes factores, que observei com desagrado, o fim da edição em papel de uma das referências jornalistas do meu concelho “O Correio da Beira Serra”.
Considero o "Correio da Beira Serra" uma voz activa que defende os interesses dos cidadãos, demonstrando o empenho na divulgação de ideias que depreendem um caminho mais sustentável, que promove o desenvolvimento e resulta numa maior atracção de mão de obra qualificada para o concelho.
Digo-o pela qualidade dos textos apresentados que sustentam a minha ideia que a democracia, perde a sua força quando não tem uma voz activa sustentada e com qualidade dos eleitores.
Li as diversas publicações do jornal, com a atenção permitida por uma vida profissional atarefada, das quais realço dois textos, um descrito por Luís Torgal que aborda as problemáticas da educação em Portugal e outro de António Campos que mediante a sua experiência europeia como eurodeputado refere-se às mentalidades.
Infelizmente a qualidade paga-se e neste meio por vezes nem todos estão acessíveis e receptivos a percebe-la, aceita-la e desembolsar algum dinheiro por ela.
Fica aqui o meu desejo que a edição mantenha o modo digital  e o formato em papel volte às bancas brevemente. Na minha opinião o ego de Oliveira teria a ganhar com isso.
Deixo aqui o endereço do Jornal para quem queira conhecer um pouco do concelho de Oliveira do Hospital:  http://www.correiodabeiraserra.com/ 

Leiam não se irão arrepender!!!!!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Este visual, Tiago e Rui, é de profissionais. Um blogue com apresentação magnífica. E é nesta altura que me sinto ainda mais envergonhado por escrever tão pouco. Espero que após esta fase insana das reuniões e avaliações possa escrever umas linhas que me permitam salvar, um pouco, a face.

domingo, 6 de junho de 2010

O documentário "Ruínas"

Manuel Mozos, cineasta português e autor do documetário "Ruínas" distinguido o ano passado em França no Festival Internacional do documentário de Marselha.
Este documentário premiado no Festival de Cinema Índie de Lisboa em 2009 apresentou a seguinte sinopse:
"Fragmentos de espaços e tempos, restos de épocas e locais onde apenas habitam memórias e fantasmas. Vestígios de coisas sobre as quais o tempo, os elementos, a natureza, e a própria acção humana modificaram e modificam. Com o tempo tudo deixa de ser transformando-se eventualmente numa outra coisa. Lugares que deixaram de fazer sentido, de serem necessários, de estar na moda. Lugares esquecidos, obsoletos, inóspitos, vazios. Não interessa aqui explicar porque foram criados e existiram, nem as razões porque se abandonaram ou foram transformados. Apenas se promove uma ideia, talvez poética, sobre algo que foi e é parte da(s) história(s) deste País."
Ainda não consegui ver este documentário, no entanto estou curioso, pois retrata um dos grande problemas do Portugal, o crescente número de casas abandonadas e em ruínas, assim como um património ou legado que começa progressivamente a ser esquecido.
A imagem de apresentação não poderia ser mais bem escolhida, o antigo Hospital, localizado junto às Penhas da Saúde, um monumento digno desse nome que se encontra literalmente ao abandono na vertente leste da Serra da Estrela.
Deixo aqui o mote caso quem conhecer o documentário fale-me um pouco dele.


Cliquem no título para verem o trailler!!!

sábado, 15 de maio de 2010

Portugal e a União Europeia

Lisboa retrata um Portugal Moderno, das oportunidades, da Liberdade, no entanto também da desigualdade e da diferença. Lisboa é cada vez mais uma sociedade cosmopolita que apresenta uma ligação cada vez mais evidente com os principais pólos urbanos Europeus e Mundiais.
Lisboa enquadra-se cada vez mais no Mundo Global, onde os conceitos de Crescimento e Desenvolvimento, são tão próximos mas ao mesmo tempo tão distantes.
Actualmente basta ligar a televisão ler os jornais, sairmos à rua para nos apercebermos das mudanças que latem diariamente em Portugal. Habitamos num Mundo onde informação circula a um ritmo alucinante, tudo se sabe, há a generalização da democracia, no entanto sentimo-nos cada vez menos autónomos. Vivemos numa sociedade por vezes um pouco ingrata.
A Urbanização, a Terciarização, a entrada na União Europeia trouxeram um consequente aumento da literacia, um Portugal mais moderno e desenvolvido. No entanto este incremento da liberdade social e económica trouxe inúmeras desvantagens, pois não conseguimos ser autónomos e gerir convenientemente o "nosso" dinheiro. Portugal e os portugueses passaram a ter mais dinheiro ou pelo demonstram-no, no entanto são menos auto-suficentes e autónomos, como retrata o défice e o endividamento das famílias. Cada um deveria viver de acordo com as suas potencialidades.
Na sociedade neoliberal que vivemos as Grandes Forças Económicas como as Multinacionais, Bancos, Empresas de Rating  controlam os mercado, conduzindo as economias mais débeis a situações complicadas, que conduzem muitas vezes à subjugação e ao controlo da economia. Infelizmente é o que está a acontecer com a Grécia, esperemos que tal situação não chegue a Portugal.
Para a saída da crise precisamos de Europa Unida, onde haja um consenso, pois só dessa forma podemos fortalecer o Euro e evitar o efeito dominó da crise grega. Portugal deve agir rápido, de uma forma austera mas eficaz.
Vamos estar atentos à situação económica e social  Portuguesa, Europeia e Mundial!!!!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

(Des)União Europeia

No próximo dia 9 de Maio comemorar-se-á mais um dia da Europa. Sou europeísta e agradam-me as soluções federalizantes, pelo que é através desta declaração de intenções que deverá ser lida a reflexão que se segue.
A União Europeia é, talvez, o único projecto político dos dias de hoje que vale realmente a pena. Se outros méritos não tivesse, bastar-me-ia o facto de ter sido a garantia de paz entre os países da Europa Ocidental. Simultanemamente, é um tema interessantíssmo para se estudar e as implicações das decisões europeias têm mais impacto nas nossas vidas do que comummente se pensa.
Apesar de tudo, a UE dá, frequentemente, um triste espectáculo de desunião, mesquinhez e que ainda se guia mais pela balança dos egoísmos nacionais do que por outro qualquer sentido à altura das responsabilidades europeias e dos próprios objectivos confessados em vários documentos. O evoluir desta crise será o mais recente exemplo deste decepcionante «cada um por si» que o monetarismo do BCE e da Alemanha impõe para a manutenção teimosa da rigidez dos PEC's para salvaguardar um EURO que, tal como está, vai interessando cada vez menos aos países do Sul.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cal


Outrora nas minhas leituras de Verão, li “Cal” de José Luís Peixoto que me suscitou interesse e me fez reflectir sobre a sociedade, o envelhecimento da população


No nosso Mundo mais concretamente nos designados países desenvolvidos, onde se inclui naturalmente Portugal o conceito de envelhecimento tem sido cada vez mais referenciado por uma multiplicidade de razões.

Neste livro de crónicas intitulado Cal por José Luís Peixoto, este descreve a rugosidade e o saudosismo de vidas envelhecidas pelo trabalho e pelas dificuldades insurgentes da dureza de outros tempos. Pessoas que envelhecem e sofrem actualmente as incompreensões e injustiças de uma sociedade, de um país que os esquece e não lhes concede o devido valor.

As consequências de tudo isto são diversas e sujeitas a várias interpretações. Presenciamos situações em que a mobilidade está cada vez mais patente, é cada vez mais fácil deslocarmo-nos, mobilizarmos informação entre espaços longínquos em segundos. Actualmente podemos ascender socialmente se trabalharmos ou estudarmos, caminhando-se para um maior bem-estar, qualidade de vida e um consequente aumento da esperança média de vida.

O envelhecimento apresenta-se como o resultado desta evolução social, tecnológica, saúde, educação…

No entanto nem tudo é positivo pois o aumento da riqueza conduziu a desequilíbrios cada vez mais acentuados, promovendo a criação de uma sociedade narcisista que por vezes se esquece dela própria. Observam-se cada vez mais casas vazias, o esquecimento de pessoas que nos são próximas pelo simples facto de já não nos serem úteis. Posso não estar correcto mas sinto que actualmente a palavra solidão ganhou uma outra profundidade.

As pessoas idosas perdem cada vez mais o simbolismo que detinham num passado recente onde havia um outro respeito e atenção pelas pessoas de idade. Não me estou apenas a falar daqueles que são esquecidos em lares ou hospitais, mas também os que são burlados por pessoas sem princípios nem valores morais.

Não há melhor cura para uma doença do que sentirmo-nos a presença de alguém que gostamos próximo de nós.