As origens
O poeta que inspira estas palavras
nasceu em 8 de Março de 1911, em Tábua, concelho que já durante a I República
se encontrava integrado no distrito de Coimbra. Faleceu em Oliveira do
Hospital, em 25 de Abril de 2009, com 98 anos.
Cid
Teles era filho do poeta Manuel Madeira Teles (1872?-1945), funcionário das
finanças que teria privado com o poeta António Nobre (1867-1900), e da pianista
Alzira de Matos Cid Teles (1872?-1945). As notas biográficas referem habitualmente
a existência de uma irmã, Inácia, mas Maria Heloísa Santos, da Bobadela (em
entrevista gravada), menciona quatro irmãos, que teriam falecido primeiro:
Inácia, Heloísa, Maria Rita e Luís (trata-se, porém, de uma informação que não
conseguimos comprovar). Sublinhe-se que Maria Heloísa Santos teria ido para a
Quinta da Coitena, por volta dos três anos, aí permanecendo a trabalhar até aos
27. Foi nesta quinta que, após a morte dos pais, em 1945, Cid Teles teria
passado a viver, em conjunto com um tio.
Quinta da Coitena(Oliveira do Hospital)
Manuel
Cid Teles teria sido um fruto extemporâneo, não sendo um nascimento previsto
pelos pais. Ele próprio escreveu, na obra Farrapos
da minha vida:
Por
um engano fatal
Na
verdade ao mundo vim.
Nem
minha Mãe nem meu Pai
Esperavam
já por mim.
A respeito do seu mês de nascimento,
escreveu, por exemplo, o soneto “Março”, que integrou na obra Canta cigarra, canta! A primeira quadra
pode ajudar-nos a compreender um pouco melhor o modo como o próprio poeta se vislumbrava:
Eu
gosto do meu mês, vário, inconstante,
Que
ri agora e logo se entristece,
Que
tanto nos enregela como aquece,
Que
é desabrido e meigo num instante.
Manuel Teles Cid (nome de baptismo)
adoptou o pseudónimo de Manuel Cid Teles na obra As minhas quadras, editada em 1932, quando tinha 21 anos. Este
facto pode ajudar-nos a compreender as palavras do poeta, quando redigiu os
seguintes versos, datados de 31 de Maio de 2006, e integrados nos Farrapos da minha vida: “Nem a morte
há-de vencer / Dois que apenas um só são. Pode morrer o Teles Cid, / O Cid
Teles é que não!”
Quando
Cid Teles nasceu (1911), a I República levava apenas cerca de cinco meses de
existência. De acordo com o censo geral da população portuguesa realizado em 1
de Dezembro de 1911 e divulgado em 1913, no ano em que Manuel Cid Teles nasceu,
o concelho de Tábua possuía um total de 17.533 pessoas, sendo 7.503 do sexo
masculino e 10.030 do sexo feminino. Nesse mesmo ano, o concelho de Oliveira do
Hospital possuía um total de 27.242 habitantes, sendo 12.258 homens e 14.984
mulheres. Nesse ano, o censo contou 5.960.056 “habitantes de facto” em
Portugal, o que representava um aumento absoluto de 36.972 habitantes, em
relação ao último censo (1864). A taxa de analfabetismo em todo o país rondaria
os 75%.
Tábua era à época uma região
periférica do país, afastada dos grandes centros de decisão, um pouco à
semelhança da restante região das Beiras, que parece ter marcado, de modo
decisivo, a identidade de Cid Teles. O poeta escreverá mesmo um soneto,
intitulado “Canta”, onde convida o leitor a visitar aquela região situada,
grosso modo, entre o Douro e o Mondego. Estes excertos fazem parte da obra Farrapos da minha vida:
Não
conheces a Beira? Pois então
Faz
as malas e vem por aí fora,
Que
tens ao teu dispor o casarão
Da
velha quinta onde vivo agora.
Não
hesites e vem, que a ocasião
Não pode
ser melhor, mesmo que embora
A Beira
Alta tem, quem o ignora?
Um novo
encanto em cada estação.
É
Primavera: os prados e os pinhais
Estão em
flor, há urzes e tojais,
Giestas,
rosmaninhos e afinal
Seria
um crime até, se não viesses,
Tu que
amas a beleza e desconheces
A mais
bela região de Portugal!
Apesar
de ter nascido em Tábua, devido à situação profissional do pai (funcionário das
Finanças), a família Teles foi obrigada a deambular por várias regiões do país:
Grândola, Santiago do Cacém, Montijo, Viseu… Ora, este nomadismo irá marcar
profundamente o poeta, na medida em que dificultará a criação de laços de
amizade com outros jovens da sua idade e motivará o seu contacto precoce com os
adultos. Circunstâncias que também nos permitem compreender a sua precoce
maturidade e, em certo sentido, o seu prematuro interesse pela poesia.
Nas
conversas que travei com Cid Teles, já nos últimos anos da sua vida, quando ele
residia no lar da Fundação Aurélio Amaro Diniz, em Oliveira do Hospital, era
evidente a importância que o poeta concedia à família biológica, em especial
aos pais e à irmã Inácia Cid Teles, também ela uma poetisa. A título póstumo,
foi publicada a obra de versos Nada torna
a voltar, na portada da qual o poeta escreveu as seguintes palavras: “Eu
sempre [fui] para Ela como um filho muito querido e a Morte ao levar-ma deixou
em mim e na Vida que me resta para viver, um vazio que jamais nada nem ninguém
poderá preencher!”
À
época das nossas conversas (2007-2009), já tinham falecido todos os familiares
directos de Cid Teles, mas este convocava-os amiúde para o meio de nós, um
pouco à semelhança da saudade que parecia alimentar em relação à infância. Ou pelo
menos a uma certa infância, à qual regressava ciclicamente, num permanente
exercício de recordação e reconstrução da suposta “idade do ouro”.
No
soneto “Sonata ao luar”, dedicado à sua prima Heloísa Cid e integrado na obra Canta cigarra, canta!, Manuel Cid Teles
recordou a sua mãe:
Da “Sonata ao
Luar” o piano exala
Doce
lamento, e logo na lembrança
Eu retorno
aos meus tempos de criança,
E em nossa
casa corro até à sala.
Ao piano,
a minha Mãe. Poder pintá-la!
Jovem e
bela, artista por herança,
Com
sentimento, arte e segurança
Ao piano
dá o choro, o riso e a fala.
No meu
quartito estreito e já deitado,
Eu
escutava esse murmúrio alado
E nunca o
esqueci p’la vida além…
Que da
“Sonata ao Luar” a suavidade
Sempre
lembrar me faz – com que saudade!
A nossa
sala, o piano e a minha Mãe…
E
ainda sobre os pais, dirá, na obra Farrapos
da minha vida:
Tendo
embora um triste fado,
Nascer
p’ra mim foi um bem,
Por
ter tido o Pai que tive
E
por mãe a minha Mãe.
De acordo com as informações que me
foram transmitidas por Maria Heloísa Santos, da Bobadela, após a morte dos
progenitores, em 1945, Cid Teles teria enfrentado várias dificuldades, chegando
mesmo a passar fome. Depois, teria ido viver para junto do seu tio, na Quinta
da Coitena, na Bobadela, freguesia de Oliveira do Hospital. Tratava-se do
terratenente José Madeira Teles (1873-1956), um fervoroso adepto da Monarquia e
um posterior defensor do salazarismo.
A
Quinta da Coitena parece ter exercido um papel nevrálgico na Bobadela, sendo
que, na notável obra Enquadramento Histórico e
Toponímia. Concelho de Oliveira do Hospital, Francisco Correia das Neves associa
este topónimo “Coitena” a um “local privilegiado ou defesa ou coutada”. Maria
Heloísa Santos confirma esta asserção, dizendo que na memória popular sempre
circulara o rumor segundo o qual, na época da Monarquia Constitucional, quem
pretendesse ficar “livre” do serviço militar deveria pedir protecção ao senhor
da Coitena.
Importante
terratenente, José Madeira Teles era irmão do pai de Cid Teles, Manuel Madeira
Teles. Apesar de nunca ter contraído matrimónio, José Madeira Teles viria a ter
um filho, ao qual acabaria por deixar os bens. À morte do tio, Cid Teles ficou,
porém, com o usufruto da casa e de duas fazendas, com a obrigação de zelar pela
sua manutenção. No entanto, segundo alguns testemunhos, as relações entre Cid
Teles e o tio nem sempre terão sido pacíficas.
Outra
das personalidades marcantes da vida de Cid Teles foi a sua irmã, Inácia,
constituindo a sua morte um dos acontecimentos dramáticos da vida do poeta, que
lhe dedicou o soneto “Alguém”, inicialmente integrado na obra Sou como sou:
De
faces brancas como as açucenas,
Olhos azuis do fluido azul dos céus,
As mãos esguias, leves como véus,
Se afagam chagas, aliviam penas.
De cílios magoados quais verbenas,
De barbas loiras como os Galileus,
Dirão os crentes: tu descreves Deus!
E num sorriso lhes respondo apenas:
Se o homem foi à Sua imagem feito,
O que na semelhança é mais perfeito
Dentre os outros perfeito sobressai.
E assim um Deus num outro Deus confundo,
Vejo um no Céu e o outro neste mundo,
Na
figura sublime de meu Pai!
Já
no seu livro Canta cigarra, canta!,
Cid Teles consagrou outro soneto à
memória da irmã. Tem o sugestivo e dramático título “Ela partiu”:
Ela partiu para não mais voltar,
No mais frio e cinzento amanhecer,
E já sem voz p’ra me poder dizer
A mágoa que sentia em me deixar.
Ela partiu deixando-me a penar
A mágoa sem remédio de a perder,
E já sem forças para procurar
Outra qualquer razão para viver.
Ela partiu para o distante Além
Onde Deus encontrou, e onde também
De novo se juntou aos nossos Pais.
Gotas d’água deste beiral da vida,
Uma cai, outra cai, e outra em
seguida
A
cair não demora muito mais!
Como um dia escreveu Ortega Y
Gasset, o Homem é o Homem e as suas circunstâncias. Dentre estas, destaca-se a
terra em que se nasce/cresce, a época histórica em que se vive, a família
(educação e genética), a formação cultural (escola, leituras, relações
interpessoais…), para já não falar na sorte ou no azar, que também fazem parte
da vida. Das influências que o poeta recebeu procurarei ocupar-me no próximo
artigo. Até lá, amigo leitor, se ainda não o fez – permita-se-me a ousadia de
um conselho –, vá até à Biblioteca Municipal de Oliveira do Hospital e
requisite uma das obras do nosso poeta. Será, porventura, uma das formas de dar
outro significado aos (cada vez mais raros) períodos de descanso…
Renato
Nunes (renato80rd8918@gmail.com)
2 comentários:
Lamentavelmente, o texto contém várias inverdades histórico - familiares, provavelmente fruto de uma má pesquisa.
Agradeço o seu comentário. Só lamento não ter assinado.
Se tem inverdades históricas pedia que as indicasses pois gostava de ser elucidado. Se não quiser dizer no Blogue pode dizer para o mail do autor ou para o meu mail: tiagobrantuas@hotmail.com.
Grato pela atenção disponibilizada
Cumprimentos
Tiago Sousa
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