Possíveis influências
Não
é fácil identificar as influências de um indivíduo. Ainda assim, o estudo dos
seus percursos, da sua época, das relações interpessoais travadas, da
biblioteca pessoal e dos próprios vestígios que foi deixando, quer nas obras,
quer nas entrevistas concedidas, constituem importantes fontes onde os
investigadores podem beber inspiração. Através do seu cruzamento será possível
traçar uma imagem mais objectiva a respeito dos locais e das pessoas onde o
autor foi colher algumas das influências, que o ajudaram depois a forjar o seu
pensamento e o estilo.
Nos artigos anteriores, ficou
evidente o quão trágico foi para Cid Teles a perda dos pais, em 1945, bem como
a morte da irmã, Inácia, já nos anos 90, do século passado. As constantes
deambulações a que foi sujeito durante a infância, devido à situação
profissional do pai, o contacto precoce com pessoas mais idosas, bem como o
interesse pela poesia ajudam-nos a compreender um certo carácter introspectivo
do indivíduo, bem como a sua permanente nostalgia em relação à idade mítica de
uma infância, que adivinhamos bastante solitária.
A poesia telesiana é atravessada por um inequívoco pendor existencialista e
saudosista. Isto para já não falar nas contradições próprias do poeta, um ser
que se busca, mas que sabe estar condenado a nunca se encontrar. Ora, entre as
possíveis influências literárias do poeta é forçoso destacar os casos de Fausto
Guedes de Teixeira (1871-1940), poeta de Lamego que, em 1932, teria apadrinhado
com um soneto a obra de estreita de Cid Teles, mas, sobretudo, Florbela Espanca
(1894-1930), poetisa que Cid Teles teve oportunidade de conhecer.
Na entrevista que concedeu à Rádio
Boa Nova, em 22 de Setembro de 2006, perante a insistência da jornalista Ângela
Cunha, o poeta radicado há várias décadas no concelho deixou a seguinte
mensagem aos jovens:
Aos jovens, a
mensagem que lhe deixo é que aproveitem a sua vida, que realmente vivam a sua
mocidade e sintam a graça que têm que dar a Deus de estarem jovens, de poderem
ir aqui, de poderem falar, poderem escrever, poderem viver. […] A morte para
mim sempre me horrorizou era enquanto tinha o meu pai vivo, a minha mãe viva, a
minha irmã, as pessoas que eu amava realmente, verdadeiramente… agora depois de
uma certa idade encaro realmente as coisas, a minha idade e realmente até acho
que a morte para mim agora é benfazeja: “Fecha-me os olhos que já viram tudo,
prende-me as asas que voaram tanto” – dizia a Florbela Espanca, que era a minha
vizinha em Matosinhos, casada com o Dr. Mário Lage e que fui eu até talvez um
dos primeiros admiradores de Florbela… Florbela de Alma da Conceição Espanca Lage,
era até o nome dela, que era casada com o Dr. Mário Lage e tudo e isso… agora “Morte,
minha senhor Dona Morte, que bom que deve ser o teu abraço” – eu agora já digo
isso. “Lânguido e doce como um doce laço e como uma raiz, serena e forte. Não
há mágoa nem dor que não conforte tua mão que nos guia passo a passo. Em ti,
dentro de ti, no teu regaço não há triste destino, nem má sorte. Dona Morte dos
dedos de veludo, fecha-me os olhos que já viram tudo, prende-me as asas que
voaram tanto. Vim de agoirama, sou filha de rei, má fada me encantou e aqui
fiquei à tua espera. Quebra-me o encanto” – estes versos e sonetos são da
Florbela Espanca. E que hoje sinto e repito muitas vezes para mim…
As alusões de Cid Teles à poetisa
alentejana Florbela Espanca eram recorrentes, quer durante os diálogos, quer nos
versos que foi libertando. Da biblioteca pessoal telesiana, à guarda da Fundação Maria Emília Vasconcelos, em
Oliveira do Hospital, faz parte, por exemplo, o livro de sonetos Charneca em Flor (edição póstuma, 1931),
onde o poeta eternizou, em 13 de Julho de 1932, o seguinte desabafo: “Que
dia!...”
Florbela
Espanca nasceu, em Vila Viçosa (distrito de Évora), no dia 8 de Dezembro de
1894 e faleceu no dia 7 de Dezembro de 1930, em Matosinhos, sendo sepultada no
dia seguinte, quando completaria 36 anos.
Florbela
Espanca
Em 1913, casou-se com Alberto de
Jesus Silva Coutinho, acabando por divorciar-se (30 de Abril de 1921). Foi
viver para o Porto, onde, uma vez mais, manteve um relacionamento pouco
venturoso. Novo casamento, novo divórcio, seguido, em 1925, de um terceiro casamento,
agora com o médico Mário Pereira Lage (?-1967). Teria sido durante este período
em que que a malograda poetisa viveu em Matosinhos, que Cid Teles a teria
conhecido. Florbela faleceu em Matosinhos (algumas teses apontam mesmo para a
possibilidade de suicídio), sendo que, em 1949, portanto, já durante o Estado
Novo, os seus restos mortais foram transladados para Évora.
No seu Livro de Mágoas, editado em 1919, Florbela Espanca escreveu, logo
no soneto introdutório:
Este
livro é de mágoas. Desgraçados
Que
no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente
a vossa dor de Torturados
Pode,
talvez, senti-lo… e compreendê-lo.
[…]
Livro de Mágoas… Dores… Ansiedades!
Livro
de Sombras…
Ora,
o poeta que agora inspira este artigo, Manuel Cid Teles, privou de perto, em
Matosinhos, com a malograda poetisa e publicou, em 1934, um conjunto de
sonetos, precisamente com o título Sombras…
De acordo com M. da Graça Orge
Martins, Florbela Espanca:
Refugiava-se nos seus versos narcísicos e
sedentos de um futuro que se recusava a nascer e na mágoa de um passado que nem
sempre lhe fora sorridente, mas em cuja recordação saudosista procurava o
bálsamo que suavizasse a sua mágoa de não pertencer a qualquer tempo, de ser
uma mulher que vivia fora de uma época, exterior a todos os tempos.
Já
em relação a Fausto Guedes Teixeira,
importa dizer que este poeta de Lamego nasceu, em 1871, e morreu em 1940.
Publicou Náufragos (1892), Carta a um Poeta (1899), Sonetos de
Amor (1922) e, a título póstumo, O Meu Livro (1941), que reúne todas
as suas obras. Aquilino Ribeiro (1885-1963), o célebre romancista beirão do
pícaro Malhadinhas, também se interessou pelas obras de Fausto Guedes
Teixeira.
Na
biblioteca pessoal de Cid Teles, em Oliveira do Hospital, encontrei
obras de Gustave Flaubert, Georges Ohnet, Jack London, Fernando Pessoa, Jean-
-Paul Sartre, José Régio, Honoré de Balzac, Stefan Zweig, Manuel da Fonseca, Guy Breton, Jaime Cortesão ou, entre outros possíveis exemplos, Florbela Espanca.
-Paul Sartre, José Régio, Honoré de Balzac, Stefan Zweig, Manuel da Fonseca, Guy Breton, Jaime Cortesão ou, entre outros possíveis exemplos, Florbela Espanca.
Aqui ficam, por conseguinte, algumas
das sementes que o indivíduo colheu ao longo da vida. É através delas que,
afinal, também poderemos compreender a obra telesiana,
matéria a respeito da qual me debruçarei no próximo artigo. Até lá, amigo
leitor, perca-se na geografia literária de Cid Teles, vasculhando os mais
recônditos lugares da cidade de Oliveira do Hospital. São, afinal, estes locais
que também nos ajudam a compreender as palavras do poeta.
Renato
Nunes (renato80rd8918@gmail.com)
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