A obra poética
A
Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira (volume XXXI) registou as seguintes notas biográficas a respeito
de Cid Teles: “Poeta, nascido em 1910 [na verdade, 1911], em Tábua. Residiu
durante anos no Porto, onde publicou os seguintes livros de versos: As Minhas Quadras, 1932; Sombras, 1934; e Chuva de Estrelas, 1947. Tem colaborado em jornais e revistas
literárias”.
Além
das obras já anteriormente mencionadas, Cid Teles escreveu ainda Sou como sou (1945); Canta cigarra, canta! (1999) e Farrapos da Minha Vida (2002). As
quadras e os sonetos do autor, que já tinham sido publicados, foram reunidos,
em 2006, numa colectânea intitulada Tendo
Embora Um Triste Fado…, que contou ainda com as “Quadras Soltas” (inéditas).
Já a título póstumo, foi publicada a obra São
Restos, 2011, que, importará realçá-lo, contém um notável prefácio de
Francisco Correia das Neves (1929-2017). Segundo o próprio poeta, numa
entrevista que concedeu aos alunos de uma escola, em data que não conseguimos
precisar (pode ser consultada a partir da página digital da CM de Oliveira do
Hospital), este teria escrito o primeiro poema por volta dos sete anos e
tê-lo-ia dedicado ao pai:
Quando
estou ao pé de ti
Passa
o tempo de corrida
Tu
és o dia mais lindo
Dos
dias da minha vida.
Manuel Cid Teles: poeta, pianista,
ensaiador de grupos de teatro do concelho de Oliveira do Hospital e de vários
ranchos folclóricos; professor de canto coral no antigo Colégio Brás Garcia de
Mascarenhas; actor, com inegável voz de tenor, e autor de peças de teatro;
amigo e colaborador de Manuel Lereno (1909-1976); declamador, por exemplo no
programa de rádio “Poesia, Música e Sonho” da antiga Emissora Nacional ou na
rubrica “Querida manhã” da Rádio Boa Nova; pintor autodidacta, especialmente de
aguarelas; colaborador de vários jornais e revistas, como sejam Voz de Lamego, Comércio de Leixões ou A
Comarca de Arganil.
Apesar da grande quantidade de
quadras e sonetos que Cid Teles nos legou, os temas privilegiados nas suas
composições são relativamente fáceis de delimitar. De um modo geral, giram em
torno do amor, da infância, da morte e da religião.
Sigmund Freud (1856-1939),
considerado o pai da psicanálise, teria escrito que o inconsciente não tem
tempo. O estudo dos versos que nos legou Cid Teles permite-nos aceder à noite
mais escura que o poeta carregava dentro de si e ao modo como este tentou
conferir sentido à existência, nessa permanente tensão entre passado, presente
e futuro.
O
mundo literário de Cid Teles é atravessado por uma permanente saudade de um
sujeito que se assume como um eterno insatisfeito. Um drama que o pai do poeta,
Manuel Madeira Teles, parece ter adivinhado desde muito cedo:
Vejo-o
tentar subir, com alvoroço,
Alturas
onde, ao meio, o pai cansou;
Vai
subindo… mas como começou
Eu
acabar devia e não posso.
Deixam-lhe
os versos só a pele e o osso,
E
aos vinte anos já tanta dor cantou
Que
alguém, de boa fé, o proclamou
“Venerando
poeta”!... Pobre moço!
Enlaça-nos
o nome e a poesia,
Mas
levamos os dois trocado o trilho,
Ele
atrás da Tristeza, eu da Alegria…
E
assim a Natureza errada vai:
Eu
sou um pai mais moço do que o filho,
Ele
um filho mais velho do que o pai!...
Debrucemo-nos agora, amigo leitor,
perante aqueles que poderão ser considerados os temas aglutinadores da obra do
poeta.
I
– Amor
Trata-se de um dos temas mais
recorrentes da obra poética de Cid Teles. Um dos separadores do seu livro Farrapos da minha vida intitula-se
“Lembranças de amores passados”. O poeta deixou-nos alguns dos mais belos e
ternos sonetos de amor, como seja este que tem o título “Primavera”,
inicialmente dado à estampa na obra Sou
como sou:
[…]
Na doce suavidade das tardinhas
Gemem rolas nas moitas de
jasmim,
Antigamente, quando tu não
vinhas,
Nem primaveras havia para mim.
Agora sinto-a em tudo, basta
ver-te.
Trago-a na alma! É primavera
querer-te
Assim como eu te quero,
imensamente…
O inverno é sempre triste de
passar,
Meu amor, meu amor, deixa-te
estar
E será primavera eternamente!
Trata-se de um amor quase sempre não
correspondido, que provoca sofrimento no sujeito poético. Um sofrimento que
atravessa toda a obra de Cid Teles e, implicitamente, parece ter atravessado
toda a sua vida.
O amor telesiano é, fundamentalmente, um amor platónico, de um indivíduo
que idealiza alguém que não existe e que, por esse motivo, se transforma num
inferno, quando concretizado. Atente-se no seguinte excerto retirado dos Farrapos da minha vida:
Persegui-te
anos a fio
Na
fé de te possuir.
Hoje
acordei a teu lado
E
apetece-me fugir…
II – Infância
Eis a idade mítica do poeta, ao qual
este regressa ciclicamente para reconstruir, de modo idealizado, o que nunca
teve. Recorde-se que a infância de Cid Teles foi marcada por constantes
deslocações, motivadas pela situação profissional do pai, o que teria
dificultado a criação de amigos. A perda dos pais e a posterior morte da irmã
implicou a perda da sua família biológica, levando o poeta a recordar
sistematicamente o passado, quando, supostamente, ainda estaria completo. Daí
essa saudade permanente, não só por aquilo que existiu, mas por tudo o que o
poeta (um profundo fingidor, como diria Fernando Pessoa: 1888-
-1935) procurou permanentemente reconstruir, nesse esforço para conferir sentido à existência.
-1935) procurou permanentemente reconstruir, nesse esforço para conferir sentido à existência.
III
– Religião
Na fase final da vida, Cid Teles
confessava ser um profundo crente. Encontramos com alguma frequência a palavra
Deus nos versos que nos legou. O poeta, sublinhe-se, acompanhou musicalmente,
durante vários anos, as celebrações litúrgicas católicas, permitindo, assim, de
acordo com as palavras de António Simões Saraiva (1927-), “que a sua música
imprimisse mais intimismo, numa ligação mais espiritual com os Mistérios do
altar”.
Um dos separadores da obra Farrapos da minha vida, dada à estampa
em 2002, intitula-se “Lições de Deus, do Mundo e da vida”. Atente-se nas seguintes
quadras:
Só
procura Deus no Céu
O
que não sabe nem sente
Que
Deus anda neste mundo,
Em
tudo e em toda a gente!
[…]
Só
na justiça de Deus
Tenho
inteira confiança,
Pois
na dos homens não vejo
Que
esteja certa a balança...
IV – Morte
Cid Teles confessou que a morte o
assustava, quando ainda tinha a família biológica viva. Ouçam-se os Farrapos da minha vida:
Não
foi nunca a minha morte
Que
temi ou temerei.
O
triste, p’ra mim, da morte,
Foi
ver morrer os que amei.
Habituado,
desde muito cedo, a conviver com os mais velhos, a cuidar dos mais idosos (foi
ele que tratou dos pais e da irmã, na fase final da vida). Nas entrevistas que
concedeu, o poeta reconheceu que o seu posicionamento perante a morte evoluiu
para a aceitação da necessidade de um fim. Ainda assim, logo na sua obra de
estreia (As minhas quadras), aos 21
anos, escreveu:
Dizem
ser a morte triste
Mas
é engano, afinal,
Pois
nos lábios de alguns mortos
Há
um sorriso sem igual.
A recta final da vida de Cid Teles
foi marcada pela permanente consciência da decadência física e da irreversível
proximidade do fim, constituindo mesmo um dos temas mais recorrentes da sua
produção poética. Eis alguns versos retirados dos Farrapos da minha vida:
Das saudades a saudade
A mais cruel e atroz
É a
saudade que a gente
Um
dia sente de nós!...
Dito isto, falta apenas marcar o
próximo encontro, agora em torno de algumas das representações (narrativas ou
imagens) divulgadas, ao longo do tempo, pela imprensa a respeito de Cid Teles.
Até lá, insisto, vale a pena regressar à obra do poeta e à geografia literária
dos seus percursos por Oliveira do Hospital.
Casa onde morou o poeta, em Oliveira
do Hospital: Largo Ribeiro do Amaral, na rua que dá acesso à Caixa Geral de
Depósitos
Renato
Nunes (renato80rd8918@gmail.com)
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