quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Pedra após Pedra - A Palavra Diário I (2012-13)- Fernando Alva (I- Educação Especial)


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No final de Fevereiro ou inicio de Março irei fazer a apresentação do 2º livro do diário Pedra após pedra do  meu grande amigo Renato Nunes ou Fernando Alva como ele se intitulou neste diário transcrito nos Açores.

Fernando Alva, apesar de nascido em França, foi muito novo para Vila Franca da Beira (Oliveira do Hospital), considerando a Beira alta a suas raízes.  O heterónimo é a sua homenagem ao rio alva, um rio que vai desaguar num dos principais rios genuinamente portugueses, o rio mondego e a diversos Fernandos que o marcaram o autor ao longo da sua ainda curta vida. Fernando Valle ,um histórico fundador do partido socialista, Fernando Pessoa, o poeta português que ficará para a eternidade e o jovem Fernando Eugénio abruptamente ceifado pela morte aos 13 anos.

Fernando Alva é professor de História que enveredou pelo Educação Especial como forma de ingressar numa carreira e profissão muito exigente mas que o preenche, alimenta e ajuda-o e enriquecer a sua memória. O primeiro volume do diário que já está disponível intitula-se  de “Pedra após pedra”, recua aos anos 2012 e 13, onde o autor esteve  a lecionar nos Açores, mais concretamente na ilha Terceira.
Fernando Alva intitula-se poeta da solidão e do silêncio. No isolamento e insularidade do arquipélago o professor encontrou nas palavras e nas letras, um refugio, um sinal de sobrevivência numa sociedade e num meio muito peculiar.

O próprio nome do livro leva-nos a pensar nas inúmeras pedras que passam pelo nosso caminho e que temos que as ultrapassar, tantas vezes com imensas dificuldades.  Parafraseando o autor (p.7)“ Pedras afiadas que magoam por vezes, fazem mesmo sangrar. Mas que ninguém se iluda pois é sobre as pedras afiadas que se aprende a ver um pouco melhor, nessa longa caminhada trágica e irónica que é a vida”.

Quando lia o livro lembra-me das conversas que tivemos os dois, onde aprendemos  imenso um com o outro.  Na profissão de professor devido ao contacto que mantemos com pessoas tão diferentes crescemos e aprendemos tanto com os alunos, colegas, pais ou simples moradores da localidade onde estamos. Aquando da leitura do livro foi impossível desligar-me da minha experiência pessoal onde partilho a mesma profissão. Nos dias de hoje com a quantidade de tarefas a que estamos sujeitos  temos obrigatoriamente de seguir o nosso caminho e a acreditar mesmo naquilo que pensamos, caso contrário somos “engolidos” de forma voraz pela sociedade. Fernando Alva salienta a importância de pensarmos pela nossa cabeça. Cito (p.8) “Que o leitor se indigne, conteste ou condescenda. Mas que ouse sempre pensar pela sua própria cabeça e se liberte das mais potentes amarras que podem existir, os medos que nós próprios alimentamos com as vísceras da ignorância e da cobardia. Tudo o mais diz respeito ao autor destas palavras seja ele quem for”.

Não sendo professor de Educação Especial não consigo perceber na totalidade as dificuldades que estes alunos sentem. Nas últimas décadas houve um maior reconhecimento sobre a importância de reconhecer e integrar estas crianças na sociedade. Sobre isto gostava de passar uma conversa  tida numa reunião, onde uma professora de educação especial quando confrontada com as inação de colegas perante um aluno com  muitas dificuldades de aprendizagem, esta disse mais ou menos assim” Se ele fosse vosso filho gostavam que ele fosse tratado assim, ele é um ser humano que teve a infelicidade de nascer diferente”.  Esta frase fez-me pensar. Nos dias de hoje gerir uma turma com alunos sem dificuldades de aprendizagem por si só já não é uma tarefa fácil e quando é integrado um aluno diferente que mal sabe ler, questiono o papel que nós podemos ter para o integrar e o fazê-lo crescer como ser humano.  Sem dúvida por vezes sentimos que não temos formação para fazer face à crescente complexidade da profissão.

Voltando ao “Pedra sobre pedra” de Fernando Alva queria realçar o trabalho que tem sido feito nas escolas perante as crianças com dificuldades de aprendizagem, no entanto ainda há um longo caminho a percorrer. Numa das suas idas à biblioteca local de Fernando Alva dá entender as dificuldades que a sociedade tem para integrar estes seres humanos. Cito (p.15) “Na Biblioteca local (Praia da Vitória), pode ler-se na estante : 376. Ensino Especial , Analfabetos e deficientes. Rastos ideológicos de um passado que pensamos distante, mas que, na realidade continua bem dentro de nós.”  

Aprendemos tanto com as crianças mesmo diferentes ou com menos capacidades. O ensino tem que mudar em duas vertentes: perceber melhor as motivações das crianças e as crianças perceberem melhor a importância da escola. Cito uma passagem do livro onde o autor se refere a uma menina dita problemática pela sociedade (p. 22)  “Uma menina de 11 anos dessas consideradas pelo sistema como terríveis -, a frequentar o 7º ano vem à frente da sala apresentar o mais conhecido livro de Antoine Saint – Exupéry e deixa-me a bocas aberta com apenas duas frases : Às vezes nós vivemos num monte de palavras e neste eu senti um principio, um meio e um fim, uma história e isso é tão raro”; Nós precisamos de várias mensagens para viver. Eis aqui condensado o sentido da literatura trazido por uma das piores alunas da turma  (assim diz o sistema)
E sinto vergonha de mim”.

Dado a complexidade e a quantidade de temas que podemos aprender e trabalhar neste livro. Eu  deixo-vos aqui a minha primeira abordagem que espero que tenham a curiosidade de ler. 

5 comentários:

Dina Cruz disse...
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Dina Cruz disse...

Segui esse caminho, a Ed. Especial, porque me sentia impotente, muitas vezes, perante jovens que me passavam pelas salas de aula e que tinham mundos muito diferentes dos "habituais"... Revelou-se uma paixão!! Não há alegria maior do que conseguir ser farol num oceano profundo e bravio... Dói-me ver colegas que não se importam de ver as pequenas e indefesas embarcações perder o rumo ou afundar só porque o resto da frota vai de vento em popa... É não calo nem nunca calarei essa dor!!! Porque não há desumanidade maior do que tornar outro ser humano em algo completamente invisível...

Dina Cruz disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Tiago Sousa disse...

Dina obrigado pelo teu testemunho que tanto enriquece o blogue e o meu crescimento como ser humano e professor.

Beijinhos

Unknown disse...

Boa tarde, Dina Cruz.
Faço minhas as palavras do Tiago: bem-haja pelo seu contributo. A área da Educação Especial pode representar - cada vez mais - toda a diferença no tipo de sociedade que queremos legar aos vindouros.

Cumprimentos,
Renato Nunes