terça-feira, 26 de outubro de 2021

Palavras de um Professor

 Há momentos em que as lágrimas nos caem involuntariamente quando sentimos a voz do nosso filho  a largas centenas de quilómetros. É duro, muito duro ser professor nos dias que correm. 

Dói demasiado quando as coisas correm mal em catadupa, falhamos em consequência do cansaço que aumenta o medo de falhar.  Em frente de um público não podemos mostrar insegurança, mas por vezes é inevitável em consequência da pressão, da burocracia, de querer chegar a todo o lado ao mesmo tempo e não conseguir. 

Os papéis acumulam-se ao lado da secretária assim como as tarefas para o dia seguinte. Recordo-me hoje de manhã enquanto fazia uma pausa para comer uma sandes no bar da escola,  desabafei com uma colega de Geografia " por mais anos que tenha de experiência o cansaço nesta fase do ano letivo é inevitável " Ela disse-me "Tiago não desanimes ainda tens muitos anos pela frente". Depois de ela ter dito aquilo pensei "será que eu vou aguentar este ritmo durante muito mais anos, bem tendo em conta o panorama extra ensino talvez não tenha escolha"

Trabalho imenso para melhorar e conseguir ser melhor professor mas esbarro muitas vezes em pensamentos que limitam o desenvolvimento das minhas capacidades. Isso enerva-me tanto.

Ser professor é sentir muitas vezes a desilusão quando preparamos tudo para que as coisas nos corram bem e depois a turma não nos deixar explicar os conteúdos com a clareza desejamos. Fico triste por saber que não correu tão bem, com imensas dores de cabeça, no entanto procuro encontrar forças na esperança que o próximo dia será melhor. 

Ser professor é ser resiliente é abdicar de ter tempo com os nossos filhos e familiares e dedicar o nosso tempo aos outros na esperança de ouvir um dia destes um Obrigado. Estou tão habituado a ouvir criticas ou chamadas de atenção dos alunos dos colegas que até me esqueço daquela vez em que os alunos do EFA em Rio Maior me disseram " Obrigado professor" ou no Fundão quando um aluno do secundário me disse na última aula do ano letivo após todos os restantes alunos terem saído da sala  "O professor explica muito bem, podia ser é mais simpático". Fiquei surpreendido, se calhar devia perguntar mais a opinião dos alunos sobre mim. 

Escrevo este texto depois de um início de semana menos bom na esperança que com trabalho dias melhores virão. 

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

A menina do 2º ciclo

Este ano letivo estou a lecionar no Plano Casa.

Comecei há cerca de duas semanas e a minha tarefa é dar apoio a uma instituição de acolhimento de raparigas que são retiradas ao seu lar familiar por diversos motivos. 

Quando entrei lá no primeiro dia observei um meio calmo, estranhei um pouco confesso. A Educadora muito simpática, afável e sempre com um sorriso na cara. Para ser Educadora numa Instituição de acolhimento de crianças é preciso gostar mesmo daquilo que se faz e dedicar-se de corpo e alma a uma causa tão nobre, admiro-a muito por isso.

Sobre o meu primeiro dia, lembro-me de uma conversa que a Educadora partilhou comigo enquanto eu estava a dar apoio na sala de estudo. Ela indicou-me as peripécias que tinha tido durante a madrugada onde teve que ir buscar uma residente da casa a um hospital de Lisboa em consequência dos excessos cometidos, lembro-me perfeitamente da expressão dela sobre a sua menina "Ela está a fazer mal a ela própria".

O apoio que eu faço é muito generalizado e acabo muitas vezes por divagar por caminhos das vidas das educandas. Uma delas ainda no segundo ciclo quando eu lhe coloquei um mapa de Portugal, perguntei-lhe onde era Lisboa, ela não me conseguiu dizer onde era, indicando-me que gostava de ir ao Porto, pois tinha lá um irmão ou um primo. Acabei por dizer-lhe onde era Lisboa e ela conseguiu depois dizer onde era o Porto. Aquando da conversa disse-lhe que o Porto ficava muito distante do local onde ela se encontra, cerca de 5 horas de carro. A menina dizia muitas frases repetidamente "pois é muito longe" "gostava muito de lá ir".... Notei um discurso vago e vazio. Percebi imediatamente a falta de bases e alguém que lhe indicasse um rumo. Devido ao pouco acolhimento para a minha presença  das restantes educandas voltei à menina do segundo ciclo no segundo dia e entre a realização dos exercícios de Português íamos divagando por histórias da sua vida que eu levanto aqui um pouco da ponta do véu. Eu percebi que ela de 15 em 15 dias já vai a casa de familiares e subentendi a sua  da vontade de sair daquele espaço e voltar para a família. Não percebi se ela gostou de estar em casa dos familiares no fim de semana, pois enquanto falávamos deixou escapar a expressão "felizmente ou finalmente (não me recordo ao certo) voltei para a instituição". Sinto quando falo  com ela no seu tom monocórdico e pouco expressivo que ela ainda não está preparada para estar ali e o lar familiar também não será o local ideal. Assustou-me ouvir repetidas vezes ela dizer "Eu quero seguir a minha vida, eu não quero ser como as outras meninas". Quando ouvi dizer a primeira vez fiquei contente, mas quando a ouvi dizer quatro vezes fiquei preocupado. Após as sucessivas repetições senti que não era ela a pensar mas uma cartilha que lhe foi comunicada e ela segue-a sem perceber bem o seu significado. Na instituição sinto-a isolada e perdida. No terceiro dia eu propositadamente não fui ter com ela. Quando faltava pouco mais de meia hora para me ir embora veio ter comigo olhou para o meu telemóvel observou o meu filho e a partir daí decorreu mais uma conversa espontânea.

Fico por aqui nesta minhas novas experiência como professor.

 

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Educação e Arte

Uma escola deve ser um espaço embelezado essencialmente pelos alunos. Este ano letivo no Agrupamento de escolas de Vendas Novas, recordo-me perfeitamente nos primeiros dias andar "a partir pedra" de modo a que me apresentassem os cantos à casa. Assim do nada e com muita sorte deparei-me com uma pessoa muito simpática que me mostrou o Agrupamento de Escolas nº 1 de Vendas Novas. Subi as escadas e deparei-me com dois ou três magníficos quadros na parede da escola que me fizeram por momentos parar, deixar de a ouvir e contemplar a beleza daquelas obras de arte feita por alunos. Pedi-lhe desculpa em consequência de por breves instantes deixar de ouvir mas foi mais forte do que eu.

Gosto muito da minha escola pela forma bonita como está embelezada por dentro. Na minha opinião a arte permite aumentar a criatividade dos alunos.





Trabalhar na escola de hoje é um desafio diário, pois a heterogeneidade  dos alunos é cada vez maior e temos de saber lidar como imensos alunos com profundas dificuldades. Por vezes não é fácil mas improvisamos à nossa maneira.

Lembro-me que o Duarte pergunta por muitas vezes o significado da morte à maneira dele. Nós tentamos sempre suavizar e dizer-lhe que está a dormir. 

Para fazer a ligação entre a arte, as dificuldades de aprendizagens e o Duarte vou citar um excerto do II diário escrito por Fernando Alva designado "Pedra após pedra". O Renato Nunes autor do livro que criou o pseudónimo Fernando Alva enquanto narrador das suas peripécias enquanto professor de Ensino Especial nos Açores.

Cito a pág. 120 " ...Vivo em função dos outros. Falta-me um equilíbrio suficiente para me esquecer de mim. 

Hoje, fui à escola, talvez a minha segunda casa, pedi a um menino com Perturbação do Espectro do Autismo que folheasse uma obra sobre Rembrant, pintor do século XVII, da designada escola realista. Ao ver "A descida da cruz", os olhos do jovem condoeram-se com o cenário dantesco. Depois de chocar com a mãe de Jesus deitada no chão, quis saber se estava morta e respondi-lhe que por certo havia apenas  desmaiado. Senti-o mais tranquilo, mas os seus olhos rapidamente regressaram ao corpo martirizado de Messias, magro, barbudo e cabeludo....Que turbilhão de emoções terão atravessado a poderosa armadura daquele menino habituado a desviar o olhar?

Um colega de trabalho (não digo a profissão ressalve-se), vendo esta minha teimosia em expor "estes jovens" (para mim são apenas jovens) às mais nobres revelações artísticas, riu-.se sobranceiramente e jurou-me que não valia a pena.

Não sei se, na verdade, o faço mais por eles do que por mim próprio. Mas tenho a certeza absoluta que vale a pena. Quase todas as armaduras para não dizer todas têm um calcanhar de Aquiles e arte pode destruir muitas barreiras. 

Van Gogh, Da Vinci, Rembrandt ... decisivamente, eu irei continuar."