Nós, os homens, temos formas curiosas de dizer às pessoas que amamos. (Renato Nunes)
A Catarina, a minha filha mais nova, agora com 46 anos, foi uma criança adorável. Sempre muito curiosa e esperta, nas brincadeiras infantis sabia lidar com acontecimentos menos favoráveis e sair airosamente de situações complicadas.
Já passaram várias décadas desde as inúmeras viagens
de férias que fazíamos juntos, por essa Europa fora. O nosso Mercedes amarelo
tinha a dimensão ideal para cabermos todos, a Catarina, os seus três irmãos, a
minha mulher e eu. O porta-bagagens, que tinha grande capacidade, era pequeno
para caberem todos os pertences de seis viajantes: equipamento de cozinha, uma
pequena tenda de montagem rápida e as malas, que, por ser verão, carregavam poucas
roupas e muitos sonhos.
Depois
de atravessarmos as grandes planícies de Espanha e as belas paisagens
pirenaicas, penetrávamos em território francês, pernoitando em pequenos e
funcionais parques de campismo municipais, quase desertos e sem qualquer pessoa
a vigiá-los, onde, até com água quente, podíamos limpar os corpos e, no meio de
tanta liberdade, purificar as almas.
Visitar
Paris era o objetivo principal, que atingíamos com relativa facilidade. Subir à
Torre Eiffel era para todos um grande desejo e uma tarefa bem simples, exceto
para o Fabrício! Quando chegou a nossa vez de entrarmos no elevador de acesso
ao monumento, o miúdo fez finca-pé e não queria entrar. Tinha medo, que
vergonha, o único rapaz dos quatro irmãos, que foi obrigado a entrar, puxado
pelo ascensorista e empurrado pelo resto do grupo, com a Suzana, a Mariana e a
Catarina à cabeça!
Um
pouco mais tarde, depois da visita ao Museu do Louvre, passeávamos nas ruas ao
lado daquele monumento histórico, dedicado à arte, onde, para se circular, era
necessário romper, já naqueles tempos, entre mares de gente. As instruções que
tínhamos dado era que os miúdos se mantivessem unidos e a Catarina de mãos
dadas connosco. Porém, depois de alguns minutos, demos conta que ela não estava
connosco. Pensávamos que se tivesse juntado aos irmãos que vinham alguns passos
atrás, mas ela não estava com eles. Que sufoco, a Catarina tinha-se perdido.
Rompendo a multidão, voltámos para trás e fomos encontrá-la, parada, estática,
exatamente no lugar onde, disse-nos ela depois, se tinha perdido do grupo. Com
apenas seis ou sete anos, a nossa querida filha tinha acabado de nos dar uma
lição, de como proceder em casos parecidos; não arredou pé, esperou, como é
lógico, que nós voltássemos atrás para a procurar. Se ela se tivesse deslocado
dali, para tentar encontrar-nos, teria sido muito difícil sairmos daquela
situação a rir, no meio de muitos beijinhos e abraços de felicidade.
Sem
percalços de maior, a viagem continuou para sudeste, cujo objetivo era agora ir
para Itália. No percurso tivemos ainda a oportunidade de visitar a costa
mediterrânica do sudeste francês e o Principado do Mónaco, com o seu famoso
casino, onde não nos atrevemos a entrar, tanto pela feliz inaptidão ao jogo, como
pelo aspeto andrajoso das nossas roupas de viagem, naquele fim de tarde de
verão.
Mais
tarde, depois de Florença e Pisa, já em Roma, não podíamos evitar a visita ao
Vaticano. Tinha prometido aos meus filhos que iríamos ser recebidos pelo Papa!
E eles tinham duvidado disso. Pensavam que era brincadeira, mas aguardava-os
uma bela surpresa. À saída da Capela Sistina estendemo-nos pela esplendorosa Praça
de São Pedro. Os miúdos, que viam terminar a visita, chamavam-me já “mentirosito”,
por afinal irmos embora sem ver o Papa. Levei-os então para um canto da praça
onde estava um expositor de postais turísticos, onde se destacava a figura de
João Paulo II. Ali, reunidos em silêncio e simulando o ar mais sério possível
declarei:
-
Quem disse que eu sou mentiroso, quem se atreve? Ora aí está o Papa, eu não vos
garanti que o íamos ver?! Numa explosão de insultos carinhosos lá partimos para
o sul, onde nos aguardavam visitas a Nápoles, Capri e a Pompeios (que as
pessoas insistem erradamente em denominar “Pompeia”.
O
desejado regresso a casa, cansados de tão longa viagem, iniciou-se com um
lanche. O açucareiro de esmalte, herança da minha avó, já mais antigo que somadas
todas as nossas idades, ainda tinha açúcar deixado um mês antes. Dentro, para
nosso espanto, estavam algumas minúsculas formigas já mortas. Enquanto eu
retirava os restos dos gulosos insetos, de dentro do açucareiro, a Catarina,
mostrando a sua habitual perspicácia, afirmou autoritariamente que as formigas tinham
morrido porque eram diabéticas!
A
Catarina, atualmente é profissional de saúde e acaba de ser diagnosticada com
covid 19. Esta situação é, para toda a nossa família, uma situação angustiante,
mas todos acreditamos que ela consiga, tal como sempre o fez na vida, escapar
airosamente das garras desta ameaça tão constrangedora.
Antenor Santos
1 comentário:
Que bonito texto Antenor Santos.
Eu também tive a sorte de fazer viagens com os meus pais pela Europa. Consegui ver pelo entusiasmo das suas palavras o amor que detém pelos seus filhos e a vontade que tem em conhecer outros lugares. Costuma-se dizer que só crescemos enquanto Homens quando alargamos horizontes, conhecemos outras pessoas e outros locais. Desejo que a sua filha recupere do Covid rapidamente. Infelizmente já convivi com ele de perto pois a minha esposa também já o teve. Desejo muita força aos profissionais de saúde que como a sua filha estão a lutar contra uma pandemia nunca vivida por nós.
Abraço Tiago Sousa"
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