Não são exageradas as milhares de linhas dedicadas à Lei de Separação do Estado das Igrejas de 1911. É a lei que encima todo o edifício anticlerical e laicista da Primeira República. Terá sido a lei mais aguardada porque referente a temas sempre presentes no ideário e propaganda republicana e terá sido a lei mais atacada porque desagradou gravemente à Igreja Católica, religião de Estado na Monarquia Constitucional, e aos sectores mais moderados do republicanismo.
Mais do que laicidade significou laicismo, ou seja, uma militância/propaganda activa de imposição de um modelo laico. Destacou-se, portanto, pela sua conflitualidade, radicalismo, carácter totalizante (que não totalitário como muitos insinuam), e dimensão persecutória.
Mais do que ser um instrumento criador de uma separação funcional entre Estado e Igreja (a laicidade moderadamente entendida), a Lei de Separação seria a lança que poderia, como disse Afonso Costa (há uma polémica historiográfica sobre este particular) acabar com o catolicismo em duas gerações. Ou seja, mais do que estabelecer uma higiénica separação entre o Estado e a igreja católica (e restantes confissões) como condição de possibilidade do aprofundamento democrático (um dos escopos do republicanismo) que a liberdade e a igualdade religiosas poderiam robustecer, pretendia-se, isso sim, extirpar a influência da religião católica (excessiva e abusadora da posição dominante por certo) e substituir o culto religioso pelo culto da pátria, ou seja, o enaltecimento dos valores cívicos patrióticos ao jeito de uma religião civil. É por isso que são simplistas e redutoras as interpretações que assacam ao jacobinismo (inegável) de Afonso Costa e outros a lei de 20 mde Abril e todas as outras leis laicizadoras com destaque para a criação do Registo Civil e abolição do juramento religioso.
Apesar de todos os erros que possam ser atribuídos a esta lei, a verdade é que o património da laicidade, tal como disse o Tiago, encerra potenciais imensos de cidadania democrática emancipada de preconceitos legitimadores de privilégios (da Igreja Católica ou outra qualquer religião dominante) injustificáveis num Estado democrático e numa sociedade livre.
Creio que o legado da laicidade mantém toda a sua actualidade e interesse em se renovar num tempo em que, ao abrigo cínico dos Direitos Humanos, se reclama o direito à diferença cultural que, no limite, pode, por exemplo, permitir a paridade das diversas leis de Deus à lei dos Homens. Sim refiro-me ao vírus do comunitarismo que em Paris e em Londres (e não só) ameaça a dignidade de todos, a liberdade individual e a igualdade de géneros.
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