segunda-feira, 18 de abril de 2011

Portugal: que caminho?

Nestes dias de Abril, a incredulidade vai-se apoderando de mim. Com a bancarrota à espreita, vêm-me à memória os terríveis anos que anunciaram o final do século XIX em Portugal. Nessa época, o Estado não conseguiu cumprir muitas das suas obrigações económicas, foi forçado a abandonar o padrão-ouro (sensivelmente, o equivalente ao nosso Euro) e contraiu um empréstimo, cujo pagamento apenas concluímos recentemente, mais de 100 anos depois…

A entrada do FMI em Portugal anuncia medidas absolutamente drásticas para a população e, invariavelmente, serão os mais desfavorecidos a pagarem os efeitos da impunidade política que grassa por aí. Lá fora, os comentários que a toda a hora se fazem e escrevem sobre os portugueses dificilmente poderiam ser piores.

Se, porventura, a unanimidade não for atingida dentro da União Europeia (UE) e o nosso país não começar a receber os empréstimos que o momento exige, será, verdadeiramente, difícil imaginar até que ponto poderemos descer. Vários movimentos nacionais europeus contestam a injecção de capital em Portugal e até já existem economistas que sustentam a nossa saída da UE.

Caso Portugal abandone o Euro, prevê-se o rebentar do caos. Se, neste momento, a Europa quiser expurgar-se eliminando um dos elos mais fracos (depois de, estrategicamente, pagar para as periferias se autodestruírem…) dificilmente antevejo uma posterior intervenção, a qualquer nível, em território nacional. Ora, com o agravamento exponencial do desemprego, com a ausência de dinheiro para pagar aos funcionários públicos e cumprir as demais obrigações do Estado (acabo de conversar com um jovem da minha idade que, com os olhos arrasados de água, me testemunha na primeira pessoa o drama de já não receber salário há vários meses…), com a falta de alimentos, a inevitável desvalorização da antiga moeda, o corte de água potável e de electricidade, entre muitas outras possibilidades, o poder poderá voltar a cair nas ruas.

O caos poderá estar iminente. E, no entanto, as sondagens mais actuais trazem-me previsões absolutamente inquietantes, que me levam a perguntar: onde está a memória dos cidadãos do meu país? Onde se encontram, afinal, os cidadãos do meu país?

Ontem como hoje, apesar das “Farpas” do Eça de Queirós e de tantos outros, os cidadãos continuam perigosamente adormecidos. Como diria José Gil, “nada se inscreve” e, consequentemente, os grandes responsáveis pelos anos dramáticos que nos preparamos para, verdadeiramente, começar a enfrentar insistem em pavonear-se impunemente, reinventando congressos/comícios, onde a (poderosa) lógica sofista, aplicada aos novos tempos dos mass media e da informática, é habilmente explorada para fazer crer aos mais incautos que a responsabilidade tem, afinal, outros donos.

Neste país (nesta União Europeia) do faz-de-conta, a irresponsabilidade e a impunidade não podem continuar a grassar. As Democracias têm este facto extraordinário de permitir que os povos exijam a mudança, venha ela de onde vier. Se há manifestações da “Geração à rasca”, é altura de promover manifestações pelo início da responsabilização criminal de todos aqueles que nos governam. As palavras já não são suficientes. É necessária justiça, efectiva.

A desilusão e a descrença tomaram conta do meu país. Otelo Saraiva de Carvalho, um dos rostos mais conhecidos da “Revolução dos Cravos”, acabou de anunciar que se soubesse como o país ia ficar, não teria feito a Revolução (Público, 14 de Abril de 2011).

Em meu entender, a solução para o grave problema que enfrentamos não passa por responsabilizar a Revolução e camuflar as consequências dramáticas que resultaram do longo período em que Portugal viveu sob a égide da ditadura fascista. Isto para não recuar mais no longo poço da existência nacional e resgatar “As causas da decadência dos povos peninsulares…” – parafraseando o título do extraordinário discurso de Antero de Quental, em 1871 – que também nos ajudam a compreender o que hoje somos e/ou não podemos ser…

Quando, em 1933, Franklin Roosevelt pretendeu tirar os EUA da Grande Depressão, que já havia atirado para o desemprego milhares de pessoas, teve necessidade de basear-se num economista britânico, de seu nome John Keynes (hoje, quase votado ao ostracismo pelos Manuais de História). As ideias de Keynes, profundamente originais para a época, levaram Roosevelt a promover, entre outros aspectos, a intervenção do Estado na economia.

Hoje, numa profunda lógica salazarista, a tendência nacional e europeia continua a incidir, invariavelmente, no aumento dos impostos e na redução das despesas públicas. Ora, será necessário tirar um curso universitário para colocar em prática estas medidas? Aos políticos não se exigirá muito mais?

Se a resposta à questão anterior for positiva, talvez estejamos na hora de definir outros critérios para ascender à parte mais alta da pirâmide política, ou seja, de renovar o próprio sistema. Concretizando: o mérito, o trabalho e o percurso de vida deverão passar a ter um peso efectivo na chegada ao mais alto patamar da vida pública nacional, em detrimento do actual carreirismo… Ao contrário do que poderemos pensar, a Democracia não é um regime inacabado, necessita de ser constantemente reinventado e aperfeiçoado. Ao matar as utopias, a lógica moderna, que tudo subjuga aos cifrões, matou também a imaginação e o sonho, fundamentais para aprender a “pensar fora da caixa”… e do sistema.

Mas, bem o sei, as regras não vão mudar de cima para baixo, pois quem, efectivamente, se perpetua no poder não está minimamente interessado nisso. É aqui que entram (que podem entrar) os cidadãos, quando, efectivamente, eles existirem…

O poder local, se conseguir mobilizar os cidadãos, na restrita área das suas freguesias, dos seus concelhos, pode assumir um papel decisivo no futuro imediato deste país.

Numa era da propalada globalização, é preciso descer ao terreno e sentir as pessoas, promover encontros/debates, ouvir os problemas e aspirações das nossas gentes… ajudar, lentamente, a nascer cidadãos.

A esperança é reduzida? A mudança será ínfima? O meu optimismo é manifestamente escasso? O estudo da História não me dá ilusões e a resposta terá, necessariamente, de ser afirmativa. Mas reside aqui a única alternativa sustentável que, a médio e longo prazo, ainda consigo vislumbrar para um país extraordinariamente rico do ponto de vista geográfico, histórico... mas tão pobre ao nível dos seus governantes máximos, mais empenhados em criar “carneiros” prontos a segui-los do que cidadãos capazes de fazer crescer a nação.

Que o mês em que se comemora Camões e, em última instância, Portugal represente, verdadeiramente, o final de um ciclo conjuntural. Aí, nesse mês, nesse dia, nessa hora, nesse minuto, a responsabilidade é única e exclusivamente nossa. Demitir-se dessa obrigação é desistir do país, é permanecer indiferente ao nosso próprio destino, individual e colectivo. Em meu entender, o cerne de “Abril” ainda reside aqui.

Renato Nunes


5 comentários:

Sérgio disse...

Os momentos de crise são sempre propensos às interrogações sobre os destinos colectivos. Temo, porém, que seja uma questão sem resposta. Não há um caminho: há coisas que se podem fazer mas de efeitos ignotos.
Portugal é um país normal, não há nada de excêntrico em nós nem na nossa história. É uma lição que devo, fundamentalmente, a Boaventura Sousa Santos. E um dos sintomas mais notados da nossa relatividade na «Balança da Europa»,é a profusão de discursos de identidade, nos quais existe um ponto comum: a interrogação «como chegámos a isto?». Primeiro seria interessante perceber o que é «isto» e, depois, ver o que estava antes. A própria base das «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares», embora toque alguns diagnósticos de potencial analítico, como o peso da Inquisição e do jesuitismo, parte de um prssuposto que, do meu ponto de vista, não é inequívoco: a ideia da decadência em contraste com uma época de ouro passada. Não negando que Portugal teve alguma iniciativa no contexto Ibérico e Europeu, creio que não se pode exagerar o alcance nem da Idade Médica «ibérica» nem alimentar o ego nacional com os descobrimentos. Aceitando este princípio, creio que a noção de decadência será relativizada. Aliás, a ideia de «decadência» foi um fenómeno europeu ligado ao romantismo e que, por vias travessas, está na base dos dicursos vitalistas que assombraram a Europa e que tiveram expressão política depois da Primeira Guerra Mundial.
A resposta à questão do Tuago só pode partir de um entimento histórico e sociológico do que é Portugal. Poderia, acaso, o nosso país ser diferente? Não sabemos. a História contrafactual é uma trapalhada. A verdade é que Portugal é um país de débil tecido industrial que chegou sempre tarde às vagas de industrialização europeia. Viveu numa ataraxia económica e social fomentada apelo Estado Novo. Teve de renegociar a sua dimensão semiperiférica através de uma inserção dependente no mercado único. Daí a queima das periferias de que falava o Renato. Não é por «zeitgeist» que a economia portuguesa não cresce e que o país avança para o «default». É porque o crescimento e o desenvolvimento não se decretam. Carecem de condições que não temos em quantidade necessária: mercados, economia avançada, sociedade madura e bem formada,política económica (daí a impossibilidade aparente da solução keynesiana reclamada pelo Renato num enquadramento europeu monetarista à conta do Euro a la Deutsch Bank). Qualquer solução nacional só se pode desenvolver com o repensar fundo da UE.
Portugal é, então, a piolheira? É, quando comparada com outras latitudes. Mas estes fatalismos escondem alguma da boa dinâmica que o país teve desde 74. Sim, a Revolução valeu a pena: olhem a taxa de mortalidade dos recém-nascidos, a eperança média de vida, o número de gente a estudar. Sobretudo pela liberdade. E em liberdade não se pode dar tréguas à corrupção, á memória curta, à «não inscrição». porque todos somos responsáveis à nossa escala. Não estamos satisfeitos com este neofontismo/neorotativismo? Há bom remédio para isso.

Abraço,

Sérgio disse...

Perdoem-me os erros de pontuação que me esccaparam (uma vírgula a separar o sujeito do predicado), a confusão com o nome do autor do texto que não seria o Tiago e, muito menos o «Tuago» mas sim o Renato e um acento ao contrário. A pressa é má conselheira...

Tiago Sousa disse...

Ilustres colegas!!

A democracia é mesmo isso, a troca de ideias divergentes, complementares e enriquecedoras.

A situação é delicada, e mais que nunca é preciso discutir e perceber como com clareza aquilo que se passa no nosso país.

Para conseguirmos enfrentar o futuro precisamos de perceber o presente e analisar o passado.

Tiago Sousa disse...

O Mundo está cada vez mais interligado. É preciso percebe-lo tal e qual como ele é. Infelizmente há coisas e factos que nos entristecem, no entanto há outros que nos enobrecem.

Em Portugal houve mudanças, o desenvolvimento é evidentes que é preciso salientar.

No entanto há que salientar a perda de soberania nacional com a Entrada na União Europeia e a introdução numa economia de mercado onde sobressaem os mais fortes e se subjugam os mais fracos.

Portugal precisa de perceber formas de se tornar mais autosuficiente de modo a evitar que necessitemos de importar. Necessitamos de aprender a ser mais poupados e não gastar mais do que aquilo que temos.

Temos acima de tudo que saber organizar a nossa casa para transparecer uma boa imagem do nosso país ao Mundo.

Nos últimos tempos as coisas não têm decorrido exactamente assim daí as consequências que estamos a pagar agora. Temos de remar contra a maré. O políticos têm um papel essencial, ganhar credibilidade de modo a que possamos confiar neles e caminharmos todos no mesmo caminho.

É este o caminho que eu aguardo, atentamente. Se calhar utópico para alguns,possível para mim.

Vamos estar atentos aos próximos meses e anos.

Tiago Sousa disse...

O texto do Renato no Correio da Beira Serra:

http://www.correiodabeiraserra.com/index.php?option=com_content&view=article&id=3974:portugal-que-caminho&catid=45&Itemid=91