Em meados de Outubro estava eu a iniciar a minha actividade laboral na Escola Secundária de Rio Maior, quando me ligaram da Escola de Fragoso a dizer que eu teria de lá voltar para uma reunião extraordinária. Fiquei perplexo, mais não seja porque estava a cerca de 400km de distância. Bem passemos agora ao que interessa as razões dessa reunião maravilha. Durante a época normal, ou seja logo após a entrega das notas de final de ano lectivo o encarregado de educação de um aluno com 5 negativas interpôs recurso à avaliação, alegando que os professores durante o processo avaliativo não tiveram em conta os seus problemas auditivos, diga-se nunca justificados ou indicados através de uma declaração médica.
Este recurso foi devidamente contrariado em acta, sendo os nossos argumentos aceites em pedagógico. O Pedagógico corresponde ao órgão máximo da escola.
Fui para férias descansado sabendo que não haveria qualquer hipótese de voltar a interpor recurso desta vez para o órgão superior a Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), pois não teria argumentos para tal.
Qual não é o meu espanto, quando em meados de Outubro, já o ano lectivo ía com 3 semanas de aulas, soube que o pai tinha recorrido à DREN, sendo-lhe dada razão.
Vou passar a descreve a carta descrita por uma pessoa que não tem contacto com o meu educativo, nem sabe como funciona a realidade escolar:
Tendo em conta os princípios que enformam a legislação sobre a avaliação das aprendizagens-evolução do aluno, aquisição de competências numa lógica de ciclo e retenção com último dos recursos(...) o Conselho de Turma, com a concordância do Conselho Pedagógico não assegura a aplicação dos mesmos justicando a retenção do aluno exclusivamente pela postura desadequada do aluno face às actividades: falta de interesse, falta de estudo, falta de empenho, pouco investimento no estudo, comportamento desajustado.(...)atendendo à lógica de ciclo,(...) não justifica que as dificuldades do aluno, no 7º ano, comprometam significativamente a aquisição de competências de final do 3º ciclo do ensino básico.
Com estas palavras apreende-se que se a falta de estudo,empenho, postura desadequada face às actividades escolares não são suficientes para a reprovação. Associado a este facto depreende-se que as competências não adquiridas no 7º ano podem ser adquiridas nos anos subsequentes. Valia mais não se chumbar ninguém até ao final do 9º ano, bem se calhar caminha-se nesse sentido.
Continuando a transcrever a carta, prometo não vos massar muito mais:
A repetição não é um meio pedagógico adequado, porque os alunos vão encontrar dificuldades acrescidas quando a sujeitos a um mesmo programa, numa turma em que têm que fazer novos esforços de integração e para onde transportam o estigma do "chumbo"(...) A ideia muitas vezes ouvida que a "repetição não faz mal" não tem qualquer fundamento sobretudo numa escolaridade básica. A transição de ano sem que os alunos adquiram as competências necessárias e sem que se encontrem os meios de superação de dificuldade não é de modo algum solução, mas a repetição, atirando a responsabilidade da não aprendizagem para o aluno e sua família, também não é.(...)
Bem acho que esta passagem diz tudo, coitadinho do menino que vai ter de se adaptar a uma nova turma e transportar o estigma do chumbo...Toda esta situação ridícula, coloca em causa o trabalho dos professores, da escola, do sistema educativo etc. Quem se fica a rir com tudo isto são os alunos, que se apercebem do facilitismo que de uma forma cada vez mais evidente é demonstrado pelas mais altas instâncias do ensino em Portugal.
É contra esta corrente que temos de lutar, não só nós professores como todos os cidadãos, pois só dessa forma o país pode crescer e evoluir.
Fica aqui um testemunho, espero que vos faça pensar e reflectir um pouco
1 comentário:
Meu caro,
A situação que tu descreves, sobretudo os parágrafos dessa carta repleta de baixo discurso pedagogista-normativista-obscurantista, será um testemunho das confusões e equívocos que pululam na Escola e na Educação. A escola, outrora encarada como mecanismo de ascensão social pelas aportações que trazia a quem, sem a sala de aula, nunca poderia ascender aos rudimentos dos saberes (sim, saberes, palavra decerto indigesta para muita gente colocada em lugares influentes)que estruturam a herança Cultural e Civilizacional da Humanidade. Trágico-cómico é mesmo constatar a utilização da dimensão das competências como mecanismo de substituição dos saberes: ou seja, os saberes por serem efémeros, seriam substituídos por um alegado «savoir-faire» trandisciplinar (olhem a monodocência em vista para o 2º ciclo ou o agrupamento de áreas)apresentado como o alfa e o ómega da passagem pelo sistema de ensino. Diríamos, coloquialmente, sobre a tipologia do aluno: «pode não saber nada sobre coisa nenhuma mas é competente em qualquer coisa». Pobres tolos, não sabem eles que as competências não se geram no vazio... Que é, precisamente, através de saberes estruturados no rigor metodológico que se desenvolve competências a qualquer coisa? Que o tão propalado «savoir-faire» (já agora o quê? Carpintaria? E a escola serve só para isso?) só o é em referência a um corpus de saber científico? E que se o saber é efémero e mutável é-o precisamente porque evolui e não porque é abandonado por causa de alegadas dificuldades de fedelhos malcriados e mal habituados? Caro Tiago, o problema que descreves é sistémico, não é acidental...
Um abraço amigo e votos de (continuação) de bom trabalho.
Sérgio.
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