Bem nem sei por onde começar. Arrepiei-me com a descrição tão exaustiva da imaginação do Duarte. Desta vez fui eu que fiz as perguntas. A minha ambição é transparecer um bocadinho da emoção que o Duarte descreveu o seu sonho.
Tudo começou há breves minutos, sentei-me e comecei a conversar com o Duarte na esperança que ele acalmasse depois de um período após o jantar onde ele correu, saltou do sofá, caiu e calcorreou todos os recantos da casa como é o normal no final do dia.
Comecei a fazer uns riscos numa folha branca de rascunho e a contar a minha história. Lembrei-me de há uns dias o Duarte ter falado de um sonho que tinha tido, onde dizia que estava no Luso a brincar com os seus brinquedos. O grande hiato temporal sem ir à casa dos avós maternos deixou mossa naquele cérebro pequenino, mas com uma tremenda imaginação.
Contei o meu sonho inventado começando por dizer que ele estava no Luso com a mãe. A mãe Cecília inesperadamente teve uma reunião que demorou muito tempo e quando se apercebeu já era muito tarde para regressarem. Decidiram jantar e passar a noite no Luso. Senti que a partir daqui já tinha cativado a atenção do Duarte. Parei uns segundos a narração e o Duarte disse "e depois pai". Estava a conseguir acalmá-lo e a fixar a atenção dele naquilo que eu dizia. Prossegui a narração do sonho inventado. Ao outro dia de manhã bem cedo a mãe acordou e começou a trabalhar horas a fio. A avó "Lai", diminutivo de Cidália, teve que ir acordar o Duarte, vesti-lo, dar-lhe o pequeno almoço e brincar toda a manhã com o neto. A Cecília em consequência das inúmeras tarefas que teve de fazer mais uma vez nem se apercebeu das horas e quando finalmente terminou a última reunião, já era hora de almoço. Cecília disse "não pode ser, como é possível a manhã ter passado tão rápido". A avó Cidália pôs as mãos na cabeça e disse "como é possível ter-me esquecido de dar de comer às galinhas e aos coelhos". Saiu a correr muito e foi perguntar ao avô "Xandre",diminutivo de Alexandre, se podia dar de comer às galinhas e aos coelhos para ela poder ir tratar do almoço. Após o almoço a Cecília disse à mãe Cidália que tinha de ir para Oliveira do Hospital pois tinha que fazer análises e o pai Tiago estava sozinho, não sabia fazer comer e estava a passar fome. Bem o meu sonho estapafúrdio terminou quando o Duarte e a mãe iam a caminho de Oliveira do Hospital.
Bem Duarte agora é a tua vez de contar o teu sonho.
Duarte- "Pai eu esta noite ouvi os cães a ladrar muito e um homem a acompanhá-los. Ladravam muito alto, gritavam."
Eu- "Gritavam como?"
Duarte- "Au, Au muito alto". Foi tudo tão assustador pai.
O Duarte pôs as mãos na cabeça e disse "Ai meu deus foi tudo tão horrível"
Eu "Mas o que é que se passou no teu sonho filho, conta-me por favor"
Eu suspirava tentando demonstrar um sinal de medo e de envolvência na história.
Duarte" Pai começou tudo a tremer"
Eu com um ar muito espantado argumentei "Como assim Duarte diz-me o que é se passou"
Duarte "Os prédios começaram a levantar-se do chão"
Por momentos pensei que estava a entrar num livro, mas estava apenas a entrar na cabeça do Duarte.
Eu "Mas quem é que levantou os prédios, Duarte diz-me"
Duarte " Foram bruxas pai. Elas com as mãos conseguiram levantar o prédio e move-lo para longe, destruíram tudo à sua volta, foi horrível pai"
O Duarte com as mãos na cabeça andava de um lado para o outro, mexia nas coisas do escritório e voltava a colocá-las no lugar.
Duarte "Pai foi tudo tão horrível"
Duarte " As escavadoras começaram a levantar as pás a fazer mal aos prédios e às pessoas"
Duarte "Os carros de bombeiros começaram a levantara a escadas descontroladamente"
Duarte "Foi tudo destruído à volta do prédio"
Eu nesta altura já suspirava. Pedia-lhe para respirar fundo.
Eu " A história acabou bem ou mal, o que aconteceu aos cães que começaram o sonho"
Duarte " Os cães ladraram a pedir ajuda"
Eu " E acabou a história ou ainda tens mais a contar"
Duarte" Depois apareceram os polícias para tentar prender as bruxas, lançaram a rede mas não conseguiram e as bruxas venceram"
O Duarte enumerou um conjunto de personagens penso da história da branca de neve e dos sete que não tive capacidade de reter.
E assim acabou a narração diabólica que o Duarte fez do seu sonho.
Os dois sonhos que eu acabei de descrever retratam as realidade que vivemos. Muito trabalho que nós enquanto professores temos, por vezes não conseguimos dar à atenção que o Duarte merecia e socorremo-nos dos avós para darmos conta dos muito recados que temos que fazer. O Duarte por sua vês infelizmente vicia-se cada vez mais em histórias de super-heróis de bruxas e vive aquilo com uma intensidade tal que por vezes não distingue a realidade da ficção.
Apesar de ter tentado puxar por ele preocupou-me a forma entusiasmada e assustadora como ele descreveu tudo aquilo.
Fica o alerta para nós pais e educadores.
1 comentário:
Pronto, já li! Sabes, os sonhos " maus" , pesadelos e medos são muito comuns nesta faixa etária. Não é preocupante, Tiago. Seria, sim, se ele não os partilhasse com os pais. Quando guardam para si, enchem- se de problemas que não sabem resolver, muitas vezes ,como dizes,por se misturar a realidade com a ficção; a partilha é sinal de conforto, de confiança, de saber que com o pai nunca nada de mal lhe vai suceder, por mais que as bruxas ou os cães façam maldades enormes. O tipo de animação que passa muitas vezes nos canais infantis também não ajuda nada, a supervisão parental é fundamental e eu sei que o Duarte tem uma família muito atenta. A tua chamada de atenção é pertinente e legítima, em defesa do harmonioso desenvolvimento emocional das crianças. Ouvir, estar e desconstruir é mesmo importante! Bem hajas, valente pai.
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